Denise Mendonça Teixeira: Como o senhor avalia as diretrizes do Plano de São Paulo quanto à questão do transporte?
Flávio Villaça: É algo apenas para o papel, pois os prefeitos não tomam conhecimento do que está lá de fato. Além disso, como coloco no livro As ilusões do plano diretor, a legalidade dessas determinações específicas – uma lei com determinações específicas – é de constitucionalidade altamente discutível.
DMT: Qual a razão dos prefeitos não se interessarem?
FV: Eles querem, evidentemente, pois é um direito e uma obrigação deles, manter sua liberdade para cumprirem suas promessas de campanha. Além disso, eles também ficaram, como todo mundo, à margem do processo. Veja-se, por exemplo, aquela listagem enorme de mais de 300 “Ações Estratégicas” propostas no Plano de São Paulo. Basta mudar o secretariado, para que os novos não têm a menor noção daquelas trezentas e tantas ações estratégicas que já existem. Por isso aquilo não sobrevive, não resiste nem mesmo a uma mudança de secretariado.
DMT: Então não faz sentido constar no plano as “ações estratégicas”?
FV: Nenhuma proposta de obra específica, como todas daquela lista enorme de obras viárias não podem constar na lei, pois esta não pode ser especifica. Portanto se o plano vira lei, mas diz que tem que abrir avenida tal, tem que construir viaduto tal com passagem de nível em tal lugar, como o plano estratégico especifica, isso não tem o menor valor jurídico. Nenhum prefeito toma conhecimento – nem tem obrigação – por que a lei não pode ter esse grau de detalhe que engessa completamente a ação da prefeitura.
DMT: No caso do Plano de São Paulo, a prefeita acompanhou o processo?
FV: Parece ter acompanhado de longe. A imprensa mostra como isso ocorreu. Ela foi pressionada muita mais pelo zoneamento como ela própria disse à imprensa: “Tudo que é Z1 é complicado”. Mas, no geral, ela tem a mesma idéia que qualquer outro. O mais elucidativo quanto a participação de um prefeito no plano diretor, foi o caso da Luiza Erundina (prefeita de São Paulo de 1989–1993). Paul Singer (economista) conta num capítulo do livro Na sombra da cidade (Maria Cristina Rios Magalhães, org. São Paulo, Escuta, 1995), que no inicio da administração da Luiza, ela já o havia escolhido para secretário de planejamento. Ela fez uma visita ao reitor da USP e pediu que Paul Singer, que era professor dessa universidade, a acompanhasse para ver as possibilidades de colaboração da USP no plano diretor. Ela nutria as mais ingênuas esperanças com relação ao plano, o próprio Paul, se confessava meio leigo no assunto. Essa colaboração da Universidade acabou não ocorrendo, no entanto o plano foi feito com a maior seriedade, apesar de nem mesmo chegar ao plenário da Câmara. Nesse momento Paul Singer realmente se envolveu em planejamento urbano, porém, diretamente, foi a Raquel Rolnik (arquiteta urbanista) quem conduziu o processo. Mas o Paul sentiu de perto e ao vivo a objeção e a força política do empresariado, especialmente o do setor imobiliário. Este último, acabou inviabilizando o plano. O Paul, entretanto, deixa claro no seu livro, que terminou a experiência com a idéia de que planejamento urbano ainda é coisa para competentes.