Denise Mendonça Teixeira: Henri Lefebvre já falava da problemática urbana, do urbanismo como ideologia e instituição. Como o senhor entende essa ideologização?
Flávio Villaça: Em Espaço intra-urbano eu trato da ideologia, tanto no espaço como no planejamento urbano. Já em “As ilusões do plano diretor” eu falo da ideologia do plano especificamente, destaco sobretudo a imagem de trabalho técnico que ainda prevalece forte com relação a esse instrumento. Mesmo a participação dita “popular” ainda tem uma imagem técnica, com destaque para arquitetos, engenheiros, geógrafos, além de pessoas com nível superior em geral e respectivas associações e órgãos de classe. Os próprios debates que a Secretaria Municipal do Planejamento fez inicialmente sobre o Plano Diretor Estratégico, eram debates técnicos. Já os que fez sobre os Planos Regionais, em cada sub-prefeitura, e as audiência públicas na Câmara, foram politizados.
DMT: Qual a explicação para o Plano Diretor ter essa importância dentro da Universidade?
FV: Eu investiguei quando poderíamos marcar o nascimento do Plano diretor no Brasil, e concluí que foi com o Plano Agache para o Rio de Janeiro, em 1930. Foi ele que trouxe a idéia de plano diretor para o Brasil. Já naquela época toda a ideologia da tecnocracia vicejava, por isso toda a elite intelectual – os arquitetos e urbanistas, como Prestes Maia, Anhaia Melo, etc. – ficaram seduzidos pelo Agache. É essa elite que vai plantar a idéia nutrida pela ideologia da tecnocracia, o que vai sustentar a concepção de plano diretor ao longo das décadas. Mas é algo que não tem nada a ver com os problemas reais, pois trata-se de uma classe que fica elocubrando sobre teorias e especulando sobre os problemas urbanos. Fica ensinando e ruminando em cima disso, enquanto isso os problemas urbanos estão se agravando, ali do lado, em paralelo, sem ter nada a ver com essas elucubrações. Então eu chego a conclusão de que o plano diretor faz parte da ideologia dominante e sua finalidade é esconder os problemas urbanos, não resolvê-los.
DMT: Mas é curioso que na própria Universidade não atentem para essa realidade.
FV: Isso mostra que há muito ensino alienado na Universidade.
DMT: Como o senhor reestruturaria o ensino de planejamento urbano nas escolas de arquitetura?
FV: O ensino é muito ligado à prática que existe na sociedade. Ele não pode ficar alheio, mas também não pode ser totalmente conduzido nem limitar-se a ela. A Universidade foi contaminada pela ideologia toda de planejamento urbano, mas tem muito mais condições, possibilidades e obrigação de ser vanguarda, de criticar o que há na sociedade. As transformações no ensino tem de ser pautadas pela crítica e não serem caudatárias do que acontece na sociedade. Ela está sendo muito caudatária, caindo na arapuca do plano diretor com muita facilidade, por isso precisa ser mais crítica.