Meio século de urbanismo havanês. Entrevista com o arquiteto Mario Coyula
por Roberto Segre
O professor venezuelano Arturo Almandoz publicou em dois fascículos da revista Ciudad y Territorio. Estudios Territoriales – CyTET (135/2003 e 139/2004), as entrevistas realizadas a Roberto Segre e Ramón Gutiérrez. Ambos estudiosos da arquitetura e do urbanismo latino-americanos se referiram a suas experiências teóricas e práticas em escala continental, desenvolvidas nas últimas décadas. O interesse despertado por estes testemunhos, motivou a entrevista ao arquiteto e urbanista Mario Coyula (Havana, 1935), sem dúvida, um protagonista das transformações ocorridas em Havana na segunda metade do século XX. Apesar do embargo norte-americano, das dificuldades que enfrenta atualmente o sistema socialista cubano, das complexas relações com os países capitalistas (tanto europeus como latino-americanos), esta mítica cidade amada pelos espanhóis, que a chamaram "A pérola das Antilhas", segue atraindo o interesse de profissionais, docentes e pesquisadores urbanos. Isso se deve não só por ser a maior cidade caribenha – quase uma metrópole –, mas também por sua forte personalidade e seu indelével caráter arquitetônico e urbanístico, que apesar dos embates do tempo e dos sistemas políticos, não conseguiram arruinar a excelência de seu passado histórico que se conserva quase intacto – nesta etapa recente, quase detida no tempo e no espaço –, desde suas origens até o século XXI.
Nosso diálogo nasce de quatro décadas de contínua amizade e de identidade de olhares em defesa de seus atributos culturais, urbanísticos e arquitetônicos, que se concretizaram no trabalho em equipe para escrever o livro Havana, two faces of the antillean metropolis, editado nos Estados Unidos pela North Carolina University Press (2002), no qual também participou o professor norte-americano Joseph Scarpaci. Mas o que considero importante neste testemunho é a expressão da complexa e contraditória realidade que coube a esta cidade viver desde a chegada do sistema socialista. É um processo difícil, que Coyula viveu com intensidade na própria carne, no tenso e nada fácil compromisso cotidiano. Proveniente de uma tradicional família havanesa, foi o único membro que não imigrou para Miami, integrando-se à luta clandestina estudantil contra a ditadura de Fulgencio Batista. Apesar de sua origem "burguesa", não teve dúvidas em assumir plenamente as transformações do governo socialista, o que lhe valeu a militância política e a designação para ocupar cargos "dirigentes" dentro do sistema: desde Diretor da revista Arquitectura/Cuba (a quem acompanhei como chefe de redação) e da Escola de Arquitetura, até Diretor de Arquitetura da Cidade Havana.
Mas, como demonstram suas respostas, nunca foi um técnico submisso às imposições (nem sempre acertadas) da estrutura política piramidal dominante, mas que com os escassos graus de liberdade disponível, manteve uma atitude crítica diante decisões que afetariam os futuros destinos da cidade. Ademais, teve o mérito de percorrer todas as escalas do "desenho ambiental", tanto na prática como na teoria, o que lhe permitiu converter-se em um dos principais pensadores e escritores sobre a cidade de Havana. Reconhecimento obtido, não só em Cuba, com os prêmios e condecorações locais, mas também no exterior: o demonstra sua seleção como professor convidado para ensinar durante um semestre de 2002 na Universidade de Harvard, e dirigir uma oficina de urbanismo sobre o Malecón, o quebra-mar havanês.
Tenho a certeza que esta entrevista esclarecerá múltiplas duvidas e permitirá assumir a densa complexidade da historia de Havana no último meio século, muitas vezes analisada desde óticas parciais, tendenciosas, reducionistas e esquemáticas. Considero também de grande utilidade, para os pesquisadores dedicados a esta cidade e ao processo urbano cubano, a compilação de uma bibliografia dos principais escritos de Coyula sobre a arquitetura e o urbanismo da ilha caribenha.