Roberto Segre: Uma vez iniciado o Governo Revolucionário, suas experiências profissionais iniciais foram arquitetônicas. Ainda não se sentia atraído pela escala urbana?
Mario Coyula: Realmente não. Sentia-me atraído por volumes e espaços mais tangíveis, poderia dizer mais esculturais. Antes do triunfo da Revolução havia trabalhado vários anos com um arquiteto amigo, Oscar Fernández Tauler, que compartia seu estúdio com o pintor e escultor Rolando López Dirube. Também trabalhou ali meu amigo de infância, Emilio Escobar. Oscar não pagava muito mas nos deixava experimentar. Naquela época estava muito em moda o tema da integração das artes plásticas com a arquitetura. A maior parte dos projetos que se faziam ali – falo de antes do triunfo da Revolução – foram casas individuais com pouco orçamento, mas sempre fizemos coisas interessantes, incluindo as primeiras habitações com revestimentos externos de dupla curvatura calculados em Cuba. Lembro da casa de Pepe Fernández em Boca Ciega, e a de Tauler, um tio de Oscar, em Celimar. Quase sempre levaram algum mural ou esculturas de Dirube. Também colaboramos no projeto do edifício de 17 plantas na Rua 23 entre D e E, Vedado, com alusões wrightianas mais que diretas, que seria terminado em 1959 com o nome de Irmãs Giralt. Ali Emilio desenhou um enorme tímpano de cimento texturizado que bloqueava o sol da tarde.
Depois do triunfo da Revolução, mas ainda sem me formar, trabalhei muito em habitações campestres agrupadas em pequenas vilas rurais. No departamento de Habitações Campestres do INRA estava como chefe de projetos Frank Martínez, e participavam outros bons arquitetos jovens como Serafín Leal e Sergio González. Ainda não haviam irrompido os edifícios de apartamentos de cinco andares semeados no meio do campo… Comecei a jogar com a escala urbana (melhor dizendo, desenho urbano) quando projetei alguns centros comunitários, agrupando vários edifícios típicos de serviços sociais ao redor de praças, e conectando-os com galerias que nunca chegaram a construir.
Meu primeiro vôo solo como recém formado em 1962 foi uma escolinha pré-primaria com habitações para professores na repartição Fontanar. Usei uma estrutura típica que havia desenhado Eduardo Ecenarro para uma nave agropecuária pré-fabricada – com certeza muito bem solucionada – tratando de disfarçar-la com alguns muros de seção variável que saíam fora da edificação… Agora penso num Pavilhão de Barcelona com artrose! Um tempo depois visitei a escolinha: a vedação que decidi empregar nas juntas das lajes de coberta (asfalto com areia) se derretia com o sol e caía nas cabecinhas das crianças… Fui embora rapidamente para evitar às enfurecidas mães.
Senti-me mais realizado quando assumimos a terceira fase do projeto da Cidade Escolar Camilo Cienfuegos em Las Mercedes. Esse enorme complexo escolar, previsto inicialmente para agrupar 20 mil crianças dispersas nas montanhas, ficava nas colinas da Serra Maestra, onde a guerrilha de Fidel Castro se havia feito forte depois do desastroso desembarque do iate Granma em dezembro de 1956. Na equipe, dirigida por Emilio Escobar, estávamos vários amigos como Luis Lápidus, Orestes del Castillo, Antonio Saínz, Arsenio Mata, Marina López e outros. Eu projetei em 1963 os conjuntos de habitações para os professores, que se repetiram em várias das unidades. Configurava-se uma pequena praça em cada unidade, definida por dois tipos de habitações de uniplantas de dois dormitórios, pareadas e em faixas; e uma edificação biplanta com apartamentos de um dormitório em planta baixa combinados com outros de três dormitórios em dois níveis.
Essa Casa Duplex tinha acesso por duas fachadas opostas, para que pudesse funcionar como eixo visual do conjunto. Tratei de adequar-me a um clima pouco comum em Cuba, longe do mar e bloqueado por montanhas: sem brisas, quente e empoeirado pelo dia, e fresco pelas noites. Foi talvez um pretexto para tentar meu exercício à la Le Corbusier: muros lisos com poucos buracos cuidadosamente compostos, e claro, brancos; e loggias para dormir fora quando o calor fosse sufocante. O arquiteto Tony Colás projetou depois a pequena praça do conjunto e desenhou um farol de cimento que envelheceu muito bem. Em troca, a volumetria das habitações está atualmente descomposta por quatro cores diferentes (e não precisamente escolhidas por Rietveld), que obviamente incluem os inevitáveis rosado e verde.
A ilusão de fazer uma cidade no meio do campo terminou tragada pelo campo. Essa Casa Dúplex apareceu no livro Dez anos de arquitetura na Cuba revolucionária que você escreveu, e recebeu menção em 1990 no Salão SIARIN "30 Anos de Arquitetura Revolucionária". A partir desta experiência tomei consciência de que havia outras questões que formam ou deformam qualquer projeto. Pouco a pouco fui entrando em outro mundo mais coral e menos vedettista.
Em 1968, o projeto da vila de Vallegrande me fez trabalhar à escala completa de um assentamento de 120 habitações com sua infra-estrutura técnica e serviços sociais, desenhado e construído em 44 dias. Nunca entendi bem o porquê desse cabalístico 44, provavelmente um comentário de alguém importante, tomado imediatamente como um compromisso. Tive que usar uns projetos típicos de casinhas isoladas unifamiliares de uma planta, com paredes pré-fabricadas ligeiras com o sistema Sandino (antes Novoa). O traçado da vila fiz em umas poucas horas com Mario González. Ingenuamente, as casinhas estavam rodeadas de grama e sem cercas, formando umas super-quadras com pracinhas para estar e dois cruzamentos de pedestres no sentido mais curto. Em pouco tempo todas foram sendo cercadas de maneira improvisada e com materiais de refugo.
Nessa mesma época projetei um conjunto de trinta habitações uniplantas pareadas em frente à Escola de Artes Plásticas de Cubanacán, com o fundo para o aeroporto da Cidade Libertad, recentemente desativado. Era uma faixa ao longo da rua, mas algumas casas estavam desalinhadas para formar umas pequenas praças de estar em frente. Quando agora passo em frente a essas casinhas me custa muito reconhecê-las. São poucas as que se mantiveram igual a como as projetei, e algumas cresceram e se subdividiram até converter-se quase em pequenos edifícios de apartamentos. Inicialmente as casas eram para erradicar moradores de um bairro próximo insalubre, que supostamente eram pobres de solenidade. Parece que alguns encontraram a maneira de aumentar criativamente seus ingressos, e aplicar-los com entusiasmo a desfigurar uma arquitetura sem pretensões mas correta. Outra vez o meio empurra para baixo.
Uma experiência muito interessante da década de setenta foi a reanimação urbanística, um programa de ações rápidas concentradas em nós urbanos importantes mas decaídos, que começamos na antiga direção provincial de Arquitetura e Urbanismo de Havana em 1974. Foram feitos vários projetos antológicos, como o Bulevar de San Rafael, os Quatro Caminhos e 12 e 23, em El Vedado. Lamentavelmente, se abandonou essa prática; e ainda esperamos pela primeira rua-parque ou woonerf, projetada para a Rua Aramburu no Centro de Havana.
RS: Nestes anos iniciais, com as mudanças radicais acontecidas na profissão e no ensino, se levaram a cabo diversos projetos teóricos e utópicos, associados ao projeto de construção de uma nova sociedade. Você participou de algum deles?
MC: Desfrutei muito de outros projetos urbanos que fiz na Escola de Arquitetura fora do curriculum, ainda que se distorceram notavelmente durante a execução – como a vila nova de Ceiba da Agua e a vila do Vale do Peru – ou nunca chegaram a se fazer. Um foi o projeto (ou melhor, um manifesto) para Banao, elaborado em 1967 com dois arquitetos importantes, o espanhol Joaquín Rallo e o italiano Roberto Gottardi. Banao propunha critérios muito adiantados, buscando apagar diferenças entre a cidade e o campo, imaginando novas formas muito radicais de vida em relação às mudanças sociais que estavam sucedendo em Cuba. Sugeria a reciclagem e outros assuntos referentes ao equilíbrio ecológico e até se adiantava na doação de órgãos.
Ceiba da Agua seguia a geometria dos vizinhos semeados de cítricos como trama básica para o traçado da vila. Usamos projetos típicos de habitações biplantas aos que somente lhes fazíamos uma mudança: colocar a escada no exterior. Isso aclarava o interior da habitação e dava um ritmo interessante à rua, agora diria que similar (salvando as distancias) às fileiras de brownstones em Manhattan. Mas nos proibiram de tirar a escada porque se apartava do projeto típico aprovado para todo o país.
Algo parecido aconteceu com a vila de Vale do Peru: em resposta à obrigação de montar com gruas os edifícios de grandes painéis de cimento que estávamos obrigados a usar, optamos por levar essa restrição ao extremo e fazer uma vila linear, ao longo de um quebra-mar em frente a um açude represado. Os edifícios se localizavam em filas paralelas e se escalonavam em altura subindo para trás e descendo para os extremos, usando os tetos para descer ao quebra-mar.
Em vez de rejeitar à via, como era usual em todos os projetos de novas comunidades rurais, propomos que ela era precisamente uma das poucas fontes de animação em um lugar isolado, por isso devia incorporar-se à vila. A segurança se garantia com um par de pontes para pedestres para chegar à margem da água por cima da via. Também este projeto ficou desfigurado: os construtores imaginaram que o cimento típico se desperdiçava ao não fazer todos os edifícios de cinco pisos, a quantidade de habitações se reduziu drasticamente de 1050 a 150, não se fez o quebra-mar e se perdeu o conceito de vila linear compacta.
Em 1966, com a participação de Joaquín Rallo e Roberto Gottardi, elaborei o projeto de remodelação da antiga Funerária Caballero em La Rampa para converter-la em uma Casa de Cultura. Foi uma experiência muito interessante. Rallo se aproximava ao desenho com uma rigorosa visão científica, implacavelmente perfeita, que às vezes chegava a parecer-me desumanizada. Roberto lutava para controlar sua criatividade extravasada, muito pessoal, com um sólido andaime teórico gramsciano transferido da filosofia à arquitetura. Foi um estudo muito sério de interiores, com ênfase na cor. Seu tratamento foi muito transgressor; uma homenagem à estética de Os Guarda-chuvas de Cherburgo, com uma festa de magentas, turquesas e verde maça.
Trabalhávamos in situ de forma voluntária, fora do horário normal de trabalho. Poucas semanas depois de sua popular inauguração, se decidiu fechar a instalação devido a um incidente ocorrido no seu interior, com a lógica estreita do conto do marido enganado e sua vingança arremessando o sofá pela janela. O público indesejável que ia ali simplesmente cruzou a rua e se situou na esquina de L e 23.
Integrei uma equipe com Joaquín, Roberto e o venezuelano Fruto Vivas (uma máquina de produzir idéias) em um programa de construção de jardins da infância, uma espécie de mini-círculo infantil, que geralmente se localizavam em espaços verdes da cidade. Fui afortunado em colaborar com esses arquitetos, sendo eu jovem e pouco importante. Quando penso em quanto Rallo influiu em minha formação acadêmica me parece impossível que essa relação durasse menos de cinco anos. Joaquín morreu em 1969 aos 42 anos, exilado em Jagüey Grande para que tomasse contato com a realidade. Havia nascido em Ceuta, onde exilavam aos patriotas cubanos durante as guerras de independência do século XIX.
Num projeto posterior, para a adaptação do antigo Palácio Presidencial para o Museu da Revolução, propus uma grande estéreo-gelosia metálica (era vermelha?), que irrompia desde a fachada do fundo (onde se havia produzido o ataque revolucionário) e atravessava o edifício até sair pela fachada norte. Isso representava o Assalto e as grandes mudanças sucedidas no edifício e no país. Situávamos o iate Granma diante dessa fachada principal, em uma grande fenda escultural no piso para que parecesse ao nível da água, identificada por um espelho de aço inoxidável; e com o mar ao fundo. O projeto não progrediu. O edifício do Palácio ficou intocado, sem referências visíveis externas às mudanças pelas quais passou; e se embalsamou ao Granma em uma gigantesca urna de vidro sem relação com a água.
Sempre me senti atraído pelos projetos de monumentos comemorativos, porque são uma rara oportunidade de integrar a arquitetura com o paisagismo, o desenho urbano, a escultura e – se o resultado é bom – com a poesia. Emilio Escobar, Sonia Domínguez, Armando Hernández e eu desfrutamos muito projetando pelas noites em 1965 e depois construindo o Parque-Monumento dos Mártires Universitários, muito próximo da Colina Universitária onde havíamos estudado nos anos ‘50. Foi o primeiro monumento importante depois de 1959 e seguimos um conceito inovador: em vez de colocar uma escultura no centro de uma praça, formamos a praça com o monumento, que é um muro de concreto que muda de forma segundo o período da historia que alude.
O muro leva formas em baixo relevo, feitas com sacos de juta e papel de bolsas de cimento, tabuas e cordas, fincados por dentro do molde. São representações muito abertas que respeitam ao observador sem tratar de lhes impor um significado concreto. Elas se tornam cada vez menos figurativas à medida que a luta se fazia mais coletiva, e ao final se convertem em texturas que se fundem com a do concreto. Para nós foi muito importante ganhar esse concurso nacional: éramos jovens – ao redor de trinta anos – amigos e companheiros de estudos e na luta contra a ditadura de Batista, que ainda estava recente; e tínhamos ganhado de muitos arquitetos e plásticos bem conhecidos. O monumento em si envelheceu bem apesar da falta de manutenção e de que nunca se completou. Está ali, com uma vida própria que já é independente de seus criadores.
Igualmente desfrutei do projeto do Mausoléu de 13 de Março no cemitério de Colón, também com Emilio Escobar e ganho no concurso no final de 1981. É mais simples, uma grande fileira de bandeiras em aço inoxidável que funciona como um relógio solar, lançando a cada 13 de Março a sombra ao longo de uma franja no piso, onde se marcam as horas. Quando chega às 3:15, hora do Assalto ao Palácio, se pode ascender uma chama nesse ponto para começar a celebração. O piso da pracinha está em paralelepípedos para recordar a luta de rua, e tem uns abobadados que obrigam a caminhar olhando para piso. Ao baixar a cabeça para olhar onde se pisa, se rende assim homenagem às tumbas dos caídos. José Villa, um grande escultor então muito jovem, colaborou na execução das bandeiras.
Outro projeto conseguido que não se executou foi o da Fonte da Juventude, no Passeio e Malecón, apresentado ao concurso em 1978. Trabalhei com Luis Lápidus, Félix Beltrán, Orestes do Castillo, Sergio Ferro e José Planas. Era uma espécie de arvore abstrata de cimento com tiras concêntricas deslocadas que iam girando e ampliando-se de baixo para cima, com a forma da flor de cinco pétalas do Festival. Cada anel levava por fora finas tiras verticais de alumínio oxidado nas colores da Flor, sujeitas de maneira que o ar as fizesse vibrar. Ao estar muito juntas, a luz refletiria a cor, como ocorre com a flor da buganvília –ou ao menos esperávamos isso. A água da fonte devia subir escalonadamente para depois cair como um grande cilindro. Assim pensamos vencer a força do vento nesse lugar, que sempre dispersaria um jorro lançado desde baixo. A estrutura serviria como eixo visual na explanada ao princípio do Passeio, tivesse ou não tivesse água…
Em 1983 tutelei a dois estudantes talentosos, Rosendo Mesías e Juan Luis Morales, que com seu projeto de reabilitação para o Hotel Passagem ganharam o prêmio em Paris da Seção Espanhola da UIA no XI Confronto Internacional de Projetos de Estudantes de Arquitetura. O Hotel Passagem havia ruído tragicamente pouco antes, matando a várias pessoas. O projeto conservava as fachadas neoclássicas, reabilitadas por uma empresa estatal especializada que também assumiu o reforço estrutural e as instalações, até o nível do andar equipado.
O edifício, que no momento do derrube já tinha se convertido em um cortiço, estava muito bem situado; e se propunha destiná-lo a habitações, com células mínimas. Esse trabalho seria feito pelos próprios usuários, com projeto e direção técnica apropriada que o Estado forneceria. O desenho das fachadas para os pátios interiores ficava nas mãos dos próprios usuários. Emilio Escobar e Orestes del Castillo colaboraram na assessoria aos estudantes. O projeto nunca se executou, e em seu lugar se decidiu fazer uma sala de esportes polivalente, cuja cobertura metálica surge impudicamente por cima dos frontões neoclássicos.
O monumento a José Antonio Echeverría em sua cidade natal de Cárdenas foi também convocado em concurso, mas somente para estudantes. Emilio Escobar foi o tutor do projeto que ganhou o concurso, feito por Oscar Guevara, Claudia Baroni, Ileana Pérez Drago e o estudante de escultura do Instituto Superior de Arte, David Placeres. Eu colaborei com Emilio. Na praça em frente à casa natal de José Antonio, o monumento era um grande bloco de mármore com seu retrato cortado em lascas deslocadas, de maneira que a cara só se podia ver desde um ângulo preciso, colocando-se em linha com a casa e o traçado de um caminho no piso, pois José Antonio saiu dali, passou e seguiu para entrar na Historia. Lamentavelmente nunca se executou. A ironia é que se realizaram muitos monumentos sem passar por concursos ou inclusive contra a recomendação da Comissão de Esculturas Monumentais (CODEMA), mas vários premiados legitimamente em concurso ficaram no papel.