Pintura de Sérgio Ferro
Daniela Colin: Apesar da admiração que eu tenho pelo seu trabalho, eu queria fazer uma pergunta um pouco amarga. É a seguinte: Alguns arquitetos dizem que você produziu pouco em arquitetura e que adotou uma postura contraditória quando “abandonou” o canteiro, e partiu para outras atividades como a pintura. O que você diz sobre isso?
Sérgio Ferro: Olha, é simplíssimo! A partir do momento que escrevi o meu livro sobre o desenho e o canteiro, eu não tinha mais condições morais de participar de um canteiro tradicional. Tendo analisado, decodificado, mostrado a exploração que vai de alto a baixo dentro do canteiro, como que eu iria participar e fazer arquitetura nessas condições? Aqui na França eu tentei várias vezes fazer arquitetura experimental e a experiência era exatamente o canteiro, de um tipo diferente, uma relação com o trabalho diferente, etc. Encontrei uma resistência enorme da ordem dos arquitetos daqui e dos poderes que estavam envolvidos nisso. Não desisti de fazer arquitetura, desisti de fazer arquitetura nessas condições atuais. Adoro arquitetura, é o métier mais bonito! Só faço pintura por substituição e por não poder fazer arquitetura. Mas de jeito nenhum a minha crítica é dirigida à arquitetura em geral, a qualquer arquitetura. De jeito nenhum! É bem específica à arquitetura nas condições atuais de exploração violenta, vergonhosa, total do trabalhador. Só para dar um exemplo distante do Brasil, para ver um pouquinho o que está acontecendo. Em Dubai, no oriente médio. O país inteiro está vivendo da exploração do trabalho na construção civil. Uma vergonha. Uma vergonha total! [Dubai] É um emirado, que não tem petróleo, mas descobriu outro petróleo. Outra mina de riqueza que é a construção civil.
DC: O que mudou na arquitetura desde a criação do grupo Arquitetura Nova?
SF: Experiências novas de participação popular, de auto-gestão, que no nosso tempo eram níveis baixíssimos e que agora estão crescendo e estão podendo atuar de uma maneira diferente que nós encontramos no nosso tempo. As experiências que estão sendo feitas aí, novas, do pessoal novo, é coisa que não existia no nosso tempo, que nós nem imaginávamos que fosse possível com tanta eficácia, com tanta beleza, com tanta grandeza.
DC: Do que você mais sente falta na arquitetura hoje, ainda?
SF: É a mesma coisa sempre. Enquanto a arquitetura rejeitar a expressão do trabalho, do trabalho autêntico, do trabalho alegre, do trabalho autônomo, ela vai ser sempre essa coisa meio artificial, fria, cenário, decoração – decoração no mau sentido– gelada, desumana. Sem falar no canteiro, mas como resultado mesmo.

Pintura de Sérgio Ferro