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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Raíssa de Oliveira entrevista o arquiteto Marcelo Ferraz, sócio do escritório Brasil Arquitetura, onde mostra o seu ponto de vista sobre a dialética entre o antigo e o novo através de suas experiências, sua formação e seu contato com a arquiteta Lina Bo

english
Raissa de Oliveira interviews the architect Marcelo Ferraz, partener of escritório Brasil, that shows his point of view on the dialectic between old and new through their experiences, their training and contact with the architect Lina Bo Bardi

español
Raíssa de Oliveira entrevista al arquitecto Marcelo Ferraz, socio del estudio Brasil Arquitectura, donde muestra su punto de vista sobre la dialéctica entre lo viejo y lo nuevo a través de sus experiencias, su formación y su contacto con Lina Bo Bardi

how to quote

OLIVEIRA, Raíssa. Marcelo Carvalho Ferraz. Entrevista, São Paulo, ano 08, n. 030.02, Vitruvius, abr. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/08.030/3295>.


Museu do Pão e Escola de Confeiteiros, antigo moinho, Ilópolis RS. Brasil Arquitetura, 2005

Raíssa de Oliveira: Você acha que o convívio com Lina Bo Bardi aperfeiçoou seu olhar? É importante no seu trabalho hoje?

Marcelo Ferraz: O cerne do meu trabalho hoje tem muito a ver com tudo isso que estamos falando. Aqui no escritório, há mais de duas décadas praticamos o exercício da dúvida diariamente, porque projetar é exercitar a infinita possibilidade de abrir caminhos. Uns bons, outros desastrosos. O Chico [Francisco Fanucci], meu sócio, e eu temos tentado levar essa prática também a nossos alunos da Escola da Cidade, no Estúdio Vertical. Também em minhas andanças de palestrante, mundo afora, coloco e recoloco essas mesmas questões. A realidade do projeto é mutante; veloz e estimulantemente mutante. São muitas as interfaces, as conversas, as interferências. Como segurar as rédeas? Quando parar e dizer “pronto para a obra”? Projetar é também se indignar com a realidade, ter vontade de mudá-la, melhorá-la. Então, é bom que a dúvida e a indignação nunca nos abandonem. Aqui, no Brasil Arquitetura, em meio a uma grande confusão – aqui não há monotonia – e com ótimos colaboradores, temos conseguido realizar alguns trabalhos interessantes como tema e como interesse na vida pública. O Museu da Imigração Japonesa em Registro, o Teatro Polytheama em Jundiaí, o Bairro Amarelo em Berlim, o Museu Rodin na Bahia, o Instituto Socioambiental no Amazonas, o CESA em Santo André, todos esses projetos foram geridos e construídos nessa tensão que é também prazerosa e estimulante. Alguns projetos na prancheta ou em obras também seguem esse caminho, como o Museu do Pão, em Ilópolis, a Sinagoga Shalom, o Shopping do Bexiga e a Praça das Artes, todos aqui em São Paulo. E o engraçado é que, coincidência ou não, em todos estes projetos há o dialogo do contemporâneo com o patrimônio histórico e cultural. Mas voltemos à sua pergunta. Olha, trabalhar com a Lina teve importância na minha vida. Foram quinze anos trabalhando com ela, diariamente. Foi uma pessoa de convívio fantástico em todos os sentidos. Na prática do projeto a gente herdou algo que não era habitual na faculdade de arquitetura. Na faculdade a formação era bastante diferente daquela que encontrei quando fui trabalhar com a Lina. A construção de repertórios, dos modelos, ou seja, criar um projeto sobre um repertório. Com a Lina não tinha algo tão fechado, o repertório era muito mais amplo inclusive não só no mundo da arquitetura. Isso é uma coisa muito importante, às vezes as referências estavam aparentemente distantes da arquitetura, mas iam desembocar no projeto. Isso eu acho fantástico no trabalho com ela. Lina veio de uma formação italiana onde esta preocupação com patrimônio já existia, já estavam sendo experimentadas. Inclusive ela passou pela guerra e viu a destruição. Ela participou desse final de guerra e início de reconstrução. Neste período trabalhava no escritório do Gió Ponti. Ela viveu esse ambiente da reconstrução. Carlo Scarpa e outros falavam de reconstrução com uma visão do presente, utilizando a linguagem e a gramática contemporâneas, não falseando nada. Lina fugiu disso, mas aqui no Brasil ela fez isso também. O que ela fez nos cavaletes de vidro no MASP foi levar ao extremo essa gramática. É importante a questão do cavalete. Pouca gente entende. Não é uma questão de gostar ou não gostar. Eu poderia odiar, mas tenho que entender a importância e ousadia de se fazer aquilo. Vem de um movimento que se questiona: como é que vamos expor as obras de arte do passado? Ou seja, como vamos lidar com o passado? Nossos museus são novos. Lá na Europa os museus são fechados, repletos de paredes, antigos palacetes. Aqui, no Novo Mundo, não precisam ser assim. E isso é levado ao extremo na proposta de Lina para o MASP e por isso deveria ser preservada. É uma experiência única.

RO: Esse exemplo é feliz pois mostra exatamente uma continuidade das questões tratadas sobre a relação entre o antigo e o novo fora do Brasil. Tem uma continuidade, mas tem um sentido inovador na sua resposta, talvez por se tratar da América.

MF: Nós temos trabalhado muito com isso. Como fazer um projeto que tem peças antigas carregadas de um valor memorial? Nós estamos fazendo o Museu do Pão num antigo moinho de imigrantes italianos lá no Rio Grande do Sul, por exemplo. Você viu?

RO: Vi num seminário ano passado.

MF: A Nestlé está bancando. O moinho ia ser demolido mas a comunidade criou uma associação para assegurar tudo aquilo. Eu estive lá semana passada. Estamos levantando os edifícios do museu e da escola de padeiros. Foi uma discussão muito interessante. Como utilizar uma linguagem contemporânea ali, o concreto, a madeira, o vidro, ao lado de um edifício antigo de madeira. E está dando certo. Foi bacana discutir tudo isso numa cidade pequena de 4.500 habitantes. Não faz sentido você preservar o moinho e construir ao lado um ‘filhote’ dele. Eles até tinham o projeto de fazer a escola como um “filhotinho” usando a mesma linguagem, mimetizando o moinho.

RO: Qual é parâmetro para estabelecer o que deve ficar e o que deve ser destruído?

MF: Retomo Lucio Costa: cada caso é um caso. Você lida com a prática do projeto e reconstrói e re-propõe. No Museu Rodin foi exatamente assim. Tivemos essa discussão na mesa o tempo todo. Nós tivemos muitos embates em dois pontos do projeto: primeiro nós tiramos todas as paredes internas e fizemos um grande salão. Mas aquela casa não é também um patrimônio, um exemplo da casa eclética? No Brasil ela representa uma época e por isso passa a ter esse valor documental, para a Bahia, Salvador. E como vamos fazer um museu que tem exigências enormes de espaços comunicáveis e amplos? Nós destruímos as paredes, mas preservamos os batentes, como se fossem alargados, ou seja, você tem os tetos e as características individuais de cada quarto. Você consegue entender ainda a casa de família daquela época, cem anos atrás.

RO: Vocês deixaram as marcas das paredes?

MF: Não exatamente marcas. Os quartos eram interligados por portas. Nós demolimos as paredes e apenas deixamos pedaços delas como aletas laterais com os batentes, além da marca no piso e a divisão nos tetos. Com isso você pode ver os ambientes isoladamente se quiser. Outra coisa que foi discutida foi a pintura da casa. Pintamos a casa toda de branco. É uma questão de honestidade numa visão de não valorizar certos elementos que não tem valor em si, como a imitação de cantarias com argamassa. Não vamos dizer que isso vale mais do que vale. Seria desonesto e seria criar simulacros. Neste sentido, esta foi uma decisão, está tudo lá pra quem quiser ver, mas não valorizamos nenhum elemento em relação ao outro. E isso está sendo feito constantemente por aí, no patrimônio histórico: dar uma supervalorização para algo que não tem tanto valor do ponto de vista da técnica. Quando foi feito aquilo o mundo já andava pra outro lado: é falso, é imitação. É uma leitura atual de algo passado. Mas ele ainda está aí. Nós somos contra o saudosismo puro. Saudade, só do futuro.

Conjunto KKKK, Registro SP. Brasil Arquitetura, 2001
Foto Nelson Kon

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