Regiane Pupo: Quando se fala em tecnologia computacional para a arquitetura, o que devemos considerar?
José Pinto Duarte: Apesar de tudo, prefiro usar a terminologia “novas tecnologias”, em vez de tecnologia computacional, por dois motivos: primeiro, porque as características que tornam estas tecnologias novas e interessantes vão muito além do recurso ao computador e, segundo, para retirar o computador do centro das atenções. Centrar a atenção no computador dificulta a discussão sobre o papel destas tecnologias em arquitetura e urbanismo e, por conseqüência atrapalha a sua inserção no ensino e na prática. O que é importante é o que as tecnologias permitem fazer, não o fato de usarem o computador. Estas tecnologias são muito variadas e o seu número e as capacidades que oferecem têm crescido muito. No entanto, num primeiro plano podemos distinguir três grandes grupos. O primeiro diz respeito a software de modelação geométrica, que vai desde o tradicional CAD até o software paramétrico que apareceu mais recentemente. O segundo grupo engloba software de simulação e análise do comportamento dos edifícios sob diversos pontos de vista (funcional, estrutural, ambiental, etc.). O terceiro grupo inclui a produção assistida por computador, quer de modelos físicos (dita prototipagem rápida), quer dos próprios edifícios. Estes três grupos formam o que se costuma designar por CAD/CAE/CAM. Depois, num outro plano, temos ainda uma série de ferramentas que não se enquadram nestes grupos como a realidade virtual e a colaboração remota.
RP: Em sua opinião, qual a importância da utilização dessas novas tecnologias para a arquitetura hoje?
JPD: Estas tecnologias são o espelho da nossa época, logo é natural que tenham um impacto na disciplina. Este impacto acontece de duas formas. A arquitetura tem por objetivo construir espaços para albergar a atividade humana. Se esta é transformada pelo desenvolvimento tecnológico, então este fato tem que ser levado em conta na concepção desses espaços. Se as relações humanas e a estrutura da sociedade e das organizações mudam, também as estruturas espacial e funcional dos edifícios e da cidade podem mudar, o que não pode ser ignorado. Depois, não é possível exercer a disciplina de um modo defasado do resto da sociedade. Se em tantas outras atividades se está usando novas tecnologias, como é possível ignorar o seu uso em arquitetura? Finalmente, estas tecnologias podem, de fato, contribuir para uma melhor qualidade da arquitetura produzida e dos serviços prestados pelos arquitetos.
RP: Durante o processo de projeto, existe um momento mais adequado para o uso dessas tecnologias?
JPD: Existem tecnologias adequadas a diferentes fases do processo de projeto, desde os estágios iniciais, até os mais avançados, logo não existe um momento mais adequado para o uso destas ferramentas. Tudo depende do problema de projeto específico que o arquiteto tem de resolver e das ferramentas que tem ao seu alcance. Em alguns casos é vantajoso usar algumas destas ferramentas desde o início. Por exemplo, se o arquiteto está projetando um edifício complexo, cujo consumo energético pode ser elevado, é importante que consiga saber logo no início qual o desempenho da sua proposta a este nível, para que possa corrigi-la quando ainda não está demasiado comprometido com a solução. Pode evitar assim custos de projetos elevados associados a alterações do projeto, ou custos de manutenção do edifício significativos, caso opte por não corrigir a solução. Para que consiga efetuar a simulação cedo no processo de projeto, estudando, por exemplo, o impacto da volumetria, terá que recorrer ao uso de ferramentas digitais. Em outros casos, o uso do computador pode não ser necessário. O importante é perceber que os projetistas têm à sua disposição um leque alargado de ferramentas, umas analógicas e outras digitais e que as pode combinar criativamente no seu processo de projeto, tirando partido das suas características particulares.
RP: É possível utilizar os novos processos computacionais como maneira de pensar o projeto?
JPD: Sim. No início do aparecimento destas tecnologias, usava-se software de CAD para elaborar as telas finais. Neste caso, a nova tecnologia servia apenas para substituir a régua e o esquadro da prancheta de desenho. Hoje, já se acredita que tal como o desenho à mão é uma atividade indissociável do processo de raciocínio que conduz ao projeto – os arquitetos pensam desenhando e desenham pensando – um fenômeno semelhante pode acontecer com uso de outros processos de representação como os permitidos pelas ferramentas digitais. Estas ferramentas, sejam analógicas ou digitais, constituem uma forma do projetista estabelecer um diálogo com o seu próprio trabalho. Donald Schön explicou isto de forma muito clara no seu texto Educating The Reflective Practitioner. Agora, alguns meios digitais proporcionam processos mais complexos e ainda mal estudados. Por exemplo, é possível ao arquiteto trabalhar uma forma manipulando um modelo matemático ou escrevendo um programa de computador. Nestes casos, ainda não se sabe exatamente de que forma estas técnicas de representação afetam o raciocínio e o processo de projeto.
RP: De que forma a prototipagem rápida faz parte do processo de projeto?
JPD: Os arquitetos sempre elaboraram modelos físicos, ou seja, maquetes. Em alguns casos mesmo, estes foram os instrumentos de representação protagonistas em todo o processo. Considere-se, por exemplo, a Sagrada Família de Gaudí, em Barcelona. Sem maquetes não teria siso possível a Gaudí conceber esta obra notável. Ora, a prototipagem rápida pode desempenhar um papel semelhante e com vantagens em alguns casos. Partindo do modelo digital do edifício, a prototipagem permite produzir com alguma rapidez uma maquete da proposta e assim estudar a forma, a iluminação ou outros aspectos da proposta. Atualmente, alguns destes processos são ainda muito caros, porque as máquinas ou os materiais utilizados são dispendiosos, o que impossibilita o seu uso freqüente durante o processo de projeto. No entanto, os custos destas tecnologias tem tendência a descer, o que irá possibilitar um uso mais freqüente e mais alargado no futuro. Quando o automóvel surgiu era considerado um bem de luxo só acessível a uma escassa minoria, hoje o seu uso é universal. É bem possível que o mesmo aconteça com estas tecnologias.