João Piza: Como foi a participação popular nos projetos e planos participativos que você desenvolveu?
Giancarlo De Carlo: Nos casos em que houve diálogo, a participação é sempre diferente. Não pode ser a mesma, porque se uma parte se transforma, muda tudo. Se eu falo com os operários de Terni é uma coisa, se eu falo com os pescadores de Burano ou Mazzorbo é outra. Outra cultura, outro modo. Em cada caso é preciso encontrar o modo. Não é um modo que existe, que está escrito e que se aplica a todas situações. Alguns fazem participação assim, mas isso não é participação, é engodo demagógico. É preciso inventar.
Quando fui a Terni pela primeira vez, levei cinco projetos de casas, não de casas populares, mas de casas na escala humana, contemporâneas, de arquitetos de vários países. Eu perdi esta conversa, também porque eram muitíssimos, com as suas famílias. Depois, precisamos dividir de fato em grupos, ou não seria possível conversar. Mais adiante juntamos as coisas, em um processo muito complicado, para o qual se precisa uma energia que eu, por exemplo, não tenho mais. Precisa ser jovem para fazer este tipo de trabalho, pois é uma loucura, uma fadiga incrível, discutir por horas e horas, dias e dias.
Quando mostrei os projetos, a reação dos operários foi: “Isso não são casas para nós, são coisas caras!”; e eu disse: “deixemos o dinheiro de lado; vocês querem viver bem ou não?” Pois este é o ponto: não podemos escolher a arquitetura pelo que custa, mas pelas necessidades humanas. E então mudaram rapidamente de pensamento.
O custo é um problema inventado. Eu não estou satisfeito com a forma como se distribuem os recursos no mundo. Por quê para as casas se precisa de pouco dinheiro e para as armas muito? Então me desculpe, mas para as casas precisaremos de mais dinheiro e que se danem os armamentos. Excluído o problema de quanto custa, vamos pensar no quanto serve para se ter uma vida civilizada, equilibrada. E isso serviu muito para orientar a conversa.
Devo dizer, porém, que a reação imediata das pessoas é de desconfiança, pois o arquiteto pertence a uma classe social mais alta que a deles e então não confiam nele. Precisa muito tempo para conquistar a sua confiança, para poder discutir.
E isso depende de que gente é. Por exemplo, os operários de Terni era gente muito forte, muito dura, também um pouco sectária. Não confiavam em mim e fiz muito esforço para conquistar a sua confiança. E depois de muito tempo consegui. Da primeira vez que perguntei o que queriam, me respondiam como se eu fosse um estúpido, começaram a me descrever a casa da Sophia Loren, e eu dizia: “mas isso não é verdade. Quem precisa destas coisas? Vocês estão me enrolando, ou estão alienados”.
Depois, quando se passa esta fase, se começa a falar de verdade das coisas que precisam, como vêem as coisas. É uma grande lição. O seu modo de falar da janela é diferente do nosso. Para nós arquitetos, a janela é uma questão técnica e estética. Para eles, é uma questão de vida: a luz, o vento, a chuva que entra e precisa enxugar, se tornam todo um outro modo de ver as coisas, muito formativo para um arquiteto. Foi um grande sucesso, ficaram contentíssimos. As coisas mais fenomenais ali são os jardins que fizeram nos terraços. No princípio, eu discordava um pouco, mas depois entendi que era o seu modo de representar-se. Inicialmente pequenos jardins, agora tem alguns preocupantes, com plantas grandes, mas isso foi um grande sucesso.
Já em Burano, tinha um público diferente, pessoas espirituosas, que vinham às reuniões à tardezinha, depois das 6 horas, quando voltavam do trabalho e tomavam um trago de vinho, de modo que estavam um pouco ébrios, cheios de ironia. Aquela foi uma experiência totalmente diferente, muito excitante, devo dizer. Muito belo, discutir com eles, rabiscar, fazer ver: “então você está querendo dizer isso?” Demanda muita energia, muitíssima. Creio que o resultado tenha sido interessante.
Em Terni não fizeram o que eu acho que não deveriam fazer. Por exemplo, colorir as fachadas. Ali, houve um acordo de que inicialmente não seria assim, mas depois, se quisessem, mudariam. Mas ainda não ousaram. Um dia, um garoto escreveu em uma parede: “aqui se pode colorir”. Mas não coloriram.
Quando a direção da fábrica me pediu que fizesse o projeto, eu disse que sim, mas com participação. Depois, quando viram que a participação é coisa séria, ficaram irritados. Na ocasião, os operários ficaram sabendo de uma mudança nos postos de trabalho da fábrica e quando pediram para conversar com a direção, a resposta foi que o assunto não cabia aos operários. “Mas como? Participamos para o projeto das casas, temos que participar também dos postos de trabalho, é a mesma coisa!” Havia nascido à idéia de que participavam de tudo, o que era um grande sucesso para mim, por haver reportado esta convicção, e um grande medo para a direção da fábrica.
Então, não quiseram que eu continuasse. A direção da fábrica e a municipalidade, que era comunista, acordaram em me despedir. Afinal, os comunistas são autoritários como os patrões. “Vamos parar por aqui, pois senão os operários perdem a linha e poderão pensar em fazer tudo por si próprios; e então, o que nós vamos fazer?” A filosofia comunista era esta.