Alessandro Filla Rosaneli e Dalit Shach-Pinsly: Farei a mesma pergunta que Kevin Lynch procurou responder em seu livro “A Theory of Good City Form” (1981): O que faz com que uma cidade seja uma boa cidade?
Anne Vernez Moudon: Primeiro de tudo, eu não me faria tal pergunta, pois é uma questão retórica, um tanto tola. Tola num sentido que uma cidade não é uma entidade que você pode perguntar o que é bom ou ruim sobre ela. Quando ele se perguntou esta questão eu penso que ele fez isso de um modo romântico. Ele estava sendo alegórico. Eu não sou uma pessoa romântica e assim eu não posso dizer o que seria uma boa cidade. Para responder esta questão Kevin Lynch fala sobre processos que são muito abstratos. Eu adoro ler esse livro, mas eu acredito que seja impossível aplicar suas idéias na realidade, de uma maneira operacional. Eu não sei o que as pessoas querem dizer ou pensam quando falam que elas podem fazer uma boa cidade depois de ler esse livro.
AFR / DSP: Mas ele ainda tem uma grande influência no mundo do urbanismo...
AVM: Oh, absolutamente, e essa influência alimenta a persistente noção de que arquitetos e urbanistas podem “mudar o mundo”, em sonhar com nosso papel em projetar um bom lugar, ou uma boa cidade. Primeiro de tudo, de que cidade estamos falando? Seattle, Londrina, Tel-Aviv, estas são cidades completamente diferentes. A mesma pessoa com a mesma quantidade de dinheiro poderia viver em Seattle ou Tel-Aviv de modos muito diferentes. Quais destas é a boa cidade para esta pessoa? Por que? Vamos dizer que uma boa cidade é onde as pessoas gostam de viver, e esta seria uma simplificada definição. Mas tente fazer isso acontecer como profissional e você verá que não é nada fácil.
AFR / DSP: Mas aqui na Universidade de Washington, por exemplo, em muitos cursos e também em Israel e no Brasil, muitos profissionais estão ainda se utilizando de Lynch, pois ele abriu uma porta com esta abordagem “romântica” para o desenho urbano, e se você não aplica isso para tentar desenhar ou construir melhores cidades como profissionais ou técnicos não há mais definição ou não há mais papel para estes profissionais. Por exemplo, “visibilidade”, um conceito sutil que você pode tentar explicar com suas palavras, ele apenas abriu esta possibilidade. Ele não estava preocupado em ter que se fazer isto!
AVM: De fato, o trabalho de Lynch tem uma força inspiradora e a escrita é linda. E meu livro preferido é “What Time is this Place” (1976), mas a diferença que eu saliento é que pessoalmente eu não preciso de Kevin Lynch para desenvolver meus pensamentos e habilidades. Eu gosto de alguns conceitos que ele oferece, eu gosto de ler seus livros como trabalhos de literatura, mas eu não encontro neles muita ajuda para o dia-a-dia da vida profissional.
AFR / DSP: Você refletia sobre sua obra, digamos, 20 anos atrás...
AVM: Os escritos de Lynch eram menos influentes para mim que os de Umberto Ecco; ambos, no entanto, inspiradoras peças de literatura. Ademais, ainda destacaria na obra de Lynch a sua interpretação e visão da cidade como primeiramente anglo-saxônica e protestante. Eu o acho “diferente” e interessante, mas eu não acredito que posso aplicar seus conselhos para minhas questões. Vocês leram o capítulo em “A Theory of Good City Form” que fala sobre sua idéia de cidade do futuro? Sua visão para mim não é aquela em absoluto, de uma vida afobada, mistura de pessoas, vida comercial e doméstica, movimento, negócios, etc., mas uma paisagem pastoril para uma sociedade altamente ordenada. Eu vejo a visão de Lynch como análoga àquela ideal e idealizada para os subúrbios contemporâneos. Eu pessoalmente não gosto disso, o que é irrelevante, mas o relevante é que esta visão não encaixa com 90% das cidades em todo mundo de hoje! Além disso, eu suspeito que esta visão é mal estruturada para uma Terra com 8 ou 9 bilhões de habitantes. Nós simplesmente não temos espaço suficiente e recursos para este tipo de boa cidade.
AFR / DSP: Talvez ele tenha a habilidade de fazer a cidade visível para qualquer um, talvez ele nos dê uma maneira de pensar a cidade não como um objeto ou pensar a cidade como um conjunto de sensações que você pode sentir e se você pode sentir você pode tentar desenhar melhor. Não é uma abordagem quantitativa, mas mais qualitativa para a questão urbana. Mas não é uma abordagem fácil, simples, mas que abre perspectivas...
AVM: Deixe-me voltar um pouco. Para mim, o pensamento de Kevin Lynch é aquele de um homem inglês romântico e protestante. E, assim, eu leio seus livros dessa forma, com um grande prazer, mas com uma distância óbvia. Eu não aprendo muito com eles em como aplicar seus ensinamentos em minha profissão, eu aprendo mais como essa parte do mundo compreende minha profissão. Para mim, William Whyte (1917 – 1999) é mais acessível, por exemplo. Seu livro “The Organization Man” (1956) e seu filme “The Social Life of Small Urban Spaces” (1988) ensinam-me mais no nível profissional. É interessante porque ele é um homem norte-americano da metade do século XX, mas a forma como ele vê o mundo me ensina mais.
O que eu percebo no maciço uso de Lynch (e de Jane Jacobs também) é o que eu atribuo a uma certa preguiça em nossa profissão. Lynch era um bom pensador e um bom escritor e nós devemos lê-lo. Mas existem muitos outros autores com interessantes pensamentos! Esta é a razão pela qual eu escrevi um artigo - “A Catholic Approach to Organizing What Urban Designers Should Know” (1992). Eu escrevi este artigo não porque eu não gostava de Lynch, mas porque ele não era o único! Nós precisamos parar de identificar ou ser identificados por ídolos. O mundo é complexo e nós precisamos abraçar esta complexidade nos nossos trabalhos. Interessante ressaltar que Lynch era uma pessoa extremamente modesta, e ele escreveu sobre sua frustração pelas pessoas de todos os campos citando-o e, sobretudo, não compreendendo suas idéias. Ele queria menos evidência e mais discussão e novos trabalhos que emergiriam de seu próprio trabalho. O seu trabalho foi beneficiado muito em razão da sua conexão com o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e da popularidade desta instituição. E também por ser um estudante quando os estudos da psicologia do lugar se iniciaram e a Fundação Ford financiou esses esforços do MIT.