Sérgio M. Marques – Alô, Pierre. Como de praxe, te pergunto "qual é a tua"?
Pierre Fernandez – Daí, "tchê". Pois é... Por aqui muitas preocupações neste período estranho que estamos enfrentando... Estamos nos preparando para retomar as aulas presenciais. Nunca imaginei que nestas alturas da minha vida, estaria contando máscaras para poder distribuir aos alunos...
SMM – Por aqui a cena também é surealista... Por isto trabalhar nestas entrevistas tem sido, para mim, a chance de pensar um pouco mais nas questões estruturais e não padecer tanto com a conjuntura...
PF – É o melhor agora. Mas nem sempre a vida permite... O consolo é que neste cenário avassalador o tema do meio ambiente e das relações da arquitetura com a saúde humana inexoravelmente chegará mais próximo da atenção que merece.
SMM – Esta é uma das razões pelas quais resolvi formalizar e publicar, na forma de entrevista, conversas amigáveis que travamos já há quase trinta anos! Podemos começar?
PF – Vamos lá, ex-campeão.
SMM – Vou fazer que não escutei esta... Pierre, você já foi coordenador do Groupe de Recherche Environnement Conception – Greco, laboratório de Arquitetura e meio ambiente, referência no contexto internacional, deste campo. Atualmente é Diretor da Ensa Toulouse, depois de já ter exercido esta função em outra oportunidade. Diante destas experiências e das mudanças significativas no campo da tecnologia, meio ambiente, globalização, cultura etc., que se sucedem velozmente na cena contemporânea, qual tua visão sobre o futuro da profissão de arquiteto e urbanista e sua formação correspondente, dentro de uma perspectiva global?
PF – Inicialmente gostaria de esclarecer um ponto de vista sobre o lugar dos arquitetos na estrutura social. Embora às vezes tenhamos a sensação (muitas vezes a ilusão) de que nossos planos podem determinar a maneira das pessoas viverem, devemos ter certa modéstia em reconhecer que somos mais um dos produtos do contexto em que vivemos. Portanto, seria razoável estar satisfeito em devolver a melhor contribuição possível para a evolução deste mesmo contexto. Por outro lado, quando me fazem a clássica pergunta se o arquiteto é artista ou técnico, costumo usar a clássica resposta de que estes dois ingredientes são parte integrante da nossa profissão, mas que, além disto, devemos sobretudo sermos capazes de construir um quadro de vida favorável ao nosso ambiente e ao nosso tempo. É clara a importância de nos esforçarmos para antecipar desenvolvimentos e mudanças, particularmente em nossas ações de treinamento e transmissão de conhecimento; no entanto, a arquitetura é o reflexo de uma época e de seus desafios sociais. Portanto acredito que hoje a arquitetura tem que enfrentar as questões da transição social e ecológica, sem, no entanto, abandonar o passado, equilibrando os valores do patrimônio e os do desenvolvimento sustentável. Como tal, devemos também valorizar a produção do Movimento Moderno, agora um legado completo da herança do século 20, respeitando seus conceitos e dispositivos. Na Ensa em Toulouse, por exemplo, o atual projeto de renovação e extensão da escola tem como um dos objetivos articular o já patrimônio histórico moderno constituído pelo projeto do escritório Candilis-Josic-Woods, com as exigências ambientais atuais. O arquiteto é antes de tudo um ator fundamental do ambiente, da vida e de suas evoluções. Portanto, de novo: é urgente abordar as questões relacionadas à transição ecológica.
SMM – Então, em tua opinião, o Movimento Moderno tem um papel central neste processo?
No início do século 20, já em um contexto de convulsões técnicas, sociais e culturais ligadas à revolução industrial e ao êxodo do campo para as cidades, o Movimento Moderno afastou-se dos sistemas de construção tradicionais e muitos arquitetos também subestimaram o vínculo entre arquitetura e seu contexto, como mostram os esboços de Le Corbusier reproduzidos no livro Sites et sitologie (1). Movidos pela ideia de progresso, a maioria dos designers desenvolveu um estilo internacional excessivamente padronizado em suas formas e materiais, muitas vezes minimamente desconectado de seu lugar. Em muitos casos é possível lamentar a falta de consideração pelo local, pelo clima e pelos recursos locais, em uma abordagem oposta ao que algumas arquiteturas vernaculares e suas evoluções obtiveram. Mas mesmo que hoje soframos as consequências sociais e ecológicas de algumas destas escolhas, não podemos culpar os arquitetos por terem respondido aos problemas de uma sociedade com os meios e os conhecimentos de seu tempo. Em uma obra de referência, esta foi a observação de Dominique Gauzin-Müller (2), a qual compartilho, principalmente quando ela acrescenta que o arquiteto finlandês Alvar Aalto foi um dos poucos a alertar sobre os perigos da padronização. Sua Villa Mairea, de 1939, combina elegantemente as influências do vernáculo e do Movimento Moderno (patrimônio e modernidade). Pode ser considerada, sob este ponto de vista, como uma das primeiras casas ecológicas.
PF – Mais tarde, no final dos anos 1960, a humanidade percebeu que vivia em um mundo fechado, le vaisseau spatial Terre (a nave espacial Terra), de recursos limitados. Após os gritos de alerta de alguns raros visionários, a revelação do desastre de Minamata no Japão (envenenamento fatal devido à concentração marinha de mercúrio, em 1956) e os primeiros derramamentos de óleo tornaram concretos os riscos que a revolução industrial poderia representar para nossa saúde e o que passamos a chamar de meio ambiente. A primeira conferência internacional sobre o meio ambiente em Estocolmo, em 1972, parece ser um símbolo dessa conscientização. Um ano depois, o primeiro choque do petróleo, por sua vez, ilustrou outro problema muitas vezes esquecido, apesar das advertências resumidas no primeiro relatório do "Clube de Roma" (3): o esgotamento dos recursos era de fato uma realidade, ainda que, neste caso, era um problema de fornecimento vinculado a considerações geopolíticas. Por meio desses dois aspectos, o dos recursos finitos e o dos riscos associados à demografia descontrolada, especialmente nos países mais pobres, é a gestão global do planeta e de seus ecossistemas que o homem deve estabelecer. Apesar dos altos e baixos das vontades políticas e, acima de tudo, das variáveis consideráveis entre os países, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas – ONU, em seu relatório intitulado Nosso Futuro Comum, conhecido como Relatório Bruntland de 1988 (4), propôs que as nações adotassem oficialmente o conceito de Desenvolvimento Sustentável, cuja definição mais comum é a seguinte: o Desenvolvimento Sustentável é o desenvolvimento social, econômico e político que atende às necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender ao seu próprio desenvolvimento. Esta noção revela a necessidade, bastante nova na sua afirmação internacional oficial, de uma dupla solidariedade: solidariedade entre todos os povos do planeta e solidariedade entre as gerações. Cada ator em cada setor da vida econômica é, portanto, confrontado com a responsabilidade que lhe cabe na gestão global dos recursos e do meio ambiente. O arquiteto, portanto, deve ocupar um lugar central neste processo.
SMM – Na França, atualmente quem coordena a gestão destes aspectos e relações?
PF – Na França, é muito importante a ação de dois níveis institucionais, que atuam de forma direta sobre estas relações: primeiro a Agence de l´Environnement et la Maitrise de l´Energie – A.D.E.M.E (5), que é uma agência federal vinculada ao Ministère de la Transition Écologique et Solidaire (6), que incentiva, aconselha e financia iniciativas científicas e profissionais a respeito de energia e do meio ambiente, tanto na área da edificação quanto da indústria. Outro é a Ecole National Supérieur d´Architecture – Eco – ENSAEco, que é a rede de Escolas Nacionais Superiores de Arquitetura, que trabalham sobre a melhor integração das considerações ambientais no ensino do projeto de arquitetura.
notas
1
FAYE, Paul. FAYE, Bernard. TOURNAIRE, Michel. GODARD, Alain. Sites et sitologie. Paris, Editions J.J. Pauvert, 1974.
2
GAUZIN-MÜLLER, Dominique. L'architecture écologique du Voralberg. Paris, Editions du Moniteur, 2009.
3
Club de Rome, Grupo de Reflexão fundado em 1968.
4
Rapport Brundland: "Notre avenir à tous", ONU, 1987.
5
Agência de gestão Ambiental e Energética.
6
Ministério da Transição Ecológica e Solidária. Ver <https://www.ecologie.gouv.fr/>.