Sérgio M. Marques – Em relação ao ensino do projeto de arquitetura, a partir da tua larga trajetória acadêmica e profissional no contexto da arquitetura e do meio ambiente, em muitos aspectos e momentos de forma pioneira, tanto no contexto europeu quanto sul-americano, qual tua visão sobre a evolução destes conhecimentos no campo da arquitetura e do projeto? Como este processo impacta especificamente a Educação do Arquiteto para o futuro e suas especificidades, como o projeto de Arquitetura e Urbanismo?
Pierre Fernandez – No campo da Arquitetura, no segmento residencial e terciário, o projetista deverá continuar a oferecer abrigo e conforto ao usuário, mas também deverá garantir que o impacto da edificação no meio ambiente seja minimizado. Seguindo o movimento dos autoconstrutores americanos dos anos sessenta que, na esteira dos movimentos hippie e dos ambientalistas, lançaram as bases para uma reflexão nessa direção, o surgimento da "Arquitetura Solar” e depois “Bioclimática” permitiu tanto a teorização quanto a concretização dessa reflexão sobre a produção arquitetônica e o ambiente construído. Assim, em relação ao bioclimático, voltamos ao seu significado original: o termo bioclimático refere-se a uma parte da ecologia que estuda mais particularmente as relações entre os seres vivos e o clima. Já estávamos definindo a Arquitetura Bioclimática em nosso laboratório de pesquisa na década de 1980. Esta expressão visa principalmente melhorar o conforto que um espaço construído pode induzir de forma natural, ou seja, minimizando a utilização de energias não renováveis, os impactos indesejáveis no ambiente natural e os custos de investimento e operação. O interesse do bioclimático vai, portanto, na direção da destreza de viver ou de utilizar um espaço com sensibilidade e economia, que o torna um elemento fundamental da arte do arquiteto. A evolução do nome do nosso laboratório mostra como esta questão tem gradualmente assumido o domínio da arquitetura: primeiro Laboratório de Arquitetura Bioclimática – LAB, depois passou a ser Grupo de Investigação Ambiental e Arquitetura e Urbanismo – Grecau quando fui coordenador, e as pesquisas agora estão sendo desenvolvidas no âmbito do Laboratório de Pesquisa em Arquitetura – LRA.
PF – Todos os níveis da arquitetura, desde o quarto habitável até a cidade, devem concorrer para a evolução da sensibilidade a partir da interdependência dessas diferentes escalas de intervenção. Por exemplo, alcançar as condições de conforto em um edifício e o uso de energias renováveis requer levar em consideração o seu ambiente e também modificá-lo em troca. Portanto, depende do ambiente e está necessariamente integrado a ele. Nesse contexto mais amplo, os aspectos energéticos especificamente ligados à Arquitetura Bioclimática permanecem sendo fundamentais. Em termos de gestão de recursos, estudos em todo o mundo mostram que o consumo de energia no setor residencial e terciário é, dependendo do país, em torno de 30 a 40% do consumo total. Sabendo que esse consumo depende fortemente de combustíveis fósseis, que são recursos não renováveis, entendemos a necessidade de reduzir o consumo ao máximo. Cenários otimistas preveem o esgotamento dos recursos de petróleo e gás no final do século 21. No que diz respeito à poluição, às emissões de CO², gases com efeito estufa, cujo aumento da taxa atmosférica gera riscos significativos para a temperatura média, nos países da Comunidade Europeia são estimadas em 22% para o setor da construção, o que está longe de ser desprezível. Por outro lado, conhecemos as incertezas associadas aos gases de substituição CFC, usados em sistemas de ar condicionado, principalmente em países tropicais, e provavelmente em parte responsáveis pelo buraco na camada de ozônio. Portanto devem ser produzidos e usados apenas temporariamente, HCFCs em particular. Poderíamos citar muitos outros fatores, mas sem entrar nos dados quantitativos é fácil perceber que a construção de edifícios com baixo perfil energético deve permitir economizar energia, que se torna preciosa, e reduzir as emissões de poluentes, o que na verdade vai na direção do desenvolvimento sustentável. Vemos, portanto, que a integração das preocupações ambientais, tanto ao nível do projeto arquitetônico como do projeto urbano, deve necessariamente influenciar fortemente os hábitos dos profissionais do projeto arquitetônico agora e no futuro.
PF – Esta consciência gerou, nas últimas décadas, um grande número de pesquisas no campo da arquitetura, das ciências da engenharia, bem como no campo das ciências humanas e sociais. Este trabalho centra-se na quantificação dos fenômenos físicos envolvidos, mas também na percepção e participação dos ocupantes, bem como nos sistemas de atores, de forma a incrementar o processo do projeto. Se a arquitetura remonta aos fundamentos das civilizações, o meio ambiente é um conceito recente, do início dos anos sessenta, que se baseia de forma significativa, mas não exclusiva, em uma disciplina científica: ecologia – oikos: habitat, logos: discurso, definido por Haeckel em 1866 como o estudo da relação entre os seres vivos e seu ambiente. O ambiente é uma noção complexa que todos se apropriam de forma mais ou menos intuitiva, mas que no seu uso mais comum sempre se refere ao homem, e podemos, entre outras definições, considerá-lo, de acordo com o Grupo Interministerial de Avaliação Ambiental, como "todos os fatores que podem afetar cada um de nós nas suas relações com a comunidade humana e os ambientes naturais coletivos”, conceito que tem a vantagem de ser simples e abranger todos os significados geralmente aceitos. Neste contexto, o desenho de edifícios, a arquitetura e o projeto urbano, considerados como “a arte de construir”, não podem ignorar a questão ambiental. Com efeito, o arquiteto, na sua atividade, deve gerir três grandes áreas que emergem do ambiente tal como definido acima: espaço, recursos e condições de vida.
SMM – A partir deste ponto de vista, este entendimento coincide com o que alguns modernos diziam: a arquitetura se é boa, é boa em todos os sentidos (inclusive ambiental), portanto dispensa adjetivos.
PF – Sim, em minha opinião esta abordagem não deve mais ser uma abordagem especializada, mas deve influenciar a prática de todos os arquitetos e designers. Trata-se de uma abordagem cívica do futuro de uma profissão que, creio, será ameaçada e marginalizada se não souber acompanhar o curso da História. Para fazer evoluir as práticas profissionais é também fundamental que as práticas pedagógicas evoluam nos cursos de formação de arquitetos. É isso que nos esforçamos para fazer na Ensa de Toulouse, que tenho o privilégio de dirigir atualmente. Quando me formei nesta escola, na década de 1970, certas aulas já haviam sido fortemente impactadas pelo choque do petróleo de 1973 e falava-se muito sobre arquitetura solar, cuja palavra-chave era “energia”. Na década de 1980, quando comecei a lecionar lá, acompanhamos uma evolução da problemática em direção a uma abordagem bioclimática, preocupada com o conforto do usuário e o impacto ambiental das edificações, então de forma mais geral, com o desenvolvimento urbano sustentável. Hoje, a fim de melhorar o desempenho energético e reduzir o impacto do carbono, "abordagem E + C-", colocamos em marcha fundamentos de ensino com "base biológica" (características geográficas e culturais do lugar, materiais e recursos locais etc.) inspirados em arquitetura vernácula e voltados para uma linguagem contemporânea.
SMM – Qual arquiteto, na França, em tua opinião, produz arquitetura consistente, com parâmetros ambientais equilibrados, na atualidade?
PF – O nome do arquiteto e também professor titular que tem uma produção que considero referência na França é Philippe Madec (1). Ele atualmente é um dos concorrentes para o projeto de revitalização e ampliação da Ensa Toulouse, no concurso que está em marcha.
notas
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Nascido na Bretanha (França) em 1954, Architect d.p.l.g. desde 1979, pioneiro no desenvolvimento sustentável do planejamento urbano e da arquitetura, Philippe Madec já morou em Paris e Bruxelas. Formado em arquitetura no Grand Palais em Paris (estúdio de Ciriani/Maroti) de 1972 a 1979, fundou seu estúdio em Paris em 1989. Conduziu pesquisas sobre pedagogia e teoria arquitetônica e escreveu sobre Etienne Louis Boullee seu primeiro livro. É arquiteto do Conselho de Estado desde 1995, professor de Arquitetura desde 1996, membro titular da Academia de Arquitetura desde 2007, Chevalier da Légion d'honneur (em matéria de ecologia) desde 2008, Diretor do Escritório do Corpo de Arquitetos do Conselho de Estado 2010, Membro Titular Seção Europeia do "Clube de Roma" desde 2010, Prêmio global de arquitetura sustentável de 2012, especialista da ONU, em 2016, para a preparação da cúpula do Habitat II em Quito, professor convidado (Columbia University, ENSPaysage de Versailles, University of Montreal, Harvard University, Paris-Tolbiac, Grenoble, Rouen, Lyon). Desde 2010 é professor da Ensa Rennes, onde ensina "A invenção do território sustentável" e, desde 2005, convidado da Universidade Técnica de Viena (Dept BIOS, FHJourda). Diretor de Investigação sobre os desenhos arquitetônicos para a École des Pont et Chaussées no século 18, pesquisa a relação teoria / pedagogia na arquitetura com qualidade ambiental, ventilação natural etc. Ver <https://www.atelierphilippemadec.com/p-madec.html>.