Sérgio M. Marques – Você traz um interesse especial nesta pesquisa, tanto pela vivência nas questões de arquitetura e meio ambiente, que falamos antes, quanto nas relações com o contexto brasileiro. Casou com uma brasileira, tem um filho brasileiro, morou no Rio de Janeiro e Recife, coordenou diversos programas de fomento à pesquisa e ao ensino nestas cidades e também em Porto Alegre, além de ter sido adido cultural da Embaixada da França no Nordeste. Qual sua visão em relação ao futuro da educação do arquiteto no Brasil?
PF – Ao longo dos anos, a visão por vezes redutora da Arquitetura Solar evoluiu para uma arquitetura mais cuidadosa, que não se limita à integração ao local ou à grande paisagem, mas também se alimenta dos recursos e da cultura local. No caminho traçado por Alvar Aalto ou mesmo Frank Lloyd Wright, experiências como as de Voralberg na Europa ou realizações valorizadas à escala global nas exposições Terra Award e Fibra Award (1), que fazem evoluir a cooperação norte-sul para a cooperação bilateral, mostram que a abordagem ambiental não é incompatível com a produção de uma arquitetura sensível e de qualidades formais, mas, pelo contrário, uma fonte de matéria prima projetual criativa. Vale referir ainda que os concursos de arquitetura realizados nos últimos anos na França não tiveram a qualidade arquitetônica dos projetos prejudicada, apesar das crescentes restrições em termos de observância da qualidade ambiental que se generalizaram. Pelo contrário, considero que os requisitos contidos no caderno de encargos elaborado para a programação de projetos com parâmetros para a utilização de recursos locais, desempenho energético, impacto de carbono etc. melhoraram a qualidade da produção arquitetônica, inclusive formalmente. Este nível de exigência, em particular sobre a valorização dos recursos locais, tende inevitavelmente a aumentar após o aparecimento da crise de saúde ligada à Covid-19, que nos atinge profundamente.
PF – Na América do Sul, onde o recurso natural é mais rico do que em qualquer outro lugar do mundo, essa tendência deve se desenvolver no futuro, desde que os poderes políticos integrem a ideia de que o desenvolvimento econômico deve conter o enfoque ambiental e a justiça social como fatores de desenvolvimento urbano e rural sustentável para a sociedade de amanhã. No que diz respeito à qualidade ambiental, arquiteturas exemplares já viram a luz do dia há muito tempo com as produções de Simon Velez na Colômbia, ou mesmo de Zanine Caldas, Severiano Mario Porto ou Helio Olga no Brasil. Muitos outros trilharam esse caminho, mas, como foi o caso da Europa nos anos 1980, de forma ainda muito isolada. Também o foram as experiências realizadas em habitação de interesse social, principalmente em Minas Gerais. No entanto, espero que seja apenas uma questão de tempo e que a abordagem ambiental seja generalizada na arquitetura, tanto no Brasil como em outros países latino-americanos, para acompanhar o mundo contemporâneo. Do contrário, é a credibilidade dos arquitetos que está em jogo, e talvez até o futuro da profissão. Se ela não souber acompanhar os tempos ficará despojada do desenho do ambiente em que vive e com isto se desconectará de seu tempo.
PF – Esta realidade deve ser levada em consideração não só pelos profissionais, mas também e sobretudo nos estabelecimentos de formação. Por ter participado pessoalmente deste processo educacional no Brasil como professor convidado da UFRJ e UFPE, como coordenador dos convênios Capes / Cofecub com a UFRJ, UFRGS, UFSC, UFJF, e por ter orientado várias teses de mestrado e doutorado, sei que esta tendência está em curso, mas que também deve ser generalizada nas faculdades de arquitetura. Na minha opinião, a principal armadilha que permanece é que no Brasil muitas vezes consideramos que as questões energéticas e ambientais são questões de engenharia (produção de sistemas), quando deveriam, antes de tudo, estar integradas ao conceito arquitetônico, localização, materialidade, morfologia e espacialidade. É por isso que essas questões estão presentes predominantemente na pós-graduação e, portanto, supostamente são questões de especialistas. Eu sei que esforços são feitos no treinamento de arquitetos para transmitir conhecimento no currículo da graduação, mas muitas vezes de uma forma muito isolada do aprendizado do projeto de arquitetura e urbanismo. Tive o privilégio de, nos anos oitenta, montar o curso e lecionar no primeiro Mestrado de Arquitetura e Conforto Ambiental da UFRJ e tenho a satisfação, hoje, de ver que os meus antigos alunos têm feito um trabalho notável de transmissão de conhecimento em muitas universidades brasileiras, e mais amplamente no mundo da arquitetura. Naquela época era uma abordagem específica, e é na comunidade de pesquisa que tínhamos que começar, mas se eu tiver que colaborar hoje, é no curso de graduação que eu faria com um workshop de projetos, porque esta abordagem agora deve investir na arquitetura como um todo.
SMM – Uma última pergunta, bastante "bairrista". Você coordenou o acordo Capes Cofecub que facultou sua vinda em diversos momentos a Porto Alegre, onde atuou como professor da Pós-Graduação da FA UFRGS e como colaborador da FAU UniRitter. Também recebeu diversos professores, pesquisadores e estudantes brasileiros na França. Qual a visão que ficou em relação ao ensino de arquitetura, à arquitetura e urbanismo e ao meio cultural de Porto Alegre, em sua sensibilidade?
PF – Foi no âmbito dessas colaborações que tive a oportunidade de conhecer Porto Alegre para estreitar os laços com a UFRGS no âmbito do nosso primeiro convênio Capes Cofecub. No entanto, devo admitir hoje que escolhi a data da minha primeira conferência em uma segunda-feira, e não qualquer uma: aquela que me permitiu ir ao Beira-Rio na véspera para assistir ao jogo de volta (havia visto o de ida no Maracanã, no domingo anterior) do Inter x Flamengo. Ainda me lembro do resultado, mas não vou recordar aqui para não fazer mal a ninguém... Principalmente ao jovem arquiteto que conheci na ocasião, que se tornou meu amigo apesar deste resultado. Você foi de fato o primeiro candidato da UFRGS a realizar uma estadia de pesquisa em nosso laboratório em Toulouse, ação que colocou a primeira pedra de nossa cooperação e de uma longa amizade. Tive assim a oportunidade de regressar várias vezes a Porto Alegre, acolhido pela família Moojen, o que me deu o privilégio de conhecer duas entidades: Moacyr Moojen Marques, notável em geral e em cultura arquitetônica em particular, que me ensinou durante longas conversas a história da Arquitetura no Brasil, e o prédio que ele havia projetado com seus dois sócios para fazer suas residências em três níveis (Edifício FAM). Tive então a vivência, com as explicações do arquiteto, sobre o exemplo flagrante de uma arquitetura vinda direto do Movimento Moderno (estrutura de concreto, pilotis, áreas de transição) mas interpretada em um contexto regional (ventilação natural e proteções solares integradas à forma arquitetônica). Associadas ao concreto, essencial na época, peças de madeira móveis e sua regulação térmica (ventilação, proteção, inércia) foram determinadas pela arquitetura e não por sistemas técnicos de engenharia. De certa forma, uma arquitetura bioclimática moderna.
PF – Posteriormente, tive a oportunidade de descobrir outras conquistas desse tipo e de notar que certos arquitetos se apropriaram do Movimento Moderno, interpretando-o para contextualizá-lo, principalmente no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, mais do que em outros estados do Brasil. Além disso, o desenvolvimento urbano em Porto Alegre me pareceu ter certa preocupação com uma abordagem sustentável (revegetação, mobilidade, densidades etc.), mesmo que a capital não escape, como outras da América (e de muitas na Europa), do que David Mangin chama em suas obras de la ville franchis (2), cujo desenvolvimento não responde a planos diretores sustentáveis mas sim à implantação de espaços oriundos do mercado imobiliário, que gera uma expansão urbana incompatível com os desafios futuros do desenvolvimento sustentável. É claro que essa tendência depende muito das políticas urbanas, mas acho que o arquiteto também não escapará de participar destes debates coletivos para influenciar as tendências.
PF – Para isso deve ser ele próprio sensibilizado e competente na matéria, e é por isso que a formação das próximas gerações de arquitetos deve investir significativamente em uma abordagem ambiental do projeto arquitetônico e urbano desde a graduação, nos ateliês de projeto, tanto em Porto Alegre como em qualquer outro lugar.
SMM – Muito obrigado, Pierre. Agradeço muito mais uma rodada de nossa já longa troca. Vejo que tua dedicação à "causa" permanece afiada, mas com o gosto ou desgosto, dependendo do ponto de vista, de ver confirmadas tuas previsões de fadiga do meio ambiente frente ao descaso. Ainda temos trabalho pela frente.
PF – Eu é que agradeço a oportunidade. E ainda a satisfação de ver que mesmo depois de alguns jogos nas Copas do Mundo, a relação do Brasil com a França permanece em alto nível. E também com você, que desde aquele jogo no Beira Rio, quando fui a primeira vez a Porto Alegre e quase morri ao ser o único a levantar para comemorar no meio da torcida gaúcha o gol do Zico, permanece um amigo de primeira ordem.
SMM – Melhor encerrar por aqui...
notas
1
Terra Award e Fibra Award: seleção e exposição itinerante dos melhores projetos contemporâneos em terra e em fibra. Unesco, 2016. Ver <http://terra-award.org/?utm_medium=website&utm_source=archdaily.com.br> e <http://www.fibra-award.org/en/?lang=fr>.
2
MANGIN, David. La Ville franchisée: Formes et structures de la ville contemporaine Paris, De la Villette, 2004.