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interview ISSN 2175-6708

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Haniel Israel, arquiteto e mestre em arquitetura, entrevistou a arquiteta Anne Lacaton, sócia do escritório francês Lacaton & Vassal ao lado de Jean-Philippe Vassal, contemplados com o prêmio Pritzker de 2021.

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ISRAEL, Haniel. Questões de espaço, educação e inovação. Entrevista com Anne Lacaton. Entrevista, São Paulo, ano 22, n. 086.05, Vitruvius, jun. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/22.086/8119>.


École Nationale Supérieure d’Architecture de Nantes
Foto Philippe Ruault

Haniel Israel: Celestin Freinet, representante do escolanovismo sob uma ótica transnacional (5), em primeira análise, seria uma figura no âmbito político-pedagógico francês com destaque semelhante às atuações do educador brasileiro Anísio Teixeira. Seu ideal pedagógico e projeto político teriam influenciado uma geração de arquitetos ao longo da segunda metade do século 20, destacando-se como um dos clientes de arquitetura mais significativos para a arquitetura brasileira. Tal como Anísio Teixeira, é possível verificar a influência de Freinet ou de outros educadores nos edifícios educacionais franceses? Se sim, quais seriam as referências dentro dos projetos de arquitetura?

Anne Lacaton: Não conheço muito bem sobre as técnicas pedagógicas, mas, na verdade, aqui na França muitas escolas seguem a linha do modelo educacional Jules Ferry (6), que é um modelo antigo com aulas seriadas, com organização de espaços para as turmas, isto é, cada qual com um mestre, ou um professor em cada sala. Também tem muitos espaços coletivos para brincar, a biblioteca, o refeitório, as áreas de recreação... Algumas vezes temos espaços para fazer esportes, como você exemplificou nesse caso de São Paulo, que são integrados à escola. Penso que as diferentes técnicas pedagógicas talvez aconteçam no interior disso tudo, porque aqui na França, evidentemente, temos o modelo pedagógico como o montessoriano, que também se propagou de maneira um pouco paralelas, mas não conheço o assunto de uma maneira ampla quanto você.

Creio que aqui não temos muitas escolas que foram feitas por projetos pedagógicos que sejam muito diferenciados. Quando tem, são raros, porque nossos sistemas escolares permanecem na linha republicana, seguindo o padrão do modelo do professor com a sua turma, o que também não impediria, de certo modo, que os professores praticassem técnicas pedagógicas diferentes. O espaço pode ser um instrumento que induz ou que o constranja a fazer atividades pré-determinadas; está imposto, porém, ele não impede as práticas diferentes em suas configurações, em se tratando de algumas pedagogias particulares. Sempre podemos utilizar o espaço de uma maneira diferente.

Suponho que, no interior da sala de aula, o professor tem um espaço de liberdade, que ele pode decidir como fazer a sua própria pedagogia, mas creio que a maioria dos projetos de escola tende a seguir um programa, da definição dos espaços, de suas respectivas funcionalidades, da utilização desses espaços de modo geral que traz uma tipologia e que, com o tempo, esses padrões passaram por mudanças e a programação das escolas tem tornado os edifícios mais abertos. Hoje em dia é verdade que, cada vez mais, as escolas localizadas em contextos urbanos, em específico nas suas relações com os bairros, têm se tornado mais abertas à população.

Isso não é algo simultâneo. Durante os horários de aula, as escolas são abertas porque tem as crianças dentro, mas depois desses horários tem atividades extras porque os pais das crianças ainda estão trabalhando. Os estudantes podem ficar por mais um pouco de tempo dentro da escola aos cuidados de outros educadores que vêm fazer atividades dentro do próprio edifício. As escolas são abertas na França, mas talvez não tanto quanto você explicou no Brasil, no caso dos Centros Educacionais Unificados em São Paulo. Os edifícios escolares franceses estão abertos fora dos horários e das atividades específicas das aulas e das turmas como te expliquei.

Também as escolas podem servir às eleições, para votar. As eleições sempre corroboram para a construção de um lugar público, então tem uma utilização controlada para as atividades públicas, seguindo a Maîre. Assim, as escolas maternais e elementares dependem da cidade, representada pelas governanças locais, as escolas de ensino médio sejam entendidas na figura do colégio ou do liceu, dependem dos distritos regionais de ensino e a Universidade, por sua vez, com suas relações de dependência direta com o Estado. Tais atribuições faz com que as escolas maternais e elementares, por exemplo, sejam mais apegadas, ligadas à vida de bairro, muito mais que no caso das universidades.

Eu, particularmente, não sou especialista no assunto. Na postura de arquiteta, quando a gente teve que trabalhar em concursos para fazer a concepção das escolas, contamos sempre com os programas que são idênticos entre si, derivados desse modelo da classe com o professor e a turma. Existe algumas experiências muito interessantes, durante os anos 1970, onde as escolas eram mais abertas e, portanto, menos fechadas comparadas às de hoje. Eu tenho em mente que, na cidade de Grenoble, a experiência conhecida como La Cité de l’Arlequin (7), pesquisa sobre a maneira com qual as pessoas eram instruídas a conviver, como as pessoas deveriam compartilhar suas vivências na dimensão coletiva. As residências eram elevadas do solo e tudo que pertencia ao rez-de-chaussée, era articulado por uma grande rua e, as escolas que ali existiam estavam voltadas para essa rua, não eram fechadas.

Por exemplo, uma velhinha que vai fazer compras no mercado, podia atravessar a escola e conversar com as crianças. Esse modelo aberto não durou muito tempo por não condizer com a realidade de hoje, na qual a sociedade se fechou em face das vivências sociais por meio do edifício escolar. As ameaças do terrorismo na França têm se tornado constantes e, em decorrência disso, as escolas são fechadas durante o período escolar. Ninguém pode adentrar no edifício, o que é muito diferente na Suíça, por exemplo, onde as escolas não são fechadas ou que não tem fechamentos explícitos. Isso ocorre porque não é a mesma vida de sociedade que temos aqui na França, onde a escola tem sido um lugar que não podemos entrar durante o tempo escolar se não formos professores, parentes dos estudantes, ou os próprios estudantes.

notas

5
VIDAL, Diana. Sujeitos e artefatos: territórios de uma história transnacional da educação. Belo Horizonte, Fino Traço, 2020.

6
Jules Ferry assumiu protagonismo no contexto político francês dos anos 1880, em suma, no tocante à sua atuação no campo das políticas públicas educacionais, representando desdobramentos do movimento de independência do poder público, ora desencadeados ao longo do século XIX em decorrência da Revolução Francesa (1789). Ferry destacou-se em face da laicização do ensino primário francês, tornando-o público, laico e gratuito. Houve aversões quanto a laicização do ensino por parte dos clérigos, cujo projeto republicano recebeu a alcunha de “Filha mais velha de Satã” por parte do Papa Pio X. Ver: BIENFAIT, Hervé. Villeneuve de Grenoble: la trentaine. Grenoble, Cnossos, 2005. Ver também: WEREBE, Maria José Garcia. A laicidade do ensino público na França. Revista Brasileira de Educação, n. 27, Rio de Janeiro, dez. 2004, p. 192-197 <https://bit.ly/2StcXYq>.

7
Trata-se de um projeto que agrupa 2.200 unidades de habitação destinadas a uma população de 9.000 habitantes. O conjunto dessas edificações somam a continuidade de 1.500 metros ao longo de um parque central no bairro de Villeneuve, cidade de Grenoble. As “Galerias Arlequim” integram-se a um sistema de circulações internas a esse conjunto que definem o térreo, visto como o principal elemento qualificador deste projeto. Desse modo, o térreo configura passagens em forma de rua e, assim, permitem fruição a partir de percursos peatonais. Além do uso de habitação, o conjunto reúne comércio local nessas galerias, além de serviços públicos como biblioteca, teatros, atendimento de saúde, ensino primário e creche por meio de um colégio de bairro. Sua construção foi concluída em 1976, tendo a autoria do arquiteto Roland Simounet. Ver BIENFAIT, Hervé. Op. Cit.

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