“A assistência técnica para baixa renda vai acontecer de qualquer maneira agora. Eu costumo dizer o seguinte: o fundo do poço tem subsolo. Estamos chegando no fundo do poço. Eu também costumo dizer que a felicidade bateu à porta, mas ela não gira maçaneta. Nós temos que girar. E parece que nós, arquitetos, acordamos. E isso, a partir de um trabalho fantástico que começou aqui no Rio Grande do Sul e que hoje o Brasil inteiro conhece e faz: assistência técnica para baixa renda. Desse modo, eu entendo que nós estamos sim, no caminho. Não tem como haver democracia, se não passarmos pela dança das nossas cidades”.
Gilson Paranhos, Porto Alegre, 2019
Em 2016, logo após o golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, o futuro da política habitacional foi colocado em xeque. O ideário neoliberal começou a ganhar notável radicalidade e hoje invade nosso cotidiano. O Ministério e o Conselho Nacional das Cidades estão extintos; empreendimentos do Minha Casa Minha Vida Entidades estão paralisados por falta de repasses do Governo Federal e, até o presente momento, presenciamos novas ameaças privatistas (1) às cidades brasileiras, como o Projeto de Lei n. 413/2020 que altera instrumentos normativos das leis n. 10.257/01, do Estatuto das Cidades, n. 13.465/17, da Regularização Fundiária Rural e Urbana e n. 6.766/79, do Parcelamento do Solo Urbano.
Por detrás deste cenário — que se apresenta como um todo em desconstrução —, têm emergido fortemente experiências e debates em torno da Lei n. 11.888 de 2008: a Lei de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social — Athis. Se esta tem sido uma alternativa de esperança, mediante o contexto sociopolítico e econômico que enfrentamos, não sabemos dizer. Mas, em contrapartida, há pelo menos duas razões para o fortalecimento desse debate. A primeira diz respeito à própria formação das cidades brasileiras, quando 85% da população constrói sem o auxílio de um profissional capacitado: arquiteto e/ou engenheiro. A segunda razão diz respeito à investida do Conselho de Arquitetura e Urbanismo — CAU, com a destinação de 2% da receita líquida dos orçamentos do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil — CAU BR e dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo das Unidades Federativas — CAU UF em projetos de fomento à Athis.
A efervescência do debate se refletiu no 21° Congresso Brasileiro de Arquitetos — 21° CBA, realizado em outubro de 2019, na capital Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Dentre outras, essa foi uma das motivações que nos levou a entrevistar dezessete profissionais e/ou estudiosos envolvidos com a temática da Habitação de Interesse Social durante o referido congresso. A entrevista que realizamos com o arquiteto Gilson Paranhos faz parte desse trabalho, o qual tem por objetivo compor um documentário que está em processo de produção.
O arquiteto e urbanista Gilson Paranhos contribui para a reflexão sobre a temática habitacional por meio da prática. Entre 2015 e 2018, enquanto presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal — Codhab DF, instituição do governo, Gilson desenvolveu um trabalho pioneiro em assistência técnica pública e gratuita, oferecida a famílias de baixa renda, que fundamenta-se, conforme narra, na imersão; trabalho esse que lhe proporcionou reconhecimento nacional. São poucos os arquitetos que, através da prática, conhecem a máquina pública e a realidade do nosso país, como Gilson. E é sobretudo a prática do fazer e suas experiências, que contornam toda a conversa que aqui se apresenta.
nota
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Cf. FNA subscreve nota de repúdio do IBDU ao projeto que altera legislação urbanística. FNA, Brasília, 8 jun. 2020 <https://bit.ly/3aCr6eH>.