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research

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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Entrevista com Gilson Paranhos, ex-presidente da Codhab DF, realizada durante o 21° CBA, em 2019. A entrevista compõe a produção de um documentário com temática a Habitação de Interesse Social e a Lei de Assistência Técnica para habitação.

english
Interview with the former president of Codhab DF, Gilson Paranhos. It was held during the 21° CBA, in 2019, as part of a documentary on Social Housing and the Law on Technical Assistance for housing.

español
Entrevista con Gilson Paranhos, expresidente de la Codhab DF, llevada a cabo durante el 21° CBA en el 2019. Entrevista que hace parte de un documental enfocado en la Vivienda de Interés Social y la Ley de Asistencia Técnica Habitacional.

how to quote

SCOTTON, Josiane Andréia; NUNES, Lívia Fernanda Ribeiro; D'AGOSTIN ALANO, Natalia. Athis: um caminho através da prática. Entrevista com Gilson Paranhos. Entrevista, São Paulo, ano 23, n. 090.02, Vitruvius, jun. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/23.090/8491>.


Gilson Paranhos
Foto divulgação [Acervo das autoras]

Lívia Fernanda Ribeiro Nunes e Natalia D’Agostin Alano: Quando debatíamos essa nossa proposta de documentário, muito pensamos sobre um roteiro de perguntas padrão para todos os nossos convidados. Nesse processo, nos demos conta de que existem algumas perguntas que são feitas recorrentemente nas discussões sobre a temática. Por exemplo: "qual é o papel da universidade?". Queríamos fugir desse lugar-comum... Então lhe perguntamos: qual ou quais são as perguntas que faltam ser feitas sobre a Athis?

Gilson Paranhos: Eu acho que tem muitas perguntas para serem feitas. Muitas delas já sabemos a resposta. Mas eu acho que precisam ser feitas algumas perguntas para combater essa fuga do cerne das questões. Quando perguntamos assim: “quem é que vai dar o curso de preparação para o profissional ir pra favela?”. No Brasil, nós não temos esses profissionais. Nós não fomos pra favela ainda. A segunda pergunta: quais são os problemas da Athis? Quais são os problemas técnicos e quais são os problemas? A outra pergunta: por que não existe Athis no Brasil? “Ah, porque todos os prefeitos são ladrões”. Repito: por que não existe Athis no Brasil? Por que as normas e as leis não deixam. Eu sei as respostas. Mas nós temos que fazer essas perguntas. Talvez: quais são as normas e as leis que não estão deixando acontecer Athis no Brasil? E aí nós temos uma quantidade de perguntas pra fazer. Por que o lote tem que ter mais de 5 m de frente? Tem uma quantidade de perguntas que começam a aparecer...

Dona Chica, por exemplo, é uma senhora de oitenta e tantos anos que mora no Pôr do Sol. Ela me procurou com um abaixo-assinado pra eu abrir um posto no Pôr do Sol. E era tudo o que eu queria. Ela me ajudou. E então eu perguntei pra ela: “quanto tempo a senhora me dá para abrir o posto?”. E ela falou: “eu sei, essas coisas são burocráticas e tal. Vamos fazer o seguinte, você acha que em sessenta dias o senhor consegue abrir o posto lá?”. Eu falei: “eu já falei pra senhora, né? As leis não me deixam pagar a loja e tal... A senhora quer que eu faça em sessenta dias. Eu lhe proponho sessenta horas". Ela: “sessenta horas por quê?”. Eu disse: “porque a senhora tem que fazer uma festa”. E então nós fizemos uma festa e ela cortou a fitinha. Teve filme etc. A Dona Chica nos ajudava a fazer perguntas importantes: “por que isso não aconteceu ainda?”.

E foi isso que fizemos na Codhab. Fizemos muita coisa e há muitas críticas. Mas o ótimo é inimigo do bom. Então nós temos que ir fazendo. E os problemas vão aparecendo na medida que se faz. E assim, teremos uma quantidade de perguntas enormes pra assistência técnica. Mas tem algumas que são básicas, né? Eu volto um pouco ao Fernando Assad. O Fernando está numa direção que eu acho que é um caminho. Eu não tenho resposta ainda, mas ele tá num caminho, cheio de tecnologia, para poder dar respostas. Mas eu acho que nós não temos só o caminho do Fernando. Nós temos que ter uma gama... Pois, você não resolve o problema do transporte só com VLT ou só com o BRT.

Na assistência técnica também temos que ter diversos caminhos, diversas soluções. E tem uma quantidade de pergunta, mas eu tenho certeza de uma coisa: as principais perguntas ainda não apareceram. Por que não apareceram ainda? Porque não estamos fazendo assistência técnica em massa. A hora que começarmos a fazer assistência técnica pra valer, aí vão aparecer as perguntas principais. Na minha equipe tinham pessoas que iam para ponta e outras que não iam. Não acho que todo mundo vai para ponta, não acho não. Não tem problema. Os aguerridos vão estar na ponta. Mas nem todos precisam ser aguerridos. A vida não é assim. Eu tenho certeza que as perguntas não vieram porque a gente ainda não aprendeu com a Escola de Sagres, que é a prática antes da teoria. Lelé foi Lelé porque ele chegou em Brasília para fazer os tubulões da Quadra 108 Sul. E ele não tinha para quem perguntar. Ele não tinha telefone, ele não tinha o Google, ele não tinha internet e ele não tinha os livros. E ele olhava para aqueles ferros e ele falava assim: “será que vai segurar esse prédio?”. Ele tinha um rádio que ele usava a cada quinze dias, lá na Fazenda do Gama, que ele ligava para o Rio de Janeiro. Em determinada época, os arquitetos que foram para lá, que não tinham para quem perguntar — Lelé, Milton Ramos, eram os melhores arquitetos do Brasil —, eles não tinham nem papel direito. Então, para mim, tudo é ferramenta. Mas se a gente não estiver dentro da favela fazendo, a gente não vai ter as perguntas. Vamos errar? Só aprendemos com erros. Nós temos que errar quantas vezes for preciso. Nós temos que saber que temos que criar uma cidadania na população...

Eu tinha dezesseis anos, e eu queria visitar Dom Helder e, naquela época, foi antes da greve de 1977, eu perguntei para ele: “Dom Hélder, você é um bispo católico, e as pessoas te chamam de comunista?”. E ele falou: “meu filho, você é muito novo pra ser tão bitolado. As ideologias passam. Espera um pouquinho”. Ele saiu, foi lá e trouxe dois envelopes abertos com dois convites pra ele dar palestra. Uma carta tinha vindo de Nova York e a outra tinha vindo de Cuba. Ele falou: “oh, cuidado com as ideologias e com as coisas materiais”.” E eu perguntei: Dom Helder, é verdade que você ganhou um carro e doou?”. Ele disse: “é verdade meu filho. Sabe por que? Porque eu meço a qualidade do meu trabalho através das pessoas que me dão carona na rua quando eu preciso andar. Faço questão de não ter carro”. Naquela época os padres não usavam batina, né? E eu detestava essa coisa de batina e Dom Helder não tirava a batina: “Pô, Dom Hélder! Dom Tomás Balduíno, Dom Pedro Casaldáliga, ninguém usa batina, o senhor usa essa batina”. E ele respondeu: “essa batina é a minha arma, eu saio na rua e eu pego carona de um, de o outro...”.

Então, pra mim, as ferramentas são as mais diversas. Mas nós temos que pegar nossas ferramentas e fazer nossos caminhos a partir da prática.

LFRN/NDA: Na música, na literatura e no cinema, raramente encontramos narrativas cujo cenário incorpore um outro projeto de cidade; cidades mais justas, da vida coletiva e da esperança. No cinema, por exemplo, assistimos a enredos onde a cidade é caracterizada pelo sentido da utopia do "não lugar". Assumindo que o que fizemos aqui hoje, seja um filme, propomos um exercício de imaginação onde a utopia apareça como um significado do lugar comum, bom para todas e todos. Como você pensa essa cidade?

GP: Veja bem, eu não tenho um pingo de dúvida de que todas essas questões da pobreza no Brasil, na Índia, na África, vão ser solucionada. Não tenho dúvida disso. A tecnologia já está solucionando isso. No Canadá, o deficiente quase paraplégico pega o telefone, liga para uma van pública; a van passa na casa dele e o leva para o trabalho. Digno. Sozinho. Em cima de um carro; de uma máquina que o leva para trabalhar, com cidadania. Sem depender da sua família. Eu vejo isso acontecendo.

Quando alguns governantes quiserem fazer muros, esses muros vão cair rápido, porque não tem jeito. A tecnologia acabou com isso graças a Deus. As barreiras acabaram. As barreiras físicas que vão ficar tentando construir, como quer Trump, por exemplo, não têm mais jeito.

Eu vivo numa cidade [Kitchener, no Canadá] que você sai de manhã e as pessoas estão tomando café na rua, nas suas casas e os vizinhos estão indo lá. Sonho, utopia. Essa utopia já é realidade em muitos países. Para mim, o problema do Brasil é muito mais sério do que se pensa. Nós somos um dos últimos países a estar nessa realidade. Nós estamos no final da fila. E às vezes não falamos isso pra não desanimar. Mas nós temos que ter consciência disso. De todo modo, eu acho que todos esses problemas vão ser solucionados de maneira rápida. Eu acho que o nosso papel para solucionar rapidamente os problemas das favelas é essencial, porque só nós sentimos o problema.

Culturalmente, o povo dos países ricos, eles não conseguem entender nossos problemas. Eu fui lá pro Habitat for Humanity ajudar os caras a fazer casas. Pois, sou voluntário lá também. Mas, lá não tem nada a ver com a nossa realidade. Está muito longe. Eles não conseguem — culturalmente — entender o que é a pobreza das nossas favelas. Eles, como a maioria da elite das nossas universidades, não sabem do que estão falando, porque não foram lá para dentro.

É essencial que as universidades participem. A Codhab tem convênio com todas as universidades de Brasília. Os estudantes estão todos juntos com a gente. Cada coisa no seu lugar. Os estudantes estão juntos com os profissionais para solucionar problema, porque o problema é sério. Nós temos problema de infraestrutura, água, esgoto, de cidade.

Nós vamos sim solucionar essas questões e eu não tenho dúvida de que as pessoas serão felizes. “Ah, mas você é muito otimista”. Sou otimista, sim! Aí pronto, eu quase apanhei quando falei que não precisa de dinheiro. É lógico que você tem que aumentar aquilo que você fala, senão as pessoas não ouvem, né? Mas nós temos a mania de falar assim: “eu não faço porque eu não tenho dinheiro”. Ah, desculpa, se for assim, nós somos terceiro mundo, não temos dinheiro para nada. Nós temos que fazer sim, sem dinheiro. Nós temos que ter a criatividade de viabilizar e fazer as coisas sem dinheiro. O dinheiro aparece. Eu canso de falar. “Ah, mas eu só vou montar um posto de assistência técnica depois que eu tiver dinheiro”. Você ficou esperando ter dinheiro pra montar seu escritório de arquitetura? Você terminou o curso, você estagiou, bem, agora eu tenho que ser arquiteto, o que eu vou fazer? Eu tenho que dar um jeito, né? Assistência técnica é a mesma coisa. O dinheiro aparece para pagar sua conta de luz e de água depois que você correr atrás dele. Assim é com a assistência técnica, ele vai aparecer. Fomos construir a casa da Dona Maria; e nem bem começamos lá, negócio totalmente novo e qual era minha maior dificuldade? Eu tinha que criar os caminhos jurídicos e contábeis para viabilizar essas coisas. Não existia. Você tem que viabilizar essa utopia.

Eu não tenho dúvida que o Brasil vai ser feliz. Nós vamos solucionar isso. O brasileiro é criativo, nós matamos três leões por dia. A gente está acostumado a matar três leões por dia e acha isso normal. Eu penso que o país vai demorar um pouquinho em função da falta de consciência coletiva nossa. Mas essa consciência coletiva ela tem que ser na práxis da Escola de Sagres, não é na teoria. A ideologia é consequência. Ela não é o caminho único. Eu entendo que a relação humana ela é muito mais forte que qualquer outra coisa. Então eu acho que é por aí que a gente vai solucionar essa questão. Eu acredito em tudo isso. A gente tem um “puta” de um país. Não tenha dúvida disso. Nós somos enormes.

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