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Museu dos Coches, armação do ferro da viga norte do edifício anexo, Lisboa, Portugal, 2017. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha
Foto Nuno Tavares da Costa, 2010
Em maio de 2017, Paulo Mendes da Rocha (Vitória, 1928 — São Paulo, 2021) veio a Portugal para a inauguração de uma das raras obras que realizou fora do Brasil: o Museu dos Coches, em Lisboa (1). Esta era já a segunda inauguração do museu, pois a primeira, dois anos antes, havia sido realizada com o projeto incompleto, sem a parte expositiva. Na realidade, os trabalhos do museu só se completariam em 2019, altura em que foi colocada em funcionamento a passagem pedonal que liga a cidade ao rio. No dia seguinte à inauguração de 2017, no seu rescaldo, engendrámos uma conversa os dois, que era oportuna para o doutoramento que tinha em curso, e que partia, precisamente, da experiência no museu. A conversa acabou por se tornar um momento de charneira na investigação, clarificando aquilo que parecia turvo, encaminhando o que parecia errático e afastando o que era superficial. Como quase sempre acontece com Mendes da Rocha a conversa fluiu num discurso feito de subtis e implícitas proposições que, aparentemente, nada tem a ver com arquitetura. Ou, talvez sim?!
Nessa altura, os meus interesses de investigação já não se prendiam tanto com a obra do museu, pois este era um pretexto que usava agora para compreender algo maior: a formação da consciência em Paulo Mendes da Rocha e o seu exercício através da linguagem do projeto. E, no entanto, na obra do museu está todo o universo de Mendes de Rocha. O museu tinha surgido, primeiro, como uma atualidade estranha e inquietante, confirmada pelo aparente conflito entre a tradição moderna brasileira e o maior arcaísmo da cultura portuguesa. Depois, essa inquietação foi-se apaziguando, à medida que se aclarou que a questão essencial da arquitetura, para Mendes da Rocha, não era disciplinar, mas sim política. Nunca foi uma questão de forma, mas de processo. Será também por isso que a sua obra continuará a agir, agora e sempre, enquanto presença etérea, mostrando que outra via é possível à arquitetura, mas que dela se exige uma educação fundada no pensamento livre e crítico.
nota
1
O Museu Nacional dos Coches (2007-2017), em Lisboa, é uma obra de Paulo Mendes da Rocha desenvolvida em conjunto com o coletivo MMBB (Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Mílton Braga) e com o apoio do escritório do português Ricardo Bak Gordon (que assegurou a transição segura do projeto para a realidade portuguesa). A parte das engenharias ficou a cargo da empresa AFA Consult, liderada pelo engenheiro portuense Rui Furtado, e com o apoio de Armando Vale. O projeto expositivo teve a coordenação do arquiteto Nuno Sampaio, actual director executivo da Casa da Arquitectura.