Nuno Tavares da Costa: Para nós, portugueses e europeus, uma obra como o Museu dos Coches, feita aqui, em Portugal, num lugar histórico e monumental como o de Belém, causou alguma surpresa, e, de certa forma, até uma certa estranheza. A minha primeira pergunta seria essa: acha que há uma diferença entre o que é a arquitetura brasileira e a arquitetura portuguesa, e que dessa diferença possa resultar um sentimento de estranheza para com o museu?
Paulo Mendes da Rocha: Não posso negar a estranheza. O que eu posso comentar é a origem dessa diferença. Porque o que você está chamando de estranheza é que você nota que não é a mesma coisa. Aparentemente, não é a mesma coisa. O que eu podia dizer, no sentido do trabalho que você está fazendo, é que isso talvez seja uma forma enganosa de avaliar as coisas. Porque está justamente no universo dessa estranheza a essência da questão da arquitetura. Arquitetura não é feita para repetir coisa alguma, ela é feita para que continuemos a ocupar esse planeta como habitat humano. A construção do habitat humano. Portanto, é como se dissesse, quanto a essa questão da arquitetura: não se entendeu o que foi a descoberta do continente americano. Porque era o momento de se reinventar, ou de usufruir da invenção para ocupar esses novos espaços.
Se você enfrenta, por exemplo, o sistema hidrográfico (principalmente na parte que está o Brasil, esse grande altiplano, é de uma riqueza tão grande que instituir lá a benfeitoria nos rios, para fazer desfrutar da navegação fluvial, coisas históricas assim, muito conhecidas), não é para repetir exatamente a mesma coisa. A ideia é a mesma, mas os recursos já são outros. Você vê as dificuldades do confronto da terra com o mar, históricas. Hoje, nós temos recursos como os famosos tubulões pneumáticos, ar comprimido, as gruas, as máquinas, e mesmo ideias. A cidade não será sempre a mesma. Ela é sempre a mesma coisa como vontade e desejos. Mas não formalmente a mesma coisa.
Hoje, você lança viadutos e túneis se você quiser enfrentar qualquer território em linha reta. É possível. Portanto, a fundação de uma cidade pode partir de desenhos que convocam os mesmos ancestrais desejos do Homem, porém de uma forma que nunca fizemos tão bem feito antes, digamos. E isso é a América. Não é que seja a arquitetura brasileira. Tanto que não havendo um Brasil há tantos séculos como há uma Roma, ou há uma Lisboa, como é que ela pode ser brasileira?! A arquitetura brasileira seria a dos índios, que são maravilhosas construções, coisas assim. Isso é o que eu penso. Tanto que, se você quiser, vou-te contar uma história que cabe muito bem aqui: um dos críticos mais notáveis de literatura do século 20 foi um americano. É um americano! Foi, porque já morreu, mas ainda é, porque as coisas estão escritas. Um americano chamado Edmund Wilson (1). Você conhece essa história? Eu já contei essa história?
nota
1
Edmund Wilson (1895-1972).