Museu dos Coches, Calçada da Ajuda, Lisboa, Portugal, 2017. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha
Foto Nuno Tavares da Costa, 2018
Nuno Tavares da Costa: Para nós, portugueses e europeus, uma obra como o Museu dos Coches, feita aqui, em Portugal, num lugar histórico e monumental como o de Belém, causou alguma surpresa, e, de certa forma, até uma certa estranheza. A minha primeira pergunta seria essa: acha que há uma diferença entre o que é a arquitetura brasileira e a arquitetura portuguesa, e que dessa diferença possa resultar um sentimento de estranheza para com o museu?
Paulo Mendes da Rocha: Não posso negar a estranheza. O que eu posso comentar é a origem dessa diferença. Porque o que você está chamando de estranheza é que você nota que não é a mesma coisa. Aparentemente, não é a mesma coisa. O que eu podia dizer, no sentido do trabalho que você está fazendo, é que isso talvez seja uma forma enganosa de avaliar as coisas. Porque está justamente no universo dessa estranheza a essência da questão da arquitetura. Arquitetura não é feita para repetir coisa alguma, ela é feita para que continuemos a ocupar esse planeta como habitat humano. A construção do habitat humano. Portanto, é como se dissesse, quanto a essa questão da arquitetura: não se entendeu o que foi a descoberta do continente americano. Porque era o momento de se reinventar, ou de usufruir da invenção para ocupar esses novos espaços.
Se você enfrenta, por exemplo, o sistema hidrográfico (principalmente na parte que está o Brasil, esse grande altiplano, é de uma riqueza tão grande que instituir lá a benfeitoria nos rios, para fazer desfrutar da navegação fluvial, coisas históricas assim, muito conhecidas), não é para repetir exatamente a mesma coisa. A ideia é a mesma, mas os recursos já são outros. Você vê as dificuldades do confronto da terra com o mar, históricas. Hoje, nós temos recursos como os famosos tubulões pneumáticos, ar comprimido, as gruas, as máquinas, e mesmo ideias. A cidade não será sempre a mesma. Ela é sempre a mesma coisa como vontade e desejos. Mas não formalmente a mesma coisa.
Hoje, você lança viadutos e túneis se você quiser enfrentar qualquer território em linha reta. É possível. Portanto, a fundação de uma cidade pode partir de desenhos que convocam os mesmos ancestrais desejos do Homem, porém de uma forma que nunca fizemos tão bem feito antes, digamos. E isso é a América. Não é que seja a arquitetura brasileira. Tanto que não havendo um Brasil há tantos séculos como há uma Roma, ou há uma Lisboa, como é que ela pode ser brasileira?! A arquitetura brasileira seria a dos índios, que são maravilhosas construções, coisas assim. Isso é o que eu penso. Tanto que, se você quiser, vou-te contar uma história que cabe muito bem aqui: um dos críticos mais notáveis de literatura do século 20 foi um americano. É um americano! Foi, porque já morreu, mas ainda é, porque as coisas estão escritas. Um americano chamado Edmund Wilson (1). Você conhece essa história? Eu já contei essa história?
Museu dos Coches, entrada do pavilhão de exposições, Lisboa, Portugal, 2017. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha
Foto Nuno Tavares da Costa, 2022
nota
1
Edmund Wilson (1895-1972).