Em maio de 2017, Paulo Mendes da Rocha (Vitória, 1928 — São Paulo, 2021) veio a Portugal para a inauguração de uma das raras obras que realizou fora do Brasil: o Museu dos Coches, em Lisboa (1). Esta era já a segunda inauguração do museu, pois a primeira, dois anos antes, havia sido realizada com o projeto incompleto, sem a parte expositiva. Na realidade, os trabalhos do museu só se completariam em 2019, altura em que foi colocada em funcionamento a passagem pedonal que liga a cidade ao rio. No dia seguinte à inauguração de 2017, no seu rescaldo, engendrámos uma conversa os dois, que era oportuna para o doutoramento que tinha em curso, e que partia, precisamente, da experiência no museu. A conversa acabou por se tornar um momento de charneira na investigação, clarificando aquilo que parecia turvo, encaminhando o que parecia errático e afastando o que era superficial. Como quase sempre acontece com Mendes da Rocha a conversa fluiu num discurso feito de subtis e implícitas proposições que, aparentemente, nada tem a ver com arquitetura. Ou, talvez sim?!
Nessa altura, os meus interesses de investigação já não se prendiam tanto com a obra do museu, pois este era um pretexto que usava agora para compreender algo maior: a formação da consciência em Paulo Mendes da Rocha e o seu exercício através da linguagem do projeto. E, no entanto, na obra do museu está todo o universo de Mendes de Rocha. O museu tinha surgido, primeiro, como uma atualidade estranha e inquietante, confirmada pelo aparente conflito entre a tradição moderna brasileira e o maior arcaísmo da cultura portuguesa. Depois, essa inquietação foi-se apaziguando, à medida que se aclarou que a questão essencial da arquitetura, para Mendes da Rocha, não era disciplinar, mas sim política. Nunca foi uma questão de forma, mas de processo. Será também por isso que a sua obra continuará a agir, agora e sempre, enquanto presença etérea, mostrando que outra via é possível à arquitetura, mas que dela se exige uma educação fundada no pensamento livre e crítico.
nota
1
O Museu Nacional dos Coches (2007-2017), em Lisboa, é uma obra de Paulo Mendes da Rocha desenvolvida em conjunto com o coletivo MMBB (Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Mílton Braga) e com o apoio do escritório do português Ricardo Bak Gordon (que assegurou a transição segura do projeto para a realidade portuguesa). A parte das engenharias ficou a cargo da empresa AFA Consult, liderada pelo engenheiro portuense Rui Furtado, e com o apoio de Armando Vale. O projeto expositivo teve a coordenação do arquiteto Nuno Sampaio, actual director executivo da Casa da Arquitectura.