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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Uma conversa entre Nuno Tavares da Costa e Paulo Mendes da Rocha, em maio de 2017, em Lisboa, a pretexto da inauguração do novo Museu Nacional dos Coches.

english
A conversation between Nuno Tavares da Costa and Paulo Mendes da Rocha, in May 2017, in Lisbon, on the purpose of the inauguration of the new National Coach Museum.

español
Una conversación entre Nuno Tavares da Costa y Paulo Mendes da Rocha, en mayo de 2017, en Lisboa, con el pretexto de la inauguración del nuevo Museo Nacional de Carruajes.

how to quote

COSTA, Nuno Miguel Tavares da. Porque diabo esse cara fez isso? Entrevista a Paulo Mendes da Rocha. Entrevista, São Paulo, ano 23, n. 090.01, Vitruvius, maio 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/23.090/8486>.


Museu dos Coches, passagem pedonal, Lisboa, Portugal, 2017. Arquiteto Paulo Mendes da Rocha
Foto Nuno Tavares da Costa, 2019

Paulo Mendes da Rocha: Mais ou menos o que nós estamos dizendo também leva, desde já, entre nós, assim, a pensar, que muito atrasado está o ensino da arquitetura e, de uma maneira geral, a questão da educação. Esse tipo de avaliação que você está provocando eu imagino que leva, hoje em dia, como cume da questão, do ponto de vista da crítica, criticar o sistema de educação e, portanto, o ensino. Desde as crianças. Impossível você não ensinar à criança o que é a vida hoje, a cidade etc. Você estimular, ou com a intenção de estimular a dedicação, o aprendizado, no plano da educação com a necessidade de aprender a competir é uma estupidez. Naturalmente que não custa nada, apesar do escrúpulo, o constrangimento que todos temos de repetir a mesma coisa, mas ir lembrando que a justa inteligência, a justa argúcia, a justa medida — e se o homem tenta essas transformações (não é uma ideia só sua ou minha) — das chamadas revoluções, é fundamental. Uma visão de um raciocínio um tanto marxista. E a revolução soviética, feita na Rússia em pleno século 20 (aliás, está-se comemorando agora um século), foi uma revolução que nos interessa absolutamente. Primeiro porque realizada por uma nação inteira e, segundo, porque fundada em questões básicas: enfrentar a questão da exploração do homem pelo homem; enfrentar a questão da construção da paz. Como uma questão, e não como uma coisa que batendo o martelo fica resolvido. E essa revolução não acaba nunca, porque era a própria da Rússia, o povo russo, que estamos convocando como exemplo. É só um exemplo de algo que começou, mas não é para dizer que está acabado.

Como opinião pessoal, entre nós dois, eu acho que o grande sucesso do movimento na Rússia — inclusive com extremismo, do tipo da época de Estaline, e tudo isso — deve-se muito ao desacerto mundial. Inclusive dos americanos, que forçaram a Rússia à famosa corrida espacial, que fez com que degenerasse muita coisa, mesmo lá [na Rússia]. Todo o recurso empregado nas pesquisas (o que não é mau), porém de uma maneira acelerada, para um processo de competição (mais uma vez, disputa por poder), aí, sim, entra o desastre. Revolução só se faz com solidariedade e não com imposição, sem nada de dogmático. Mas que é exemplar, é! Inclusive para nós [arquitetos], todo o movimento construtivista que houve junto com a revolução, na Rússia (você conhece tudo isso muito bem), é uma maravilha, e não é brasileira! E é uma arquitetura brasileira, digamos. Inclusive é interessante para um estudioso, alguns aspetos até de carácter formal, muito curiosos, entre esse movimento na arquitetura havido durante a Revolução Soviética. (Quem sabe se justamente estimulado por aquela possibilidade de liberdade). A semelhança formal entre alguns desenhos.

Não sei se você tem publicações, ou conhece, um dos livros do Anatole Kopp? Esse Anatole Kopp (1) é uma figura muito extraordinária, porque ele nunca fugiu, como tantos outros fizeram, da União Soviética. (Porém, completamente solidário). Mas sempre foi professor da Sorbonne (2). Eu tive o prazer de o conhecer pessoalmente, inclusive. E desde estudante li os livros dele. Ele era professor, filósofo, professor de crítica de arquitetura, justamente. E escreveu esse livro, Ville et révolution, que é maravilhoso, principalmente pelas ilustrações. Ele conseguiu, para fazer o livro, uma coleção, arquivo, de fotografias incríveis. Há uma fotografia que é um grupo (uma fotografia absolutamente jornalística), de uma paisagem de Moscou, na rua, um contingente de homens chegando para a reconstrução de Moscou, ou qualquer coisa assim, e trazendo as ferramentas. Mas era só camponês e todos tinham foices para trabalhar na indústria de construção. Aliás, dentro dessa maravilhosa ingenuidade onde um homem apresenta traços que são adoráveis da infância, digamos, com as suas ferramentas — aqueles serrotes enormes de serrar madeira — entrando em Moscou para ajudar na construção de habitações populares e coisas assim. Isso são detalhes, mas interessantes.

Eu estive na União Soviética em 1962, para o famoso Congresso Mundial da Paz, havido lá nessa época. Só para você ter uma ideia de como foi interessante esse congresso: havia mais de 170 países representados, todas as figuras representantes dos países sabendo, conscientes do que estavam fazendo numa reunião internacional desse tipo; estavam com trajes, os indianos com turbantes incríveis; africanos com casquetes de pelo de tigre. Eu quero dizer que o espetáculo era uma maravilha! Em Moscou, 170 países. A delegação brasileira que foi a esse congresso (Di Cavalcanti, Lucio Costa, com a filha Maria Elisa Costa, os dois lá etc.) era muito grande. E lá, de São Paulo, estava eu, o Pedro Paulo Saraiva e o Fábio Penteado. Existe até uma foto muito linda de nós no Kremlin.

Comemorou-se os cem anos do nascimento do Artigas (1915), lá em São Paulo, o ano passado, e com isso publicou-se muita coisa... (você já ouviu falar desse arquiteto Pedro Paulo de Mello Saraiva?) Publicou-se há poucos meses atrás, o ano passado, em meados do ano passado, um livro do trabalho dele. Nunca tinham feito. Se você procurar talvez seja interessante, até para ver só essa foto que está ele, eu, Pedro Paulo e mais umas pessoas; e que você vê que é o Kremlin, porque atrás tem o perfil da famosa Catedral de São Basílio. Para você ver onde estão aquelas figurinhas tão manjadas lá de São Paulo. É muito bonito. No livro do Pedro Paulo tem essa imagem. Assim como há outra, de Moscou. Imagem, às vezes, não há nada que possa substituir. Foto jornalística de facto.

Voltemos à questão da revolução e transformação para falar da arquitetura brasileira que causa estranhamento. No fundo, toda a conversa está por aí. Mas, mais estranhamento do que construtivismo soviético, então?! Aí eu convoquei essas imagens; me lembrei da minha ida à Rússia, a Moscou, nesse congresso, para te contar a seguinte história. Estando lá, como é fácil imaginar, houve várias reuniões específicas, médicos, e nós arquitetos vieram-nos procurar; fomos recebidos aqui e ali. E entre colegas de lá, entre outras coisas, fomos visitar um dos primeiros [edifícios] que ainda existiam — porque o projeto já era mesmo o plano que aqueles edifícios não precisavam de durar mais que dez anos; era para enfrentar a urgência da questão: habitação popular. Mas, entretanto, não precisavam durar mais que dez anos. Quase para justificar a brutalidade com que estavam sendo feitos, dada a urgência. Mas, entretanto, havia alguns ainda que estavam lá e foram me mostrar esses. Porquê? Dentro do processo revolucionário já eram pré-fabricados em concreto armado. Edifícios de oito a dez andares.

Fomos levados, por sermos arquitetos, por grupos de colegas. Nós olhámos aquilo tudo, que maravilha, estávamos assim, no terceiro andar. Tudo funcionando ainda, porque eles não deixam desocupado como monumento histórico! Mas o que alguém fez? Pegou um lápis, botou no chão e o lápis saiu rolando, assim, quer dizer, nem era em nível! Você não notava, mas ele fez isso, tirou um lápis, botou e o lápis rodou até o canto do rodapé. É comovente! Para mim é comovente. Você saber o que está fazendo. Mas fizeram casa para todo o mundo, porque a casa, já vertical, estava já ao lado da primeira linha de metro etc. Coisas incríveis de há muito tempo atrás; como na linha do metro, você passar por baixo do rio Moskva. Então tem escadas rolantes que te levam a ponto de você ver (vem um subindo e você descendo) o cara que vem lá (porque você não vai ver para trás, não é?!), lendo o jornal até chegar lá acima. Coisas de extraordinário valor como feito por desejo de fazer logo. Muito interessante. Frequentar o ambiente da Revolução, o recinto, uma visão teatral, digamos, daquilo que está lá de facto. É muito comovente.

Outra coisa comovente para convocar uma revolução, já que falamos de revisão crítica da política colonial, diante do quê? Casos concretos. A mentalidade que você consegue. A educação expressa no comportamento. Eu fiquei num hotel que tinha trinta e tantos andares, muito extraordinário, na frente do rio Moskva e, na ida, nós fizemos uma viagem (eu digo nós, agora, não a equipe inteira, mas o grupo dos amigos: Fábio, Pedro Saraiva e eu, particularmente) e passámos por Paris alguns dias. Na volta, também, passámos mais dias, ainda, em Paris. Mas eu não sabia que faríamos isso e já na ida, um pouco precipitado em relação à questão, porque eu tinha já três meninos pequenininhos, eu comprei uns modelinhos de automóvel reduzidos, muito preciosos, perfeitamente bem feitos. Chamava-se “Solido”, umas caixinhas. Tinha uma Mercedes-Benz, reproduções maravilhosas. Eu nem sabia que existia. Comprei uma coleçãozinha para os meus meninos. Um dia, no elevador, tinha ascensorista, no hotel em Moscou. Eu não sei porque cargas d’água, surgiu qualquer coisa; eu acho que a minha carteira, que eu abri para falar com o Fábio, tinha uma fotografia que mostrei para o Pedro Paulo no elevador. A ascensorista pediu para ver e eu falei, sem falar russo — é filho. E aí ela tira uma fotografia — filho, filho... — sempre a mesma ascensorista. No dia seguinte, eu escolhi um carrinho daqueles, e quando tomei o elevador disse — para o seu filho. Ela viu o que era, e pôs na caixinha de novo. Só que passou dois dias, eu entrei no elevador, ela tirou uma caixa de papelão e falou — para o seu filho. Era um astronautazinho, malfeito, feio, feito de plástico ou qualquer coisa maravilhosa. Alguns exemplos assim, muito comoventes da educação, também, que resulta de tudo isso. A exclusão da imagem da pobreza como objetivo, não que tenha conseguido, mas já aparecendo na população essa consciência.

Nuno Tavares da Costa: Nota-se que a Rússia teve uma grande influência para si.

PMR: A Revolução Soviética. Mas eu queria dizer a você uma coisa que é interessante numa entrevista como essa. Eu não estou te dizendo isso para dizer que foi sempre muito importante para mim; foi importante para o mundo todo! Nós estamos falando de Anatole Kopp, Ville et révolution, os livros que ele publicou enquanto professor da Sorbonne, que foi a vida inteira. Você imagina que morreu faz tempo. Eu acho que já nos anos 1980 (são trinta anos atrás!) ele esteve no Brasil, convidado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo — FAU USP. Ele esteve lá três vezes. Aqui nunca convidaram?! Aí é que está. Mais uma vez vamos chegar a nós, Brasil e Portugal: na escola em que eu, convidado por Artigas, acabei frequentando, também, a USP, a FAU, o Anatole Kopp esteve três vezes. Numa dessas vezes levaram ele a minha casa. Sim, Helene (3) é russa e falaram desbragadamente a sua língua, que ele não esperava encontrar assim. Artigas já tinha morrido (4). Estava-se fundando a fundação que se fez logo depois que Artigas morreu. E haveria a assinatura da Fundação Vilanova Artigas com os filhos do Artigas, no Instituto de Arquitetos do Brasil. E eu aproveitei o momento que o Anatole Kopp ia ficar uns dias e o convidei (contei quem era Artigas) para ir na inauguração, para assinar a ata da inauguração. E ele foi.

Então, são coisas muito interessantes para contrapor à seguinte questão que você diz que é um espanto a arquitetura brasileira: para nós é um espanto vocês não conhecerem o Anatole Kopp! Seriam obrigados a discutir isso nas escolas de arquitetura. Algo não está bem contado nessa história. Se você quisesse resumir tudo isso enquanto preocupações que no Brasil existem, e aqui não há as mesmas. É a consciência que se forma na Universidade, lato sensu, em particular dentro das escolas de arquitetura, de que a natureza é diversa e o habitat humano não é a natureza por cima de algo da natureza transformada. Então, para nós, essa geografia paisagística que se descobriu não interessa. Não interessa a natureza como paisagem. Para nós a natureza é um conjunto de fenómenos. Eu digo para nós, arquitetos formados nas escolas do Brasil. Não é que a arquitetura do Brasil seja outra coisa. É como se dissesse, entre nós — vocês não sabem o que estão fazendo! — o que não é verdade. O comandante do navio sabia, se não, não se aventurava. Tanto que o outro foi condenado à fogueira (5). É exemplo que sempre se dá por causa da questão. Um país de navegantes. (Entretanto, é preciso não esquecer que navegar não é chegar). Quem fazia isso estava consciente de um conhecimento sobre o planeta que, se você exibisse como simples conhecimento, seria condenado à fogueira como o Galileu foi. Não discutir essas questões e achar que a arquitetura, então, já está aqui daqui para diante, é uma tolice. Arquitetura não é o que aparece por fora. Arquitetura não é a forma da fachada. Arquitetura está naquilo que constitui a transformação espacial da própria natureza, para se tornar, de facto, habitat humano. Aí vamo-nos reportar de novo a: se tira o automóvel, que cidade seria?

Então fica, agora, para chegar aonde estamos, o homem de hoje. Não mais, simplesmente, o tema que você está levantando. Uma questão que sem dúvida é interessante se você considerar que continentes inteiros, como o americano, como a África, ainda estão por fazer. Ainda estão muito sem essa construção nítida. E esse “novo”, por exemplo (no sentido da palavra), uma cidade sem automóvel, sem os erros acumulados, que desenho teria? Há um outro parâmetro para esse raciocínio de que, entretanto, as cidades que estão aí como estão (a própria São Paulo, no Brasil), ninguém vai demolir para fazer a outra. E essa transformação da antiga é um tema muito interessante para nós.

No Brasil, existe um movimento popular de um carácter um tanto revolucionário, de atividade pública, que se chama ocupação, não sei se já ouviu falar? Um prédio qualquer desses que por razões da estupidez mesmo, da política, se torna vazio; a população invade e ocupa. E habita. Fosse de escritórios, cada andar tem vinte a trinta famílias. Chama-se ocupação. Fazem isso, os pobres. Os que não têm casa. E com isso consegue morar ao lado do metro e o Governo ampara. Nem sempre consegue, na base da metralhadora, amparado pela lei, eles mesmos conseguem ficar. Já há movimentos de nível intelectual, entre nós arquitetos, que amparam também e já transformam. Se você estender a ideia no plano erudito, o que nós temos de fazer, então, com as cidades que já estão construídas? Nunca se fez na América Latina, por exemplo, onde está o Brasil, uma ligação do Atlântico com o Pacífico. Tinha-se de fazer várias, ferroviárias, ligando porto com porto. O Brasil está condenado à costa africana e, do lado de lá, da cordilheira dos Andes, só o Pacífico. É uma estupidez. Você fazendo isso vai fundar, necessariamente, para alimentar o plano, muitas cidades, se navegasse os rios que não são navegáveis. Teria que construir tantas cidades. Jamais existiria, portanto, uma concentração como em São Paulo de 20 milhões. É falta de planejamento total.

Portanto, tirar a escola de arquitetura (desde já uma revisão do plano de ensino) desse estrito ambiente de fazer figura com fachada e pensar que a essência da arquitetura é a transformação da natureza em habitável. Portanto, essa bobagem de arquiteto urbanista, arquiteto designer, arquiteto de interiores, arquiteto paisagista, é uma estupidez! Se você desenha uma cidade desenha a paisagem. Então a transformação na educação e no ensino é a questão fundamental. Aprender de raiz, como dizem vocês mesmos, essas questões como básicas e não outras. Que venha à tona para um crítico, até aí tudo bem. Aqui mesmo, em Lisboa, há edifícios belíssimos, não é?! Com essa visão de tradição que se repete no tratamento das fachadas. É bonito, mas que hoje não faz mais sentido. Faz sentido você botar um prédio inteiro de vidro contra o sol, porque o vidro é estilo? Não faz sentido nenhum!

Mas eu estava te falando do Anatole Kopp, inclusive das ilustrações que estão nesse livro dele, Ville et révolution. O livro é muito bem ilustrado e há uma ilustração, como se fosse uma elevação de qualquer coisa que deve ter 1km, de um deles, arquitetos do movimento construtivista, que é um perfil exato do parque Ibirapuera, com o projeto do Oscar Niemeyer. Inclusive o monumento que ele propôs, no parque, o Niemeyer, uma qualquer coisa inclinada assim (6), que também tem exatamente lá, um projeto deles. A marquise, os predinhos associados a essa grande marquise. Absolutamente, absolutamente! Não como uma cópia infeliz... como uma citação (nem é bem de elogio) de usar o conhecimento naquela direção. Como ocupar um largo espaço que é um centro de qualquer coisa, também, e que é semelhante, como o programa, ao que foi feito no parque Ibirapuera?! Como é o nome do arquiteto, tão meu conhecido?... Leonidov! A obra dele é uma maravilha. E é o parque Ibirapuera, inclusive como monumento equilibrado. Outra coisa interessante é que nesse desenho, como ilustração, tem um zepelim. (Seria anos 19220). É muito lindo o trabalho do Anatole Kopp, inclusive porque ele revela, nesse discurso crítico, essa questão de que o planejamento é a essência da questão da arquitetura que pode surgir.

Inclusive eu mencionei a questão da paz, de abolir a exploração do homem pelo homem e esqueci do fundamental, se fosse para citar três coisas, se fosse para destacar: a exploração do homem pelo homem, a construção da paz e abolir a propriedade privada do solo. Não há planejamento se você tem que enfrentar [a propriedade privada do solo] ... e, mais do que isso, hoje, estamos muito mais além do ponto de vista do conhecimento. Além no sentido positivo da expressão. Adiantados. Quando eu digo nós eu quero dizer o género humano, sempre. Quanto ao conhecimento, imagina, em 1917-1920, ninguém tinha ideia do que seria um neutrino, nem que nós poderíamos ter um pequeno engenho do tamanho disso [aponta para o gravador] nos anéis de Saturno, enviando mensagens, hoje. Diante disso, mais do que nunca, é um absurdo, então, você vender um pedaço desse planeta a alguém como proprietário particular. Fica abolida a propriedade privada do solo! Eu estou dizendo isso não é para fazer elogio da Revolução Soviética, é para ver a dimensão crítica que temos que constatar. Quanto ao ensino da arquitetura, você não pode entrar numa faculdade de arquitetura hoje (o seu filho por exemplo, você que tem filhos pequenos) para ensinar a eles como fazer empreendimento imobiliário sem que ele, filho, saiba que dessa área do conhecimento chamada arquitetura já sabemos que é estupidez a propriedade privada do solo. Como conhecimento! Ninguém está disposto a botar ninguém no paredão por causa disso, mas a política e a questão do conhecimento como virtude não pode aceitar que simplesmente é assim. Porque aí surge um arquiteto onde ele vai perceber, rapidamente, que não se trata de arquitetura brasileira, ou não. (Por isso que eu mencionei o Niemeyer). Arquitetura daqueles que estão solidários com essa visão de futuro do objeto da arquitetura e aqueles que estão alienados em relação a isso.

Fábio Penteado, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Joana (tradutora do grupo em Moscou), Jon Maitrejan, Paulo Mendes da Rocha e Alfredo Paesani, praça Vermelha, Moscou, 1962
Foto Fernando Mendonça [Acervo Paulo Mendes da Rocha]

 

notas

1
Anatole Kopp (1915-1990).

2
Université Paris-Sorbonne.

3
Helene Afanasieff, segunda mulher, também ela arquiteta.

4
João Batista Vilanova Artigas faleceu a 12 de Janeiro de 1985, em São Paulo.

5
Refere-se a Galileu Galilei (1564-1642), julgado e condenado pela Santa Inquisição por defender o heliocentrismo.

6
Refere-se a Aspiral, monumento projetado por Oscar Niemeyer para o 4º Centenário da cidade de São Paulo, celebrado em 1954, e que acabo por desabar pouco tempo depois de inaugurado.

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