Rafael Schimidt: Como seguiu sua trajetória profissional a partir de então?
Adilson Macedo: Então, fui trabalhar no Fundo Estadual de Construções Escolares – Fece por meio do contato com a Mayumi Souza Lima. Passado algum tempo, eles nos deram para fazer alguns projetos experimentais, porque estava mudando o sistema de ensino do Estado para a proposta sequencial de primeira à oitava série. Chamavam-se Centros Educacionais, e era um programa feito pela Mayumi e pelo Celso Lamparelli, que trabalhava com planejamento educacional. Eles queriam testar o programa e então deram três projetos para o pessoal que já estava lá em contato com eles. Eu fiz o Centro Educacional de Perus, associado com o Danilo Bassani, que foi meu colega de classe. Era meu amigo e arquiteto de fora do Fece. Naquele momento (do projeto de Perús) eu já estava um pouco desencanado do “efeito Artigas”, muito devido à passagem pelo Guedes. Ali já se percebia a influência que tive do Guedes na organização do programa, na racionalização do sistema de infraestrutura e no estudo da questão das partes ou subsistemas de espaços do prédio. Isso veio de encontro à ideia da Mayumi, preocupada com o programa de necessidades. Haviam espaços particularizados, como três salas de pré-escola, também muitas salas de primeira à quarta série. A gente dividiu o programa conforme as faixas etárias e as dependências que eram de interesse comunitário. A ideia do programa era voltar o prédio o máximo possível para a comunidade, com possibilidade de ser usado no fim de semana e para cursos noturnos de adultos. Então a gente separou a quadra de basquete coberta, que ficou com acesso externo mais fácil, a biblioteca e a parte das crianças pequenas. Isso foi um bom exercício para treinar a organização do programa, e tinha todos os problemas de insolação, aeração e acústica. A gente encaixou no nosso orçamento para fazer o projeto de arquitetura, o Luiz Chichierchio, que ajudou com o conforto ambiental. Naquele tempo ele ainda não tinha a firma Ambiental, mas era bom, meu amigo, e a gente conversava muito.
Depois disso eu fui trabalhar para um consórcio de três arquitetos: o Mauricio Tuck Schneider, o Milton Guiraldini, e o terceiro que era o Roger Zmekhol. Eles pegavam trabalhos na Prefeitura para fazer viadutos. Esta foi uma fase em que em São Paulo houve a possibilidade de alguns escritórios desenharem viadutos. Então eu fiquei uns três meses trabalhando lá, com isso. Nessa época, o Giancarlo Gasperini também; como sócio na parte de arquitetura do escritório do Figueiredo Ferraz. Um amigo meu, o Danilo Bassani, trabalhava no Gasperini e falou que estavam procurando gente para fazer viaduto lá. O Danilo disse que eu entendia de viaduto e, por isso, fui trabalhar no escritório do Gasperini. Mas eu estava fazendo aquelas coisas há três meses e não tinha experiência nenhuma. Sabia um pouco de pilar, peitoril, mas da parte estrutural mesmo, não conseguia discutir muito.
O Figueiredo Ferraz tinha alugado um espaço de escritório para fazer a Estrada dos Imigrantes, e eu ficava lá com os engenheiros e não no escritório do Gasperini. Foi uma ótima experiência também. Era na rua Pamplona com a avenida Paulista e ficava pertinho de casa, apenas quatro ruas pra baixo. Era ótimo porque eu podia ir a pé. Nessa época eu já tinha um filho e morava na rua José Maria Lisboa. Lembro que uma vez o Gasperini viajou pra Itália e ficou um tempão por lá. Então eu resolvi a boca dos túneis da Estrada dos Imigrantes. E teve reclamação quando o Gasperini voltou porque os engenheiros não esperaram por ele. Ele acabou concordando com o desenho que eu fiz. Era uma frente chanfrada que hoje está pintada de verde, uma esculhambação!
Eu comecei a relembrar coisas que meu pai falava. Ele era projetista em Santos e trabalhava na Prefeitura, mas, fazia muitos “bicos” e obras que sempre acompanhei. Eu era encantado com um detalhe de batente com contra batente, usado em São Paulo. Fica uma frestinha entre o batente e a alvenaria, um rebaixo sem precisar da guarnição. Meu pai criticava essas coisas e dizia: “Isso aí é bom para casa de rico porque sai muito mais caro, precisa alinhar alvenaria, fazer contra batente, e não dá para comprar o batente pronto”. A guarnição é um negócio para facilitar, uma coisa industrializada que, na verdade, serve para recobrir a fresta irregular. Que a guarnição não fazia tão mal ao ser usada, é algo que percebi muito depois, por causa daquela coisa da FAU, da força de refinamento dos detalhes, e de se reduzir assim os elementos da construção. Eu fiquei então encantado com essas coisas, até por rodapé. Tinha um rodapé que o Gasperini nos levou para ver, numa visita de obra de um prédio que fica em frente à Praça do Patriarca. O projeto daquele prédio não era do Gasperini, (Jacques Pilon?), mas, ele nos levou para ver aquela obra. O hall social tinha o rodapé feito com uma cantoneira de alumínio, tipo U, deitada e depois vinha a parede de fórmica separada do chão por uns dois centímetros. O meu pai falou: “Legal isso, mas é coisa de louco! Você acha que alguém vai fazer isso aqui em Santos?”
Então, em 1972, apareceu uma oportunidade de ir a Brasília. Aquela discussão anterior foi me formando, me amadurecendo para quando chegasse a Brasília e ver aquele contexto tão moderno. Fomos passear em Brasília com o dinheiro que sobrou do segundo concurso. Passei por Ouro Preto, e as cidades mineiras. Depois chegamos a Brasília eu, minha mulher e meu filho Alexandre. Naquela época, havia vários arquitetos de São Paulo que eram professores na Universidade de Brasília – UnB. Foi uma fase que aconteceu depois que o Pedro Paulo de Mello Saraiva esteve por lá. Brasília tinha umas fases... Então, davam crises na faculdade e todo mundo ia embora, depois entravam outros. Quando cheguei estava lá o Miguel Pereira, que era o diretor da Faculdade de Arquitetura; ele ficou muitos anos. Tinha uma turma do Mackenzie que estava voltando, o Vasco de Mello, a Marta Tanaka que era casada com um colega arquiteto, de quem não lembro o nome. Todos eles voltaram a São Paulo.
Ao chegarmos à universidade fui falar com o Miguel Pereira, pois, já tinha tido um contato comigo por causa dos concursos. Eu fui procurá-lo porque ele conhecia Brasília e poderia explicar um pouco dela, o que ver e tal. Finalizando, ele disse: “Conversa aí com o pessoal porque estamos contratando professores”. Então encontrei o Álvaro Macedo, que tinha sido meu colega em São Paulo. O Álvaro também tinha trabalhado com o Guedes. Sei que, voltamos a São Paulo e, depois de um tempo, já perto do fim do ano, me convidaram para ir dar aula lá. Perguntei: “Vamos embora, Ana Maria?” Ela topou na hora e fomos para Brasília. Foi em janeiro de 1972, quando começou a minha fase de vida em Brasília.
Recém-chegado, sem nunca ter dado aula de nada. Comecei com uma turma pequena de Projeto num curso de verão, peguei o “abacaxi”. Já começou com um conflito que eu tinha com a questão da arquitetura moderna, dessa coisa do formalismo exagerado. As aulas eram num atelier da escola, superquente, no mezanino do Instituto Central de Ciências – ICC. O calor era intenso, como na FAU daqui no verão. Enfim, comecei a lecionar lá e também tinha muita solicitação para trabalhar em temas das cidades satélites.
RS: Além de lecionar, você continuou trabalhando com projetos e obras?
AM: Eu comecei a trabalhar com o plano do campus da UnB. Por causa de estudar o campus, eu entrei num projeto que era para o Instituto de Medicina Tropical. Era um projeto interessante e foi algo como uma continuação do Centro Educacional de Perus, que eu tinha feito para o Fece. Era um programa para laboratórios de pesquisa, mas cada um deles seria financiado por uma entidade diferente. Uma era internacional, outra federal, e eles seriam feitos em tempos diferentes. Então eu comecei a pensar num projeto que pudesse ser ampliado facilmente, ainda que com programas que a gente não conhecia. Comecei resgatando os procedimentos cujo embrião aprendi no Guedes. Na verdade, nada mais era do que uma preocupação com o programa, entender bem o que precisava ser feito (início dos anos 1970).
Pegamos cada um daqueles laboratório e estudamos qual seriam os procedimentos, como tinha que ser a bancada... Não tínhamos ainda a mínima noção de projeto de laboratórios. Quase não existiam firmas de laboratório e catálogos, e pouca coisa era industrializada. Agora já tem muita coisa padronizada. Junto disso, veio o projeto para a Faculdade de Ciências da Saúde da UnB. Deveriam ter laboratórios de pós-graduação, que eram bem complicados, mas, parecidos com os outros que a gente estava fazendo. E ainda, outros de graduação que não precisavam de tanta complexidade de encanamentos e instalações. Tinham também as salas de aula; enfim, aquele tipo de programa para uma universidade. Meu colega de projeto era o Érico Weidle, gaúcho que chegou comigo na UnB para ser professor e tínhamos compartilhado as aulas no verão.
Havia um programa para laboratórios multidisciplinares para os estudantes de graduação, que os professores da Medicina estavam querendo implantar. Quer dizer, o programa foi muito elaborado e precisava ser aprovado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID na fase ainda de planejamento; diferente dos outros projetos do campus, chamados “projetos monumentais”. Nesses, os colegas da UnB diziam: “Eu quero ficar no projeto da biblioteca, o da reitoria...”. E tudo era decidido na UnB mesmo. E para nós falaram: “Agora vocês vão trabalhar na fase dos projetos mais econômicos”. Então, por força e pressão do BID e o meu próprio interesse de descobrir como o programa poderia influenciar na forma da arquitetura, fui classificando os tipos de espaços por área de influência, como central de equipamentos, salas de aula... Enfim, a gente levou em conta todo o programa adequado para estes projetos. Os prédios foram construídos e hoje já estão sendo ampliados.
O prédio das Ciências da Saúde tem cerca de 20.000,00 m2e determinou para mim uma linha de projeto, ou seja, buscar as formas da arquitetura e a articulação entre elas como consequência do estudo do programa, do sítio físico e com abertura para ampliações posteriores. Novos programas, novas formas articuladas com o existente. Também foi feita nessa época uma ampliação da Faculdade de Tecnologia, 15.000,00 m2e o programa previsto era para salas de aula, salas de projeto, administração, que complementavam os três outros prédios tipo multiuso, que o Lelé (João Felgueiras Lima) tinha feito no início da universidade e que eram usados como Faculdade de Tecnologia.
Usando o financiamento do BID foram programadas salas administrativas, de professores, auditórios e salas de aula comuns em um setor, complementado por mais dois laboratórios de hidráulica e mecânica (eram grandes). Os prédios do Lelé passaram a ser laboratórios. A Faculdade de Tecnologia fica bem em frente a um projeto do Niemeyer, fora do campus, na via L2 Norte, projetado para ser o Convento dos Dominicanos. Na UnB fiz um tipo de coisa fracionada por influência do Alvar Aalto, e hoje eu até acho estes projetos fracionados demais. Assim comecei a estudar melhor as características ambientais x programa de necessidades, me aprofundando na obra do Aalto, e também seguindo os procedimentos sobre a articulação de espaços do escritório francês Candilis, Josic e Woods. Estávamos no início dos anos 1970.
Outra coisa que surgiu em função do ensino e de eu trabalhar com o planejamento físico de todo o campus foi a descoberta do Kevin Lynch e do Christopher Alexander. O Alexander eu já conhecia um pouco em função dos trabalhos com o programa (a linguagem de padrões) e a equipe dele ganhou um concurso no Peru para habitação popular, que foi muito discutido na escola. Nessa hora foi que eu usei coisas que eu já fazia, como ir a fundo no programa. E associei com uma ideia do Lynch (2), que era a dos cinco princípios: pontos de referência, nós, bairros (neighborhood), limites e corredores. Aí lembrei: “A cidade é uma casa, a casa é uma cidade”. Quer dizer, eu apliquei isso no programa e em ideias para o planejamento do campus. E, como o programa era grande, num terreno muito grande, a gente fez quase tudo térreo. Na Faculdade de Tecnologia uma parte do prédio tem dois andares, que são parte administrativa e o resto salas de aula. Esses prédios são ainda bastante espalhados, têm muito a ver com aquela Faculdade de Tecnologia da Universidade de Helsinki, situada em Otaniemi, do Alvar Aalto. O projeto da Faculdade de Ciências da Saúde foi feito na mesma época da Tecnologia e nesta época tínhamos um grupo grande de arquitetos egressos de nosso curso de graduação e alunos estagiários.
nota
2
LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge, The M.I.T. Press, 1960.