Rafael Schimidt: E sobre seu trabalho e pesquisa com desenho urbano, como começou?
Adilson Macedo: Outra coisa que me motivou a ir para UnB foi um sonho: queria ir para o exterior. Eu não tinha ido nem a Buenos Aires porque não tinha dinheiro, mas queria ir para o exterior, ir de qualquer jeito. Na época, quando comecei a trabalhar logo depois de formado (1964), eu era muito voltado para edificações e queria estudar no Bowncentrum, na Holanda. Foi uma das coisas de que eu tive de desistir para casar, senão a Ana Maria não casaria mais comigo! Algumas semanas depois de chegar à UnB, entrei na Casa Thomas Jefferson para estudar inglês. E depois, que já estava mais acomodado na UnB, comecei a procurar o caminho de como fazer para conseguir ir: achei que o melhor jeito seria arrumar uma bolsa de estudos para o exterior. Naquele tempo não era tão fácil, as bolsas eram mais para as áreas de saúde e tecnologia. Mas fui submetendo aplicação para várias universidades, mandei para as melhores: Califórnia/Berkeley, Harvard e Princeton. Lembro que no primeiro ano não deu certo, mas acabou que fui aceito em Harvard e me fixei nos Estados Unidos. Eu era tão ingênuo naquela época que nem sabia da importância de Harvard.
O curso era de Desenho Urbano (urban design program) e o que me ajudou foi aquele montão de trabalhos realizados que eu já tinha. O curso de mestrado de arquitetura, com ênfase profissional em Desenho Urbano, era oferecido pelos três departamentos: Paisagismo, Planejamento Urbano e Arquitetura. Eu tinha colegas de equipe nos projetos, o Thomaz Emmery, que fazia mestrado em Landscape Architecture in Urban Design, e outra colega, a Jeniffer Coyle, que nem era arquiteta, mas historiadora, que fazia mestrado em Planejamento Urbano. Foi junto com o Desenho Urbano que descobri a questão dos Design Methods da Inglaterra, Universidade de Cambridge principalmente, e fui estudando e tentando entender mais essas coisas. Sempre fiquei muito ligado e até um pouco preso com a questão do programa. No começo tinha grande dificuldade com o inglês, mas fui melhorando um pouco até que terminei o mestrado em Desenho Urbano e voltei a Brasília em 1977.
RS: De volta ao Brasil você continuou desenvolvendo essa pesquisa?
AM: Tempos depois (1982-1983) fiz doutorado na FAU USP, enquanto ainda estava em Brasília. Foi importante também porque eu fiquei um ano com bolsa sanduíche na Inglaterra, Bartllet School of Architecture, University College London. Era tipo um estudante que podia ficar por lá pesquisando, e se chamava bona fine student ou algo assim. Eu não tinha um orientador, mas um professor de lá que me acolhia. Na verdade, não dava palpite em nada, eu trabalhava sozinho. Havia uma sala de trabalho junto com um colega, professor japonês, que era um cara muito legal. Ele ficava sozinho lá em Londres estudando a demografia do Japão, às vezes, no domingo, ia lá em casa para fazer comida japonesa e ter companhia familiar. Eu viajava pelo interior da Inglaterra para pesquisar universidades. Meu trabalho era sobre o campus da USP, a ideia era uma forma de integrar o campus da USP com a cidade de São Paulo. Naquela época havia uma parte para trás do campus onde hoje é o hospital, na qual não tinha nada e tudo ali era muito vazio. Então eu comecei a usar bastante os princípios do Kevin Lynch e do Alexander, e aí foi se formando o procedimento que hoje eu estou usando. Trabalho isso chamando agora de “corredores e subáreas”, que foi um nome que depois eu adaptei dos subsistemas para o desenho urbano e análise de tecidos urbanos, o que entra na área de morfologia urbana. Na morfologia urbana clássica dos ingleses (Conzen), franceses (Panerai) e italianos (Muratori), eles sempre tratam da rua, quadra, lote e dos edifícios. Eu inventei e estou introduzindo a ideia de “corredores e subáreas”. Na medida em que o corredor, devido ao uso de solo diferenciado, influi no valor dos terrenos e dos prédios, se formam faixas de espaços diferentes daqueles espaços das subáreas caracterizadas por ruas de distribuição e pelas ruas locais. A subárea é o miolo que fica entre as faixas de corredores (a via mais as faixas lindeiras de lotes). A gente ainda encontra na Mooca (lugar em que temos trabalhado mais com a pesquisa de campo) e mesmo na Vila Leopoldina, onde moro atualmente, alguns nichos (subáreas) muito interessantes de tecido urbano no meio de toda essa transformação urbana de São Paulo. Parece que ficam uns remansos, às vezes com um caráter bem residencial, e outras vezes com uso misto como se fosse uma dessas subáreas. Na Mooca tem uma área muito legal, e sua ocupação é bem de uso misto, com faixas de corredores em volta, junto à Rua Siqueira Bueno que nitidamente é um corredor (construída para os bancários e projeto do engenheiro Jorge de Macedo Vieira, anos 1940).
Estamos produzindo alguns artigos, o último foi para o Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Enanparq, que aconteceu no Mackenzie no ano passado. Eu apresentei um trabalho sobre o ensino de projeto urbano. Na São Judas, estou tratando dessa questão de maneira mais aprofundada com meu grupo de pesquisa. Eu e a Maria Isabel Imbronito (que também estudou na FAU e é professora na São Judas) estamos fazendo pesquisa com os alunos de iniciação científica, pesquisa de campo e tal. E a gente chegou a produzir dois artigos com base em morfologia urbana, são trabalhos com apoio de campo. As referências bem iniciais disso têm a ver com o Guedes. Daqui algum tempo deverei me aposentar, então quero ver se deixo essa ideia de corredores e subáreas já finalizada e traduzida em procedimentos de análise e suporte para novos projetos, legado “para as gerações futuras!”. Pode não ser nada, mas já é alguma coisa que você fecha no seu trabalho. Na prática a gente aplica estes conceitos na disciplina de projetos urbanos onde o professor Gastão (Gastão Santos Sales, USJT) e eu, participamos juntos há diversos semestres e trocamos ideias sobre tipos de estrutura urbana e aplicamos ideias associadas aos corredores e subáreas.
RS: Em que momento e porque você decidiu voltar para São Paulo?
AM: Veja você, cheguei a Brasília no final de 1971, comecei a dar aula em 1972 e, em 1975, eu já estava indo para os Estados Unidos com aquela ideia fixa de ir para o exterior ver a cara dos espaços em outros países. E fui bater em Harvard, que para mim foi fundamental, quer dizer, aquele negócio era puxado “pra burro”, um contexto diferente. Fiquei em Brasília até 1984. Meu filho Alexandre já estava estudando no 1º colegial, a Ana Maria também já estava meio cansada. Estávamos há anos longe, sem ver os familiares, então começamos a pensar em voltar a São Paulo. Também tinha outra coisa: tinham diminuído os projetos na universidade. Para fazer alguma coisa, o jeito era batalhar por algum trabalho com a Companhia de Planejamento do Distrito Federal – Codeplan, cidades satélites e tal. Assim acabou minha fase de projetos na UnB e com isso voltamos.
Em São Paulo, o meu amigo José Magalhães estava na Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo – Emurb. O Sami Bussab era o presidente, e o Magalhães era diretor de planejamento. Eles estavam querendo arrumar um chefe para o Departamento de Intervenções Urbanas. Eu fiz uma entrevista com o Magalhães e o Sami e fiquei um ano e meio na Emurb, já na parte final do governo Covas. Foi o jeito de eu voltar a São Paulo, então chefe do Departamento de Intervenções Urbanas da Emurb. Comecei a trabalhar e a dar umas aulas à noite na Belas Artes. Naquela época, o Bergamin estava na Emurb e me convidou para ir lecionar. Pensei: “Bom, preciso pegar esse negócio de aula porque acabando a Emurb”. E não deu outra: entrou o Jânio Quadros e mandou embora todos os que tinham sido contratados na gestão Covas. Assim, comecei a dar aula em várias escolas, até em Mogi (longe de casa) porque tinha que compor um salário.
RS: Quando você começou a lecionar na graduação da FAU USP?
AM: Por volta de 1987, fiz um exame para ser professor temporário na FAU USP e entrei por um ano no Departamento de Projeto. O Siegbert Zanettini era professor de Projeto e pediu licença sabática, então abriram uma vaga. Foi engraçado porque acabou o contrato e continuei dando as aulas sem ser professor, para acabar o ano letivo. Então, no outro ano, acho que foi o Paulo Mendes da Rocha que tirou licença sabática. A mesma coisa se repetiu: fiz um concurso de novo e entrei no lugar do Paulo. Sempre que tem concurso da FAU USP é meio complicado. Depois aconteceu de novo e fiquei um período sem ser contratado e aí não ganhava nada, quer dizer, fiquei três meses assim, trabalhando para não largar o semestre no meio. Até que teve um exame para vaga efetiva de Projeto. Eu lembro que nos dois primeiros exames (vagas anteriores), o Guedes não estava na banca. Nesse último, para uma vaga definitiva, terceira vez que prestava o exame, o Guedes era da banca e foi ele que segurou minha barra. Porque existiam aquelas panelas, que faziam pressão para um e para outro candidato. Nessa época, entraram quatro professores: eu, Maria Luiza Corrêa, Helena Ayoub e Antonio Carlos Barossi. O mais estranho da turma era eu, não é? O mais estrangeiro, digamos assim. Porque o tempo que eu fiquei em Brasília me distanciou de São Paulo e da FAU USP, principalmente pelo pensamento sobre como projetar.
E tinha essa coisa do Desenho Urbano; eu me lembro do Candido Malta Campos Filho, que acompanhou uma parte do meu percurso profissional. Ele falava: “vem aqui trabalhar comigo a gente precisa dar cara de desenho urbano aqui nesse Departamento de Planejamento Urbano”. O departamento era forte nessa parte, como coisa mais científica. Estava lá o Phillip Gunn e tinha uma porção de gente que eu admirava muito. Eu achava que eles faziam um negócio de muita seriedade (em comparação com o pessoal “apenas” de projeto). Hoje eu já não acho isto, penso que o trabalho que a gente faz como desenhista urbano tem seriedade igual. Naquele tempo existia uma briga, uma cisão grande entre o pessoal de Planejamento Urbano e de Projeto. O pessoal de Projeto achava que os de Planejamento Urbano não sabiam desenhar e, por isso, foram ser planejadores urbanos. E o pessoal de Planejamento Urbano achava que os de Projeto só sabiam desenhar, e o resto ficava no vazio. No fundo era isso, mas enfim, eu convivia bem com o Candido e alguns outros professores. Talvez tenha a haver com isso é que os professores que não são de projeto estejam mais familiarizados com a pesquisa dita “científica”.
O importante foi que eu entrei na FAU USP em função desse exame definitivo, pois já tinha experiência dos exames anteriores (o que me ajudou muito). Além disso, o Guedes era da banca e segurou as pontas com minhas ideias de projeto que, digamos, não era muito do gosto da maioria.