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interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Nesta entrevista sobre as estratégias projetuais do arquiteto Joaquim Guedes, Adilson Macedo relata sua trajetória profissional e acadêmica, em especial sua convivência com Guedes, como colaborador no escritório do arquiteto e colega de ensino.

english
In this interview about Joaquim Guedes architecture design strategies, Macedo recounts his professional and academic journey, particularly his experience working alongside Guedes as a collaborator in the architect's studio and as a professor colleague.

español
En esta entrevista sobre las estrategias de diseño del arquitecto Joaquim Guedes, Adilson Macedo relata su trayectoria profesional y académica, especialmente su convivencia con Guedes como colaborador en el taller del arquitecto y colega de enseñanza.

how to quote

SCHIMIDT, Rafael. Arquitetura, estratégia e projeto. Entrevista com Adilson Macedo. Entrevista, São Paulo, ano 24, n. 095.02, Vitruvius, ago. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/24.095/8860>.


FAU Maranhão, Sala dos Espelhos, pós-graduação da FAU USP
Foto divulgação [Website FAU Maranhão]

Rafael Schimidt: E depois?

Adilson Macedo: Ministrei essas disciplinas mais um ano, depois que eu me aposentei da USP, em 2011. A Maria Lucia Refinetti, que era coordenadora da pós-graduação, me chamou para dar aula com um alemão, o Martin Gigner. Ele estava no Instituto Goethe e trabalhava no intercâmbio de bolsas Era sociólogo especializado em urbanização. Ele deu umas aulas e palestras avulsas na FAU e, no fim, queria ser professor da FAU. Não tinha onde encaixar o cara, então a Maria Lucia viu que nossa disciplina de Projetos Urbanos estava ainda credenciada, me pediu se pudesse dar aula com ele, em caráter especial. Na verdade, foi mais um semestre que dei aulas na pós-graduação, por causa do alemão, um ano depois de eu já estar aposentado. Na primeira parte da aula de quatro horas eu ficava com uma parte teórica sobre o projeto e ele se centrou em umas conferências sobre Berlim. Na segunda parte da aula, a gente dava o projeto que estava rolando naquela época para a Nova Luz. Era uma coisa que se aproximava mais dos trabalhos do Martin. E ele dava uns palpites sobre o tecido urbano tradicional e a gente discutia o projeto da Nova Luz com os alunos. Eu simulei a participação de um grande empreendedor e inventei o recorte para os alunos fazerem uma intervenção considerando todas as implicações do projeto, em particular, os embates que estavam tendo com negociantes da Santa Efigênia. Tinha uma área destinada para habitação social, e os próprios interessados na habitação social criticavam o projeto. Veio aquele problema de passar a concessão para a desapropriação para empresas privadas. Logo depois que a gente terminou essa disciplina, entrou o Kassab e acabou com o Projeto Nova Luz. Era um projeto para dar certo e acho que isso reflete a nossa falta de objetividade e de saber gerenciar todos os agentes e interesses conflitantes que entram num projeto urbano como esse. O Projeto Nova Luz levou treze anos e não deu em nada. Naquele outro projeto que eu falei antes, de que participei como aluno, levaram uns três anos discutindo e, em doze anos, ficou tudo realizado, quer dizer, entre começar e acabar levou quinze anos, o mesmo tempo que levou o Projeto Urbano Potsdamer Platz em Berlim.

Foi a última vez que eu ministrei essas disciplinas. A aposentadoria me fez deixá-la depressa, pois meus dois colegas (Guedes e Dario) tinham morrido há pouco tempo e, se continuasse a sequência, eu – com certeza – não estaria dando esta entrevista para você! Depois disso fiz pouca coisa na FAU USP. De vez em quando eu vou para uma banca de doutorado ou mestrado, respondendo a algum convite. Eu fiquei dezenove anos na FAU sem dedicação exclusiva e, em termos práticos, o salário que eu recebo como aposentado não dá para investir muito em pesquisa independente na própria FAU. Então eu fui para a Universidade São Judas Tadeu e tenho um outro salário, conseguindo assim trabalhar em pesquisas por lá.

RS: Qual a sua avaliação hoje desse processo de projeto?

AM: Acho que foi uma experiência que se formou aos poucos. Eu sou meio lento com esse negócio de absorver as coisas. Veja você, eu trabalhava com o Guedes, mas ainda fazia coisas “a la Artigas”. Depois que eu absorvi os conhecimentos que adquiri no escritório do Guedes, fui usar sozinho na UnB muito tempo depois. Com o projeto do colégio de Perus, que para mim é importante como um marco nos procedimentos de transpor o programa para o projeto, pois larguei aquela caixa do Artigas e a valorização da estrutura como elemento organizador do espaço, para trabalhar na necessidade de cada ambiente como gerador do espaço, como discípulo do Guedes. Adaptar a estrutura, como por exemplo, na sala de aula pilares de retícula ortogonal de 7,20 m por 7,20 m e no ginásio de esportes ter outra estrutura melhor definida para o vão maior. Quer dizer, isso foi influência do Guedes e resvalou com estudar o Alvar Aalto. A insistência com o programa é algo do Guedes e gerou esse procedimento do varal que até hoje não está bem descrito como um método que você aplica e sai alguma coisa. Uma tentativa e bom exemplo vem do meu próprio entrevistador que participou do concurso para a sede do Iphan em Brasília, na equipe do Guedes.

Demonstração da aplicação dos diagramas lineares no projeto para o concurso da Sede do Iphan em Brasília, 2006
Imagem divulgação [Acervo Rafael Schimidt]

E essa questão dos subsistemas de espaços, originarias do Guedes, têm a ver com minhas subdivisões da cidade por setores, corredores e subáreas algo que hoje me ajuda bastante e procuro passar para os alunos. Quer dizer, eu misturei isso com o Kevin Lynch, com o Christopher Alexander e com uma porção de outros arquitetos de quem a gente gosta, com pensamentos contemporâneos.

Em projetos maiores, essa coisa do programa tem questões e aspectos que podem acabar entrando em conflito com a comunidade interessada. Eu percebi isso lá na UnB. Por exemplo, tinha um projeto nosso que já estava avançado quando chegou do Canadá um professor importante que trouxe de lá um modelo de projeto: ele impôs “na UnB tem que se fazer isso! Três blocos de 50,00 m por 50,00 m”. Logo de cara eu percebi que aquilo era bom para o Canadá, onde você precisa ter menos superfícies de fachada por causa do frio, e usar em tudo ar condicionado e calefação. Aí fizemos uma bruta discussão defendendo nosso projeto, explicando que em Brasília o clima é diferente, que aqueles nossos espaços eram melhores do ponto de vista do clima, economia, construir por partes etc. e tal. Mesmo que não saísse todo o financiamento, daria para fazer o projeto por partes. Enfim, era difícil aquela maneira de Brasília, por exemplo, o professor importante e mandão... As exigências do BID acabaram ajudando a ajustar essa coisa do programa versus as possibilidades da construção dos espaços.

Na pós-graduação, você Rafael também trabalhou com o programa e os setores, no projeto que fez para a escola. Você descobriu os boletins dos institutos ingleses normatizando a performance de espaços e materiais. Aqueles conjuntos componentes de programa são superinteressantes e bem sofisticados. Eles vão ser importantes cada vez mais com o advento da sustentabilidade. Pode-se ver que a cara dos projetos modernistas brasileiros está mudando um pouco com essa questão de usar placas fotovoltaicas. Naquele tempo, era uma briga do formal com o outro procedimento, que também resultava numa forma, mas baseado em outras premissas.

É muito importante o trabalho do pessoal da FAU USP, como o do Angelo Bucci e essa turma toda mais jovem, mas, naquela época alguns deles foram meus alunos, como a Marta Moreira e o Álvaro Puntoni. Uma vez, no tempo em que o Zanettini estava discutindo o problema da casa dele (escritório?), afetada pela Operação Faria Lima, a gente deu um tema que era sobre o Largo da Batata. Era o projeto de um conjunto, nos terrenos disponíveis atrás do prédio do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – Crea, e a coisa também passou por um approach de como que deveria ser a Faria Lima. Então, um grupinho deles fez um projeto, não me lembro de detalhes, mas do ponto de vista deles, faziam prédios, blocos que iam da Faria Lima até a Marginal. Também estava com eles o Alexandre Delijaicov, que é o nosso grande defensor das águas com muito mérito. Ele fazia um canal que passava pelo meio dos prédios e através do Clube Pinheiros. Era uma ideia grande, de certo ponto de vista interessante. Então, um dia, eu estava quebrando o pau com eles e dizia algo assim: “Isso aí é interessante, só que não é entendido como desenho urbano. Desenho urbano é um processo para uma área bem definida e por isso pegamos apenas aquela quadra, estudar a Faria Lima para entender o Largo da Batata; e, não para refazer a Faria Lima toda”. Estava uma discussão acalorada quando chegou o Guedes e ficou parado olhando e tentando entender o que estava acontecendo. Eu não aguentava mais aquele negócio de fazer arquitetura e urbanismo arrasa quarteirão e falei: “Isso aí morreu quando destruíram Pruitt-Igoe e hoje isso tem que acabar, deixa disso, né?”. No cafezinho do intervalo da aula, o Guedes falou: “Puxa Adilson, você está ficando pior do que eu para criticar, hein?”.

Eu acho importante a gente recuperar as ideias do Guedes, são sobre uma boa arquitetura. Depois que ele morreu, parece que ficou meio esquecido na FAU USP, no seu próprio local de trabalho. Só a Monica Junqueira fez um trabalho sobre ele (4). Os alunos são muito polarizados pela questão do Modernismo, que pesa muito para nós. Tem o Paulo Mendes da Rocha, que é nossa maior expressão e que influencia, mas que continuou o discurso do professor Artigas. Ele polariza muito a atenção dos professores e dos alunos, mas eu acho que essa coisa está mudando. Em função do advento da sustentabilidade, dessa arquitetura mais eco, estamos num processo de mudança. Estou me lembrando do Marcelo Morettin e Vinicius Andrade, que hoje são arquitetos importantes em São Paulo. Os dois são muito bons, eles fazem um tipo de arquitetura que leva mais em conta os aspectos climáticos e mais de pesquisa no emprego de materiais. Já saíram um pouco só daquela história antiga. Tem outros colegas do Mackenzie, o Mario Biselli e o Katchborian, que são muito bons, e eles também saem daquele padrão.

RS: Obrigado por pela oportunidade de conversarmos sobre esses assuntos e por compartilhar suas lembranças.

AM: A história das minhas experiências e a aproximação com o Guedes espero que sirvam para estimular os estudantes de hoje a compreender a sua obra.

nota

4
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Joaquim Guedes. Coleção Espaços da Arte Brasileira. São Paulo, Cosac Naify, 2000; CAMARGO, Mônica Junqueira de. Guedes: razão e paixão na arquitetura. Arquitextos, ano 09, n. 099.01, São Paulo, Vitruvius, ago. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.099/116>.

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