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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
O texto propõe uma nova relação com a cidade em dias de chuva, realizada por meio de atividade investigativa e brincante guiada por crianças, a fim de observar, se apropriar e participar da relação do espaço construído com a natureza.

english
El texto propone una relación con la ciudad en los días de lluvia, realizada a través de una actividad investigadora y lúdica guiada por niños, con el fin de observar, apropiarse y participar de la relación entre el espacio construido y la naturaleza.

español
The text proposes a new relationship with the city on rainy days, carried out through an investigative and playful activity guided by children, in order to observe, appropriate and participate in the relationship between the built space and nature.

how to quote

FUSCO, Regina Izzo; DUTRA, Cristiane; PETRAROLLI, Juliana. Proposta para dias chuvosos. Criança, natureza e cidade. Minha Cidade, São Paulo, ano 22, n. 257.03, Vitruvius, dez. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/22.257/8344>.


Stencil da chuva em Piracaia SP: marcas deixadas na cidade para registrar uma hipóteses e provocar reflexões nos transeuntes
Foto Juliana Petrarolli, jun. 2021


Um dos livros mais famosos na educação infantil, A casa sonolenta (1), conta a história de uma casa “onde todos viviam dormindo”. Nesse conto, vó, menino, cachorro, gato e rato, deitam-se um sobre o outro em uma aconchegante cama. No entanto, uma pulga, que está acordada, pica o rato, que cai em cima do gato, e assim por diante, até que todos acordam e quebram a cama. Para um leitor atento às ilustrações, desde a guarda do livro há indícios de que o enredo se desenrola em um dia chuvoso e, página a página, ao observarmos a janela da casa, conforme as personagens despertam, a chuva dá lugar ao sol e a um arco-íris. Ao final da narrativa, todos estão do lado de fora da casa, ao ar livre, aproveitando o jardim.

É sabido que a população urbana explora o espaço público sobretudo no verão, visitando parques ou praças, caminhando sob o sol e até os trajes escolhidos refletem leveza e praticidade. Em dias de chuva ou muito frio, quando possível, as pessoas permanecem em espaços internos, evitando saídas desnecessárias e apressam-se nos deslocamentos de um lugar a outro, experienciando a cidade de forma ainda mais utilitarista e veloz.

Avenida Sumaré, famoso “escadão da Sumaré” na praça Irmãos Karmam, Perdizes, São Paulo SP
Foto Regina Izzo Fusco, mai. 2021

Assim como na narrativa de A casa sonolenta, em uma publicação em redes sociais realizada pelo Coletivo Trilhares, em que foi postado um áudio com sons de chuva junto à pergunta: “O que esse som desperta em você?”, a tônica das respostas envolveu temas como preguiça, recolhimento, “vontade de ficar em casa, embaixo do cobertor” ou “voltar para a cama".

Contudo, o fenômeno da chuva convoca nossos sentidos mesmo quando estamos abrigados em espaços fechados. Os raios, trovões e gotas nos telhados, janelas e quintais, rompem as barreiras físicas, iluminando, escurecendo, sonorizando, molhando e compondo o novo cenário que transforma a atmosfera do lugar, como retrata David Le Breton em Antropologia dos sentidos (2).

Pista de skate na praça Amadeu Decome, Vila Romana, São Paulo SP
Foto Cristiane Dutra, abr. 2021

Considerando o momento histórico que vivemos, cuja recomendação é “ficar em casa”, a chuva tornou-se um bom pretexto para deslocar a atenção para o “lado de fora”. Foi com essa intenção, que o Coletivo Trilhares criou o projeto Pé-de-Chuva, como possibilidade de inverter a lógica de se abrigar nesses momentos, provocando uma nova relação das pessoas com a cidade em dias chuvosos.

A atividade vai ao encontro do objetivo central do Coletivo Trilhares, que realiza ações no território que vão na contramão do consumo, da alienação e apatia contemporâneos, convocando crianças, jovens e adultos a experimentar uma nova relação com o espaço público urbano, mais atuante, brincante e investigativa.

De uma maneira geral, a atividade consiste em crianças e seus cuidadores realizarem caminhadas pelo território em dois momentos. Primeiro em dias ensolarados, com o propósito de elaborar e registrar hipóteses sobre a interação da chuva com o espaço urbano construído, orientando-se por perguntas como: “Quais são os caminhos prováveis e improváveis da chuva?”, “Em que lugares a água se acumula?”, “Por onde ela se infiltra?”. Depois, em dias chuvosos, percorrer os mesmos trajetos, averiguando as hipóteses e brincando de descobrir o destino da água da chuva.

Praça Amadeu Decome, Vila Romana, São Paulo SP
Foto Cristiane Dutra, abr. 2021

Esse exercício possibilita uma presença investigativa nos deslocamentos cotidianos, pois convoca a observação atenta do espaço urbano, ao levantar hipóteses, registrar e trocar conhecimentos sobre a infraestrutura urbana. Como em um processo de investigação, todas as ideias são consideradas, registradas e verificadas, de modo que as teorias provisórias são refutadas, confirmadas e re-elaboradas ao observar novamente o mesmo território em um dia de chuva.

As caminhadas exploratórias pelo território envolvem uma expectativa pelos dias de chuva, que é alimentada pelo desejo das descobertas e mobiliza a saída pelas ruas no tão esperado dia chuvoso.

Realizar essa exploração debaixo d’água requer disposição e roupas adequadas ― uma boa inspiração para essas experiências são as escolas da floresta (3), nas quais não existe “tempo ruim”, somente roupas adequadas ou inadequadas ― e a preparação faz parte desse grande evento, que envolve guarda-chuvas, galochas e roupas confortáveis, além de celulares a postos para os registros, já, na porta de casa, a chuva anuncia o início da atividade, servindo como guia do percurso.

Criança de quatro anos explorando pistas e caminhos da chuva em seu território, São Paulo SP
Foto Cristiane Dutra, mai. 2021

É interessante notar como esse assunto mobiliza as crianças (4), pois passam a buscar dentro do território que habitam marcas, pistas e possibilidades dos caminhos da chuva. Caminhar seguindo os rastros da água pluvial, percorrer os relevos da cidade por quarteirões e quarteirões até encontrar uma boca de lobo ou um curso d’água, além de brincadeira, se transforma em fonte de conhecimento, desvendando a infraestrutura urbana.

Como afirma Kevin Lynch (5), refletir sobre os elementos móveis da cidade é tão importante quanto se atentar sobre os elementos estáveis. Crianças e adultos modificam sua vivência como cidadãos enquanto tecem e entendem que o espaço urbano construído e a cidade estão em constante transformação, mesmo em momentos que parecem tão estáticos, como o que estamos vivendo.

Nesse sentido, cabe ressaltar que a atividade foi desenvolvida de forma a guardar todos os protocolos de segurança contra a Covid-19, buscando abandonar a espera de um futuro semelhante ao mundo pré-pandêmico, vivenciando o presente e explorando as possibilidades desse momento.

Estar ao ar livre é uma possibilidade segura de se relacionar com o mundo durante a pandemia e também uma grande oportunidade de explorar formas de interação menos individualizadas e mais ativas, reconhecendo o território em que vivemos, saindo de nossas casas sonolentas, faça chuva ou faça sol.

Criança de quatro anos registrando caminhos da chuva, São Paulo SP
Foto Cristiane Dutra, mai. 2021

notas

1
WOOD, Audrey; WOOD, Don. A casa sonolenta. São Paulo, Ática, 2019.

2
BRETON, David Le. Antropologia dos sentidos. Petrópolis, Vozes, 2016.

3
Forest School Association <https://bit.ly/3DMmUld>.

4
O interesse das crianças pelo tema pôde ser observado de forma empírica, no cotidiano das autoras, que atuam tanto em projetos do Coletivo, quanto como educadoras na educação infantil.

5
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 2011.

sobre as autoras

Regina Izzo Fusco é co-fundadora do Coletivo Trilhares e do Grupo Amora. É pedagoga (USP), formadora de professores e professora de educação infantil e pós-graduada em Gestão e Formação em Educação infantil (Vera Cruz) e em Escutas antropológicas e poéticas das infâncias (A Casa Tombada).

Juliana Petrarolli é co-fundadora do Coletivo Trilhares. É arquiteta e urbanista (USP) e mestra em Planejamento e Gestão do Território (UFABC). Atuou no projeto Ônibus Andante realizado pelo Museu da Língua Portuguesa.

Cristiane Dutra faz parte do Coletivo Trilhares. É pedagoga (USP) e pós-graduada em Gestão e Formação em Educação Infantil (Vera Cruz) e pós graduanda em A natureza que somos: teorias e práticas para uma atuação genuína no mundo (A Casa Tombada).

preâmbulo

O presente artigo faz parte de Preâmbulo, chamada aberta proposta pelo IABsp e portal Vitruvius como ação para alavancar a discussão em torno da 13ª edição da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, prevista para 2022. As colaborações para as revistas Arquitextos, Entrevista, Minha Cidade, Arquiteturismo, Resenhas Online e para a seção Rabiscos devem abordar o tema geral da bienal – a “Reconstrução” – e seus cinco eixos temáticos: democracia, corpos, memória, informação e ecologia. O conjunto de colaborações formará a Biblioteca Preâmbulo, a ser disponibilizada no portal Vitruvius. A equipe responsável pelo Preâmbulo é formada por Sabrina Fontenelle, Mariana Wilderom, Danilo Hideki e Karina Silva (IABsp); Abilio Guerra, Jennifer Cabral e Rafael Migliatti (portal Vitruvius).

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