A explicação
Poucos bairros de São Paulo garantem qualidade ao conjunto da vida de seus moradores. Considerar o não-planejamento da cidade como responsável por seus problemas é uma crítica comum, mas que não corresponde totalmente à verdade.
Por exemplo, alguns locais foram efetivamente planejados no início do século 20 – os bairros-jardim – e até os dias de hoje oferecem os melhores padrões urbanísticos da cidade.
Mas a grande maioria da população não tem acesso às mesmas condições e muitas vezes se desloca para longe dos bairros centrais, isto porque neles a moradia foi prejudicada por outras atividades ou não houve interesse na recuperação dessas importantes áreas para mais pessoas morarem.
Esse mecanismo de esvaziamento populacional dos espaços equipados da cidade aumenta ciclicamente os gastos com infra-estrutura e provoca ociosidade, deterioração do ambiente construído e sua pior conseqüência, o aumento da exclusão social pela formação dos “guetos” urbanos, nos mesmos bairros ou na periferia.
O Bairro Novo deve proporcionar outros rumos para a cidade de São Paulo e um plano urbano para o mesmo necessita indicar o que é fundamental para sua formação: os elementos de identidade, de paisagem e da necessária mistura de funções e ocupações como fundamentais ao equilíbrio da vida urbana.
Além disso, deve considerar que se trata de uma construção ao longo do tempo, contando com os meios legais do Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo e da Operação Urbana Água Branca, para sua efetivação e garantia de moradia com qualidade para todas as faixas sociais com beleza paisagística e arquitetônica. Isto se constitui, juntamente com soluções favoráveis ao meio ambiente, acesso e usos amplos e não discriminatórios, no paradigma procurado para esse e tantos outros espaços da cidade.
A intenção
O Plano considera as determinantes do lugar modeladoras de todo o seu desenvolvimento:
- A situação da área junto aos espaços conquistados da várzea do rio Tietê;
- As ferrovias que percorrem longitudinalmente as glebas;
- O sistema viário existente no setor urbano;
- A localização do perímetro do Concurso vizinha à Zona Industrial em Reestruturação –ZIR, do bairro da Lapa;
- Propõe uma religação do tecido urbano através da integração dos elementos que hoje se constituem em obstáculos: a ferrovia e o rio Tietê.
Adota como estruturadores os seguintes componentes morfológicos:
- Os parques lineares;
- As vias de circulação internas à área do plano;
- As quadras como elementos de organização dos espaços edificados;
- Os canais de drenagem, como elementos infra-estruturais e paisagísticos.
O Parque Linear e o Percurso Diagonal são os principais elementos paisagísticos e da hierarquia da circulação, conectando as vias de pedestres, automóveis e transportes ao sistema urbano existente, agregando também espaços de lazer voltados ao uso do bairro e sua vizinhança.
As vias de circulação interna à área do Plano, possibilitam a capilaridade para as pessoas e veículos, o acesso às moradias, aos serviços e equipamentos, devolvendo a primazia ao pedestre e articulando os espaços livres e os construídos.
As quadras modulam a área num parcelamento que não é o do lote, embora aceitando sua subdivisão para fins legais. A lógica proposta se constitui em considerá-las unidades de planejamento, desenho urbano e projeto, vinculando às mesmas, critérios de adequação urbanísticas e paisagísticas.
Os canais de drenagem incluem sistema de circulação das águas, com aeração e filtração, através de circuito projetado e sistema de bombeamento. Devem contribuir para a drenagem superficial, para a captação das águas fluviais excedentes das edificações e ainda como elemento integrador da paisagem.
O detalhamento
1. A Implantação geral
A cota de toda a área será aumentada de 1 a 2 metros para viabilizar dois aspectos:
- os futuros estacionamentos semi-enterrados dos edifícios, sem onerar os custos de construção com escavações profundas em área de várzea;
- assim como foi realizado na Vila Olímpica da cidade de Barcelona, o aumento de cota possibilita também a transposição da ferrovia por uma laje de cobertura, uma vez que o enterramento das linhas mostra-se inexeqüível, devido:
– Aos gastos que essa obra representaria, desviando recursos que na realidade necessitam ser destinados pelo poder público à melhoria do sistema, instalações e do material rodante.
– À infra-estrutura instalada, que imporia um sobre-valor elevado à obra, devido a necessidade de desvio de toda a rede de macro e micro drenagem, instalações de gás, energia, telefonia, etc.
2. O Parque Linear
O parque linear é o elemento principal da estrutura viária e do partido paisagístico proposto:
- Interliga a área do Plano com os equipamentos de transporte urbano e metropolitano: estação ferroviária, edifício de acesso ao corredor de ônibus e estação fluvial;
- Permite manter área permeável do solo e maior oferta de espaços de lazer para a população;
- Agrega valor estético ao conjunto urbano através do plantio de espécies nativas, da utilização de pisos diferenciados e da instalação de mobiliário e equipamentos urbanos com elevados padrões de design;
- Com 1.227 metros de extensão e 51 metros de largura, cruza a gleba da Telefonica e a área onde se encontram os atuais centros de treinamento de clubes de futebol, até encontrar o rio Tietê e o Parque da Marginal;
- Transpõe o rio através de edifício-ponte que anexa as instalações da futura estação de transporte fluvial.
Em sua extensão, agrega diferentes funções e temas, considerando uma modulação em torno de 250 metros:
- Esportes: no trecho junto da ferrovia e da Habitação de Interesse Social até metade da gleba da Telefonica, com quadras poli-esportivas, equipamentos para ginástica, skate, etc;
- Cultura: da metade dessa gleba até a avenida Marquês de São Vicente, com feiras de livros, teatro e anfiteatro para apresentações, etc;
- Estar: do início da área dos atuais centros de treinamento até metade de sua extensão. Propõe-se a utilização de elementos escultóricos dinâmicos, espelhos e repuxos d’água, espaço para aquários, além de cafés, lanchonetes, cinema, pergolado com quiosques, etc;
- Bosque: do fim da área de Estar até a avenida Marginal, juntando-se à massa arbórea proposta na extensão dessa via.
3. O Percurso Diagonal
É outra componente do sistema viário e de circulação. Cruza a gleba Pompéia até encontrar a rotatória da Marquês de São Vicente. Possui 583 metros de extensão e 35 metros de largura, apresentando vegetação em todo seu comprimento, equipamentos e mobiliário urbano. Prevê-se sua extensão futura, como resultado da remodelação espacial que a Operação Urbana Água Branca deverá provocar nos espaços vizinhos à área foco do Concurso Bairro Novo.
4. O Bulevar
Constitui-se em uma grande laje de cobertura da linha férrea, implantada ao longo da mesma e da avenida Francisco Matarazzo, com parte desse espaço na área foco e parte na área referência (20 mil m² na primeira e cerca de 29 mil m² na segunda).
Viabiliza, para pedestres, a transposição das ferrovias sem o enterramento das mesmas e possibilita a integração do Parque Linear e do Percurso Diagonal com os espaços ao sul da área do Plano (avenida Francisco Matarazzo, West Plaza, avenida Sumaré, etc.).
5. As quadras
A lógica proposta pelo Plano para o conjunto das quadras é a de considerá-las um projeto unitário, com os coeficientes máximos (C.A= 4) fixados pela Operação Urbana Água Branca, obtidos através de outorga onerosa.
Sua superfície abrange em média uma modulação de 50 x 60 metros, não permitindo densidades populacionais muito altas devido à relação entre superfície de terreno e coeficiente de aproveitamento.
As quadras terão uso predominante residencial, reservando-se o pavimento térreo das edificações para as atividades de comércio e serviços adequados ao apoio à população moradora. A mescla de usos é um partido adotado por essa proposta, de acordo com o Plano Diretor Estratégico de São Paulo.
Deverá ser mantido um índice de 30% de área de solo permeável e a acessibilidade e circulação geral entre as quadras priorizará os percursos de pedestres e ciclovias.
Se necessário, para fins legais, será aplicada ao modelo de quadras a subdivisão de lotes regular da cidade, dentro do processo de reedificação.
5. A Habitação
Propõe-se uma ocupação que respeite a modulação e os alinhamentos de quadra, com densidade nunca superior a 300 habitantes/hectare.
O desenho urbano das quadras deverá contemplar os pátios internos às mesmas, as orientações voltadas aos canais de drenagem e vias de penetração, com o acesso local com mudança de piso para redução da velocidade dos veículos.
Os pátios internos deverão agregar áreas permeáveis, servindo também para a insolação das unidades habitacionais, convivência e lazer.
As águas pluviais das edificações deverão ser captadas para o reuso e os canais de drenagem, além de sua finalidade precípua, poderão receber o excedente nas grandes precipitações.
6. A Habitação Social
Mesclada ao conjunto urbano proposto, a Habitação de Interesse Social, HIS, deverá constituir um exemplo de inclusão tanto para o bairro, quanto para a cidade.
Rejeitando a constituição de gueto, a implantação dos condomínios de HIS permite aos mesmos usufruírem todos os elementos urbanos: Parque Linear, Percurso Diagonal, canais de drenagem, etc.
Os edifícios projetados terão três junções de unidades, resultando em construções com quatro, seis e oito apartamentos por andar-tipo.
Cada conjunto possui cinco pavimentos a partir do térreo, com disposições que condicionam a existência de térreo livre ou ocupado: possuem o pavimento térreo livre, quando o edifício se encontrar junto a vias de acesso e comunicação e com unidades habitacionais, quando a construção se encontrar implantada sem essas características. Essas unidades térreas deverão ser destinadas prioritariamente para portadores de limitações de locomoção e/ou cidadãos da terceira idade.
Foram definidas quatro plantas-tipo, com as respectivas áreas e quantidades:
Tipologia | Área (m²) | Quantidade |
A | 55 | 212 |
B | 56 | 248 |
C | 57 | 106 |
D | 63 | 70 |
Total | 636 |
A HIS deverá contar ainda com equipamentos de uso coletivo, distribuídos entre os condomínios de edifícios, tais como creches, oficinas e centros de aprendizagem:
N° de unidades | Área de equipamento (m²) |
90 | 263 |
85 | 300 |
155 | 300 |
100 | 209 |
160 | 221 |
Total | 1.293 |
7. O Setor de Serviços
Devido à oferta de meios de transporte público de massa, o setor de serviços do Bairro Novo poderá se tornar um centro de empregos e referência para a cidade, apoiando os espaços já existentes voltados ao turismo de negócios.
Na Marquês de São Vicente, duas faixas lindeiras de 70 metros foram destinadas aos edifícios de escritórios, hotéis e centros de convenções. Nesse espaço esses elementos serão implantados com maior concentração e no restante do conjunto urbanístico, de forma mais dispersa.
De acordo com a Operação Urbana Água Branca, os empreendimentos deverão utilizar os coeficientes de aproveitamento permitidos para a área (C.A=4), através de outorga onerosa, obtendo maior aproveitamento vertical a partir da relação com a base fundiária ou comprando esse coeficiente de outras áreas da cidade em que esse mecanismo é permitido por lei.
Devem ser considerados os critérios urbanísticos para a aglomeração excessiva dos volumes, impedindo as visuais e a permeabilidade de toda a área. Da mesma forma, deve ser incentivada a existência de espaços livres ligados aos edifícios, assim como as áreas de uso público e semi-público.
8. Nova Estação Água Branca
Um dos principais equipamentos para a conexão da área em que o Bairro Novo se inclui com o transporte de alta capacidade
Propõe-se sua implantação junto ao Parque Linear, para a integração com outros elementos da malha viária e de transportes.
Inclui novos usos para incorporar uma dinâmica não restrita apenas aos fluxos de passageiros: estacionamento no subsolo; centro comercial; escritórios para alugar, passarelas de acesso ao conjunto urbanístico.
Deverá incorporar o check-in da linha que acessará o Aeroporto Internacional de Cumbica.
9. O Edifício-ponte
Realiza a transposição para pedestres sobre o rio Tietê
É o elemento de ligação do Parque Linear com a outra margem do rio, configurando uma continuidade da ocupação e da proposta do Plano para o Bairro Novo.
Reabilita um uso que foi suprimido da cidade, o transporte fluvial, uma vez que a despoluição do rio Tietê deverá possibilitar a adoção desse modo para finalidades diversas, entre elas a de ligação entre as novas centralidades do terciário avançado.
Incorpora outras funções para o uso da população: comércio, serviços, lazer e atividades institucionais.
Cria uma importante referência paisagística para a cidade como um todo.
10. Parque da Marginal do rio Tietê
Deverá integrar o conjunto de vegetação proposto para o Bairro Novo, a partir da ligação do projeto de recuperação das margens do rio, em implantação, com o parque urbano definido por este Plano.
Para o aumento da área arborizada, propõe-se ainda o desvio das pistas locais da marginal para junto da via expressa. Esse deslocamento permitirá também novas configurações para as faces de quadra ao longo da via e poderá ocorrer em outros trechos, quando for definido por outros projetos.
11. Utilização dos instrumentos urbanísticos
Esta proposta incorpora as normas urbanísticas previstas na Lei Municipal n° 13.430/02, do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e da Lei Municipal n° 11.774/95, da Operação urbana Água Branca.
Com relação aos usos atuais, tais como o existente nos centros de treinamento do S.E. Palmeiras e São Paulo F.C., o Plano para o Bairro Novo considerou necessária a utilização dessas áreas para a integração das propostas, visando sempre a maior utilização pública dos espaços.
Esses clubes poderão integrar a Sociedade de Propósito Específico – SPE e obter do poder público municipal, mediante contrapartida, uma permuta de área para instalação de seus C.Ts, como já ocorre com a S.E. Palmeiras, que possui área junto ao Parque Ecológico do Tietê.
Juntamente com os órgãos públicos e a SPE, deverão ser fixados os parâmetros paisagísticos para as faixas de construção de edifícios ou sua implantação no interior do conjunto urbanístico, como forma de se evitar a mono-funcionalidade ou uma predominância volumétrico-tipológica empobrecedora da paisagem urbana.
12. Fases de Implantação
- 1ª fase: Encargos do poder público
Prazo estimado: dois anos
Definida pela implantação do Parque Linear na gleba Telefônica e a preparação de sua continuidade até a marginal do rio Tietê.
Planejamento para a implantação do Percurso Diagonal na gleba Pompéia.
Ambos os eixos são estruturadores da grelha viária e do parcelamento proposto pelas quadras
Estudos para a implantação de infra-estrutura e equipamentos
Definição do parcelamento através da relação entre os proprietários e o poder público
Planejamento para implantação da Habitação de Interesse Social.
Construção dos edifícios da HIS
- 2ª fase: Implantação das intervenções e equipamentos
Prazo estimado: quatro anos
Implica na parceria público-privada para a viabilização da construção de grandes equipamentos, tais como a Nova Estação Ferroviária Água Branca, o bulevar, os edifícios-ponte sobre a avenida Marquês de São Vicente e sobre o rio Tietê.
Ampliação das parcerias nas áreas públicas e recebimento de outorga onerosa para reinvestimentos em infra-estrutura.
ficha técnica
Autores
Arquitetos Décio Amadio, Francisco de Assis Rosa, Regina M. F. Gouveia, Renata Rabbat e Rodrigo Chust
Colaboradores
Arquitetos Alfredo Faljana e Caio Rafael Verniers; Jorge Luiz Teixeira (desenhista cadista)
Consultores
Engenheiros José Roberto Baptista (sistema viário e transportes), Luis Carlos Chade (orçamento) e Rogério Tadao Noguti (saneamento e drenagem)
Apoio técnico
Vetec Engenharia
Maquete
Grádua Projetos e Design