Introdução
Aristóteles definia a cidade como o ambiente natural da humanidade, a ser aperfeiçoada continuamente para que nela o homem pudesse desenvolver plenamente sua vocação social e política; evidentemente este conceito não se coaduna bem com a nossa atual realidade urbana. Nas últimas décadas nossas cidades vem sendo submetidas a pressões de toda a ordem, que variam do seu crescimento descontrolado até a especulação imobiliária mais desenfreada e selvagem; seus problemas vão da falta de recursos materiais e de infra-estrutura ao uso indiscriminado de tipologias arquitetônicas completamente dissociadas de nossa cultura. Em São Paulo, neste conflito entre comércio e cultura próprio do neoliberalismo, o comércio vem levando a melhor; nossos bairros estão infectados pela estética do falso e do kitsch, com nossas ruas exibindo seus prédios como produtos à venda em uma prateleira de supermercado.
Como alternativa a este modelo vigente de cidade-mercadoria estamos propondo, para nortear o desenho urbano do Bairro Novo, uma volta, ainda que na mais modesta das medidas, aos princípios da cidade Aristotélica, ao mesmo tempo integradora e aberta. Assim, enunciamos a seguir os fatores que orientaram o projeto e que julgamos pertinentes para atingirmos o objetivo proposto acima:
- A integração do bairro com sua vizinhança tendo em vista, a existência de barreiras físicas em suas divisas norte e sul (o rio Tietê e a via férrea da CPMT).
- A conciliação da circulação de veículos com outros usos tradicionais da via pública como passagem de pedestres, local para passeios, encontros, bares de calçadas, comércio, etc.
- A reintegração, no espaço urbano, das funções habitação – circulação – trabalho – lazer.
- A harmonização dos diferentes espaços que compõem o bairro pela unidade de concepção das massas arquitetônicas que os configurarão, sem prejuízo da diversidade formal desejável.
- A articulação e o equilíbrio entre os espaços públicos, semipúblicos e privados de maneira a assegurarmos continuidade e animação para as “vidas” diurna e noturna do Bairro.
- A organização e dimensionamento, na escala do Bairro e da sua vizinhança, das áreas verdes e dos equipamentos públicos.
- A adaptação dos espaços coletivos ao nosso clima tropical, o que resultará em forte identidade do núcleo urbano com o lugar.
Partido adotado
Sistema viário
Na concepção do sistema viário do Bairro Novo optamos, em princípio, pelo reticulado cartesiano (signo habitual de civilização, segundo Leonardo Benevolo), que de resto é o sistema adotado na maioria dos bairros vizinhos, orientando-o no sentindo norte-sul, direção do escoamento natural das águas pluviais para a bacia do rio Tietê. Assim, , como células básicas do conjunto, criamos grandes quarteirões de 318x 318m. delimitados por vias principais de circulação com 25m. de caixa; estas “superquadras” foram então subdivididas em quatro quadras menores por vias secundárias que, por sua disposição em forma de catavento, geram uma praça no interior de cada quarteirão. Esta malha abstrata ao ser sobreposta às vias públicas existentes cria singularidades nas quadras a elas lindeiras, trazendo o inesperado e o casual à rigidez do desenho geométrico.
Das duas vias arteriais que cortam o sítio a Av. Pompéia é a que se constitui no eixo principal de interligação do bairro e a cidade, ao sul, com a margem norte do rio Tietê. Para materializar efetivamente esta continuidade estamos propondo a demolição do viaduto existente sobre o leito da via férrea e o rebaixamento desta última, invertendo-se, deste modo, as cotas do cruzamento em desnível, o que facilitará bastante o acesso de pedestres ao novo assentamento, além da possibilidade de novas e extensas visuais sobre a várzea ao longo do rio. Tal solução, conjugada com a adição de duas vias laterais para tráfego local, resultará em um amplo “boulevard” entre a Av. Francisco Matarazzo e a Av. Marquês de São Vicente e, mais adiante, a Av. Presidente Castelo Branco. Arrematando a longa perspectiva assim formada desenhamos uma praça junto a Av. Francisco Matarazzo e anexos a ela, atuando como “âncoras” do Bairro Novo, um centro de feiras e convenções e um hotel. Tendo como vizinhos o Centro Empresarial Matarazzo e o Centro Cultural do SESC Pompéia, o novo conjunto, por atrair grande número de visitantes, contribuirá em muito para a integração do bairro com sua região.
Entretanto é preciso salientar que, acima de tudo, projetamos um sistema viário que procura harmonizar a coexistência entre pedestres e automóveis sem apartá-los em demasia; assim, nas ruas principais a calçada será complementada por galerias cobertas sob os prédios a ela lindeiros; as esquinas, configuradas como espaços urbanos generosos, (á maneira dos “largos” de antigamente), propiciam pontos de encontro agradáveis e locais convenientes para o abrigo de bancas de jornal, telefones públicos, do carrinho de pipoca, do sorveteiro, etc.; o estacionamento de automóveis será permitido ao longo de todas as vias do bairro, sendo conceituado como barreira de proteção necessária entre veículos e pedestres (sobretudo crianças e idosos). As faixas do leito carroçável a eles destinadas deverão ser pavimentadas com paralelepípedos, assinalando sua função específica e permitindo a absorção das águas pluviais junto aos meios-fios; este tipo de pavimento se estenderá à totalidade das vias secundárias no interior dos quarteirões, limitando naturalmente a velocidade do trânsito e contribuindo para melhorar a permeabilidade do solo. As duas vias arteriais que cruzam o bairro também foram conceituadas como avenidas urbanas e deverão contar com faróis para a travessia de pedestres, faixas de estacionamento de veículos, arborização adequada, etc. Sob as duas praças que projetamos ladeando a Av. Marques de São Vicente deverão ser construídas garagens públicas, pois elas se constituem em centro de bairro, com previsível maior fluxo de automóveis.
Finalizando, lembramos que, contando a região com variadas linhas e meios de transporte coletivo, o acesso seguro e agradável do pedestre aos pontos de embarque reveste-se de especial importância para que este se decida a deixar o carro na garagem.
Parcelamento e uso do solo
Habitação, comércio e serviços
De uma maneira geral as quadras foram divididas em lotes regulares de 1250 m² e 2.500m² (nas esquinas); este parcelamento do solo em áreas relativamente pequenas tem como objetivo ampliar o número de construtoras e incorporadoras capazes de realizarem projetos imobiliários no bairro.
Quanto ao uso, os lotes com acesso pelas vias principais serão destinados à habitação e comércio (uso misto) enquanto que os voltados para os interiores dos quarteirões terão uso exclusivamente residencial; os lotes de esquina de uso misto serão “coringas” podendo, caso haja conveniência para o bairro, serem utilizados exclusivamente para serviços (escritórios, consultórios, hospedagem, etc). Os lotes destinados à habitação social foram distribuídos uniformemente entre os de uso misto evitando-se assim a discriminação espacial dos seus residentes.
Além do conjunto de feiras e exposições e do hotel já mencionados anteriormente, destinamos para uso exclusivamente comercial e de serviços os dois lotes anexos às praças no centro do bairro, os terrenos situados entre a rua C e a Av. Gustavo W. Borghoff (que comportarão edificações de maior porte tais como supermercados, oficinas mecânicas, comércio atacadista, etc) e a área lindeira a Av. Presidente Castelo Branco, hoje ocupada pelos lotes 124, 125, 136, 143 e 144(n° de contribuinte).
Quanto a esta última, apesar da solicitação do termo de Referência do concurso para que permaneça no plano urbanístico o atual parcelamento do solo, pensamos que realmente ela deve ser remanejada fisicamente (mantendo-se o uso atual), pois sua irregularidade entra em conflito com a organização fundiária do bairro justamente em seu ponto de contanto com as marginais do Tietê, impedindo a leitura visual correta do sítio urbano pelos passantes. No entanto, estamos apresentando também uma alternativa (inferior) que prevê a desapropriação apenas do lote 136 e a manutenção dos restantes.
Uso institucional
Para este uso reservamos duas áreas junto a rótula no cruzamento das Avenidas Pompéia e Marquês de S. Vicente (local este de grande visibilidade pública e vizinho ao parque a ser implantado no bairro) e duas outras lindeiras à Av. Gustavo W. Borghoff no trecho em que a ferrovia se encontra semi-enterrada. Os edifícios deste setor indicados no projeto (ambulatório, creche, centro esportivo, escolas pública e particular, mediateca) são apenas sugestões nossas, cabendo a PMSP a decisão definitiva sobre a ocupação destes lotes.
Uso Especial
A gleba do Clube Nacional foi remanejada de maneira a integrar-se ao novo desenho urbano, ficando com cerca de 36.000m² de área disponível e comportando bem um campo de futebol oficial. Outra área destinada a esportes foi prevista entre a ferrovia da CPTM e a Av. Santa Marina para substituir os centros de treinamento do Palmeiras e do São Paulo hoje existente no local.
Áreas verdes
- Praças internas: as praças no interior das “superquadras” deverão receber, além da arborização e do ajardinamento, equipamentos para lazer infantil e da terceira idade tais como “playground”, ciclovia (circular), recantos com mesa e bancos para jogos, etc.
- Centro do Bairro: as praças do centro do bairro terão caráter gregário, servindo como ponto de encontro, local para pequenas feiras da arte e artesanato, manifestações cívicas etc.; deverão receber pavimentação adequada e ter seu perímetro arborizado.
- Centro de feiras e convenções: as praças anexas a este conjunto deverão compor, com o “boulevard” criado a partir da Av. Pompéia, um “continuum” espacial e paisagístico unindo o Bairro Novo com a vizinhança, ao sul, e com as marginais do Tietê, ao norte.
- Quadras: os interiores das quadras contarão com uma área “non edificandi” de 15m. de largura para promover a permeabilidade do solo e o plantio de árvores nos fundos dos lotes.
- Parque: junto ao trevo da ponte Dr. Julio de Mesquita Neto previmos a implantação de um parque urbano que contará com arborização formada de bosquetes alternados com grupos de palmeiras e sub-bosques gramados ou relvados. A este plantio, destinado ao lazer passivo, acrescentamos caminhos de saibro próprios para o “cooper” e um pequeno lago.
Potencial construtivo e edificações
Como dissemos anteriormente, em nosso plano caberá as massas arquitetônicas harmonizar os espaços urbanos do novo bairro; a tipologia dos edifícios baseia-se na tradição construtiva de nossas cidades na primeira metade do século XX, (de feitio mais europeu do que norte-americano); prédios construídos no alinhamento das ruas (estabelecendo com elas forte ligação espacial e simbólica), sem afastamentos laterais e com grandes recuos de fundo que, somados, constituíam vastos espaços no interior dos quarteirões.
Assim, dentro destes parâmetros, determinamos para cada lote uma projeção edificável equivalente a 50% da área do terreno a ser obrigatoriamente ocupada em seus limites e um gabarito de seis pavimentos mais o térreo (a altura máxima, segundo mestre Lucio Costa, para que um mãe possa chamar seu filho pela janela) o que, resultará em uma dominância horizontal tranqüila e adequada a um bairro residencial. O pavimento térreo dos edifícios de uso exclusivamente habitacional será em pilotis enquanto que os dos de uso misto serão destinados a lojas (e ao hall dos apartamentos, naturalmente), sendo obrigatório, no caso, a incorporação de uma galeria coberta (de pé direito duplo), espaço este tão útil em nosso clima entre o tropical e o temperado, sujeito a chuvas, trovoadas, garoa, sol ardente, etc. Um pavimento de cobertura ocupando 40% da área da projeção edificável será permitido em ambos, os tipos de edificações, necessariamente destinado à habitação.
Dentro destas normas e obedecido o código de obras da PMSP, os projetos arquitetônicos serão individuais para cada lote; esperamos assim (contando com a criatividade dos colegas) obter a variedade formal típica de uma cidade aberta (o remembramento dos lotes também será permitido).
Em nosso plano, os prédios de habitação popular obedecerão ao gabarito de térreo +6 e serão distribuídos de maneira uniforme entre as demais edificações visando a inclusão social dos seus moradores; o custo de um elevador poderá ser diluído na comercialização das lojas do térreo.
Em resumo, assim estruturados, os edifícios residenciais e mistos terão como coeficiente de aproveitamento máximo os valores de 3,2 e 3.24 respectivamente; o coeficiente real, evidentemente dependerá do projeto arquitetônico específico devido aos vazios internos de iluminação e ventilação eventualmente necessários.
Os edifícios para os lotes comerciais e de serviço bem como os das áreas institucionais também serão objeto de projetos específicos, que obedecerão naturalmente, às projeções edificáveis e os coeficientes de aproveitamento fixados no plano urbanístico.
ficha técnica
Autores
Arquitetos Euclides Oliveira, Dante Furlan e Carolina de Carvalho