Sistema construtivo pré-fabricado para habitação
O objetivo do trabalho foi o desenvolvimento de um sistema construtivo pré-fabricado para edifícios habitacionais no contexto urbano. Esse sistema deveria solucionar, com igual eficiência, construções as mais diversas, tais como um conjunto padrão de quatro pavimentos, um conjunto auxiliar na reurbanização de favela ou um conjunto verticalizado no centro, bem como as inúmeras variantes existentes entre eles.
Quanto mais flexível o sistema construtivo, maior o número de edificações que podem ser feitas a partir dele. Essa ampliação de opções justifica sua industrialização com vistas à racionalização da obra, considerados os critérios de economia, rapidez e qualidade final do edifício.
Para que um sistema construtivo de conjuntos residenciais seja flexível, ele deve adaptar-se a diferentes situações de terreno - como topografia e insolação -, além de contemplar situações urbanas diversas quanto à densidade e verticalização desejadas para cada área. Certa flexibilidade interna é também recomendável, de maneira a permitir que o prédio receba múltiplos tipos de uso habitacional ou, até mesmo, comporte eventual mudança de uso.
Outro ponto relevante no que diz respeito à flexibilidade é o transporte dos componentes pré-fabricados, pois a necessidade de transporte especial limitaria a aplicação e aumentaria o custo da implantação, principalmente em conjunto menores.
Após o desenvolvimento do sistema, foi proposto um ensaio construtivo em um terreno que exigisse uma situação complexa de implantação.
O sistema
Não se trata de um sistema de ciclo fechado. Os elementos da estrutura proposta são muito semelhantes aos encontrados no mercado e podem ser facilmente produzidos com a tecnologia disponível atualmente nas usinas de concreto. Os painéis de fechamento também não apresentam especificidades.
Estrutura:
O maior desafio é a possibilidade de verticalização, um ponto delicado das estruturas pré-fabricadas de concreto, que normalmente usam pilares contínuos. Tais pilares são muito eficientes em construções mais baixas, mas apresentam dificuldades técnicas para solucionar obras com muitos pavimentos.
Os entraves começam pela necessidade de transporte especial dessas peças, que, mesmo que fossem transportadas em tamanhos menores e emendadas na obra, seriam fatores complicadores da montagem da estrutura. A montagem de pilares contínuos muito compridos não é simples, tanto que muitas vezes o pilar é dimensionado não apenas para os esforços de compressão e flambagem próprios a sua função na estrutura, mas também para esforços de momento fletor decorrentes da montagem, já que, ao tirá-los da posição horizontal para colocá-los no lugar, eles sofrem esforços semelhantes aos de uma viga.
Outro fator importante é o tipo de engaste. Em edifícios de maior altura, engastes simplesmente apoiados exigem elementos de contraventamento e maior secção de pilares, pois estes trabalham com maior comprimento de flambagem. Quando a estrutura trabalha de maneira reticulada, com nós hiperestáticos a cada pavimento, a secção diminui e a estabilidade global permite edifícios mais altos.
A estrutura alia núcleos hiperestáticos compostos de vigas e pilares e lajes alveolares baseados no sistema K, a elementos TT, que têm excelente desempenho no vencimento de vãos horizontais.
A secção apropriada encontrada em catálogo para laje TT protendida tem 60 centímetros de altura e recebe 5cm de comprimento posterior. Essa secção chega a vencer até 15 metros com sobrecarga residencial. Entretanto, apesar do uso de paredes leves, foi adotado para as lajes TT o comprimento de pouco menos que 12 metros, tendo em vista que esse é o gabarito de transporte rodoviário comum.
Os furos para ventilação e passagem de tubulação são previstos na moldagem desses elementos quando também forem aplicados insertos metálicos nas lajes que receberão os painéis de fechamento.
Para a montagem da superestrutura e dos painéis de fechamento, a opção mais econômica é a adoção de ponte rolante, uma grua deslizante em forma de pórtico. Para edifícios mais altos e em terrenos acentuados, um guindaste sobre trilhos ou sobre rodas seria mais adequado.
Fechamento e vedo:
Sobre as placas TT fixam-se painéis pré-fabricados de concreto leve, que também possuem insertos para acoplagem nas lajes e em outros painéis. A caixilharia de alumínio é instalada nos painéis, e as venezianas com trilho são instaladas nas lajes.
Para o fechamento do núcleo de circulação e cozinha, foram adotadas elementos vazados de concreto associados a venezianas translúcidas de PVC, que garantem que a luz atravesse esses ambientes e chegue nas escadas.
Para as paredes, uma boa possibilidade seria o dry-wall de GRFC, cuja placa padrão tem 2,40 de altura, a mesma dimensão do pé direito das habitações. As placas de GRFC, já experimentadas em conjuntos habitacionais, são leves e têm bom desempenho nas paredes externas e de áreas molhadas. Nas outras áreas, o GRFC pode ser substituído por gesso acartonado por razões econômicas.
Houve preocupação com a padronização dos banheiros para que pudessem ser totalmente pré-fabricados em dry-wall ou concreto leve, tecnologia disponível no mercado nacional. Os banheiros poderiam também ser pré-fabricados em partes menores ou ser do tipo convencional.
O guarda-corpo metálico tem modulação padronizada e utiliza os mesmos insertos dos painéis .
Para cobertura, foi adotado um telhado metálico que determina o pavimento técnico, onde se localizam as caixas d’água e casa de máquina. A cobertura permite fácil acesso aos barriletes, aquecedores ou boilers, em caso de energia solar.
As lajes TT dispensam muitos cuidados de impermeabilização, podendo-se suprimir o telhado por razões econômicas. O resultado, porém, apresentaria desempenho térmico bastante piorado, uma vez que a presença desse pavimento técnico permite circulação de ar entre a laje de cobertura e o telhado.
Com esses componentes, foram propostos dois tipo de edifícios: um para orientação norte e outro para orientação leste-oeste. O processo de montagem da superestrutura e do fechamento foi ilustrado para um conjunto de orientação leste-oeste de 4 pavimentos. Apesar de mais complexa a aplicação proposta usa os mesmos elementos e processo de montagem, inclusive no prédio de orientação norte.
Aplicação do sistema – Av. 9 de julho
A despeito da boa localização e do bom provimento de transporte público, não foi feita nenhuma análise mais profunda acerca da viabilidade de se implantar um conjunto habitacional nessa área. A decisão de se aplicar o sistema construtivo exposto nesse trabalho deu-se pelo fato de que seria necessário vencer o desafio da declividade e da verticalização para habitá-lo.
A implantação não altera significativamente a topografia do terreno, além de não interferir nas principais árvores e na escada que liga o viaduto à avenida 9 de Julho.
A decisão de não orientar nenhuma unidade para a avenida fez com que os dois grandes edifícios se dispusessem ortogonais a ela, o que acaba “quebrando” o paredão edificado que caracteriza o vale.
Um outro edifício foi implantado paralelo à rua Álvaro de Carvalho, recuado, de modo a criar uma praça de serviços, com estabelecimentos comerciais ocupando o térreo.
A cota da avenida liga-se à cota do viaduto pela escada previamente existente e à cota da rua através de escadarias que permeiam o terreno.
Os edifícios ortogonais ao vale têm unidades voltadas para os dois lados. O esquema de circulação foi pensado com o intuito de reduzir o uso dos elevadores, o que, além de proporcionar o pouco gasto de energia, economiza corredores de circulação horizontal e transforma as áreas de circulação horizontal em terraços de lazer. Nesses terraços, tem-se acesso às escadarias que atingem quatro habitações por pavimento, ou duas, no caso das extremidades.
Os elevadores podem ter duas paradas apenas nos terraços de circulação. No caso de pararem nos demais pavimentos eles acessariam habitações adaptadas a portadores de deficiência física. A casa de máquinas, por sua vez, localiza-se no pavimento acima ao último terraço de circulação.
O edifício paralelo ao vale tem circulação convencional por corredor, pois a posição do sol não permite habitações voltadas para ambos os lados. Na face sul localizam-se os corredores de circulação, que têm vista para o vale. Há apenas um elevador para o prédio. Caso haja necessidade de manutenção, o elevador do prédio vizinho pode ser usado, graças às ligações existentes entre os dois prédios.
Devido à circulação por corredor, nesse edifício a área dos apartamentos é menor, e, além das tipologias de 1 dormitório, 2 dormitórios e quitinete, foram propostas unidades tipo flat, sem lavanderia.
Em função do “encaixe” das tipologias em planta, o número de unidades de cada tipo é muito flexível nos dois tipos de edifício, podendo variar de acordo com o desejado.