1. Arquitetura, paisagem, memória: um conceito ampliado de patrimônio
O projeto para o Centro de Informação (CI) do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ, da Petrobras valoriza a extraordinária paisagem em que se insere, marcada pelo diálogo entre elementos naturais e culturais.
O partido arquitetônico adotado integra-se produtivamente ao conjunto paisagístico, contribuindo de maneira dinâmica para a visualização dos aspectos naturais e culturais existentes – com destaque para as ruínas do Convento de São Boaventura.
Mas a nova edificação não contempla apenas a paisagem existente. O Centro de Informação é o passo inicial de um empreendimento que, sob diversos aspectos, transformará significativamente o sítio e seu entorno, física, econômica e culturalmente. Em certo sentido, trata-se de uma edificação situada, mais do que entre as ruínas e as instalações industriais, entre o passado e o futuro. Assim, o projeto contempla e valoriza o sítio histórico, voltando-se simultaneamente para o futuro.
Em termos geográficos, a separação “passado” x “futuro” coincide com uma clara separação das próprias zonas de ocupação do sítio do COMPERJ: a Oeste, o sítio “histórico”; a Leste, as grandes instalações do Pólo Petroquímico. A polarização Leste-Oeste define um interessante eixo. Ao posicionar-se longitudinalmente sobre esse eixo, no alto da colina reservada para a nova edificação, o edifício enfatizada tais relações.
Outro elemento importante é a deflexão de aproximadamente 12º existente entre o plano da fachada principal do Convento e o eixo Leste-Oeste. Do ponto de vista da relação entre a nova edificação e a área da ruína, esse deslocamento de eixos constitui um potencial para o projeto. Nossa percepção é a de que o sítio guarda relações geométricas prontas para serem reveladas e enfatizadas. A reconstituição hipotética da planta baixa do convento de São Boaventura (GUZZO, 1999), com sua simplicidade e rigor compositivos – com destaque para o recorrente claustro quadrado, à maneira de boa parte das edificações franciscanas brasileiras – apenas confirma a percepção dessa geometria latente.
Outro dado considerado é a coincidência entre a cota de soleira da ruína principal e a cota máxima da colina onde se localiza a área de projeto (+18,00m). As potenciais relações entre as ruínas (sobretudo a ruína do Convento) e a nova edificação levam em consideração esta coincidência de cotas, e não apenas a posição em planta de ambas e a distância linear que as separa entre si.
Da interpretação desses dados decorreu a definição da implantação e do partido do projeto. Ambos – implantação e partido arquitetônico – resultam de uma seqüência de determinantes projetuais básicas:
i. privilegiar a horizontalidade em detrimento da verticalidade;ii. definir uma cota de soleira básica grosso modo na mesma altura da cota de soleira do convento;iii. utilizar o eixo Leste-Oeste como geratriz espacial do edifício, que resulta linear e expansível;iv. em contraposição à linearidade e à expansividade do edifício, definir uma zona de limite e contenção, relacionada com no sistema de coordenadas definido pelo plano da fachada principal da ruína do convento de São Boaventura.
Tais princípios se somam à percepção de que o projeto deve adequar-se às múltiplas escalas ou dimensões do sítio, a saber:
i. a dimensão do programa de necessidades, com compartimentos e usos específicos;ii. a dimensão do “terreno”, com área de intervenção com limites bem definidos;iii. a dimensão do COMPERJ, com sua multiplicidade de usos, e de dimensões de edificações e equipamentos;iv. a dimensão territorial, na qual participam todos os elementos geográficos existentes, com destaque para a planície de topografia levemente acidentada envolvida pelos contrafortes da Serra do Mar.v. a dimensão sócio-cultural, na qual a arquitetura é pensada no âmbito da diversidade sócio-cultural da região.
O projeto ocupa a extremidade mais a Noroeste da poligonal destinada a abrigar o Centro de Informação do COMPERJ, e se distribui a partir da cota de cumeada da colina (aproximadamente, cota +18,00m), e consiste de dois gestos arquiteturais distintos mas complementares:
i. O edifício linear, modulado e expansível, disposto na direção leste-oeste.ii. A quadra murada de 100m x 100m, virtualmente inscrita no sistema de coordenadas definido a partir do plano de fachada da ruína do convento de São Boaventura.
A quadra murada, repare-se, não é uma analogia genérica aos claustros e adros quadrados das edificações franciscanas brasileiras; é, por assim dizer, a recuperação e revalorização do sistema espacial territorial e, outrora, urbano da Vila seiscentista, definido a partir do plano da fachada do convento, e que, assim como outrora repercutiu na urbanização da vila, repercutirá, hoje, de modo instigante, na situação da nova edificação.
Coerentemente, o sistema espacial projetado optou, deliberadamente, por não dar exclusividade ou supervalorizar a contemplação ininterrupta das ruínas existentes, muito menos estabelecer uma bi-polaridade entre, numa extremidade, as duas ruínas e, na outra, a nova edificação. Buscou-se ao contrário revelar e valorizar, através das estratégias de implantação, toda a paisagem natural e cultural, aí incluídos os elementos históricos em toda a sua abrangência – com destaque não apenas para o convento, mas para os traços (revelados ou a serem revelados) da vila seiscentista.
Nesse sentido, a contemplação das ruínas deve ser uma das dimensões que compõem a percepção de um território muito mais amplo – território que exorbita o terreno atual das ruínas, e que inclui, entre outros, o próprio terreno em que se situa o CI. Conquanto afastadas fisicamente (cerca de 150m), ruínas e CI pertencem a um único sítio, espacial e sobretudo temporalmente (leia-se, historicamente) dinâmico.
Deve ser destacado ainda que o sistema espacial projetado em certa medida reproduz uma das características mais ricas e instigantes da atual situação das ruínas na paisagem, a saber, que a aproximação até elas (de automóvel ou de ônibus, futuramente de bicicleta, através da via de acesso ao sítio que corre por entre as colinas) é uma seqüência de visadas na qual, por conta da sua variação da topografia, as ruínas ora são inteiramente visíveis, ora apenas parcialmente, ora completamente obstruídas pela topografia.
Analogamente, os visitantes do CI (e, repare-se, são eles por definição visitantes em movimento, que se deslocam por boa parte do período em que permanecerão no CI), ao se deslocarem pelos espaços externos, internos e pelas varandas periféricas do edifício, serão constantemente confrontados por uma multiplicidade de vistas e enquadramentos, ângulos diversificados e muitas vezes inesperados. No decorrer desse trajetos, as ruínas são protagonistas em grande parte dos momentos (nomeadamente desde o interior do Museu que a tem como tema), mas não em todos. Outros haverá em que as ruínas serão colocadas como que entre parêntesis, e o protagonismo passará a caber a outros elementos da paisagem - a Serra do Mar, ao norte, o prazenteiro céu do sul, o skyline redesenhado pelas instalações industriais do COMPERJ à leste.
Percebe-se portanto que só à primeira vista o muro que envolve a quadra é um obstáculo à boa percepção da paisagem. Não é; ao contrário, é um elemento que valoriza e qualifica a paisagem como um todo e seus elementos constituintes em particular.
A opção por não voltar todo o edifício para as ruínas não foi portanto apenas decorrência do fato de que, a partir de um determinado horário, a vista das ruínas desde o CI é prejudicada pelo ofuscamento causado pela sol poente. Foi, antes, a compreensão de que, ainda que protagonistas, as ruínas existentes são um dos acontecimentos plásticos de uma paisagem de riqueza ímpar e variegada.
São ainda princípios fundadores do projeto:
i. Adaptabilidade - a capacidade de o edifício adequar-se a modificações programáticas, temporárias ou perenes, com introdução de novos itens de programa, modificações de áreas, de setorização e de dimensões de equipamentos.
ii. Expansibilidade - a capacidade de o edifício expandir-se, adequando-se a demandas de aumento de área decorrentes da incorporação de novos usos, ou da necessidade de aumento da área de setores do programa.
iii. Modulação. Todo o edifício obedece a um sistema modular, estabelecido a partir de um módulo básico de 62,5cm, adequado ao emprego de componentes construtivos de piso, parede e teto, e que gera um multi-módulo de 5m (módulo espacial básico de 5x5m). O sistema modular ordena a obra desde o projeto até a execução – inclusive com desdobramentos futuros. De um modo geral, o projeto foi guiado pelo princípio da coordenação modular.
Cabe frisar que, desse modo, eventuais modificações não implicarão qualquer prejuízo para a integridade formal do edifício, o qual resulta sempre formalmente íntegro e coeso. E isso em virtude de que o edifício foi definido originalmente em função dos princípios de adaptabilidade, expansibilidade, modulação.
O mesmo princípio comandou a definição do partido estrutural da edificação. O projeto estrutural foi concebido buscando a máxima racionalização e a melhor integração de todos os procedimentos construtivos. A definição da estrutura de aço foi regida pelos princípios da padronização e da recorrência, com componentes e vãos que se repetem por toda a extensão da edificação. A opção pela estrutura em aço, além de permitir um canteiro seco, com características de montagem, levou igualmente em conta – para além de suas propriedades de resistência e durabilidade – a maior velocidade da obra, a minimização da geração de rejeitos de obra (sobretudo fôrmas) e o fato de ser o aço um material 100% reciclável.
O módulo estrutural básico é composto por quatro apoios que suportam um par de vigas principais, com vãos de 15m. As vigas principais suportam vigas transversais de 15m de comprimento (vão de 12,5m e balanço de 2,5m), afastadas 5,0m entre de si.
As vigas transversais, por sua vez, sustentam pré-lajes de 5,0m de comprimento, que se solidarizam com a estrutura metálica e concorrem para o travamento do sistema; na extremidade dos balanços, tirantes suportam a extremidade exterior das lajes de piso da varanda.
O módulo estrutural básico define, ele mesmo, o macro-módulo espacial básico do edifício. Assim, de sua multiplicação resulta não apenas o arcabouço estrutural da edificação, mas, a rigor, a própria forma e o espaço arquitetônicos.
Por não haver informações de sondagem da área, e partindo-se da premissa de que se trata de solo “bom”, foram lançadas fundações superficiais (sapatas de concreto armado para escoamento das cargas dos pilares e vigas-baldrame para apoio das lajes de piso).
iv. Flexibilidade de lay-out e arranjos - A flexibilidade é um preceito mandatório no que se refere a alguns dos usos que compõem o edifício do CI. Notadamente, biblioteca, museu e administração são compartimentos que supõem, necessária e constantemente, a possibilidade de alteração de lay-out, configurações espaciais e mudança de equipamentos.
v. Clareza e funcionalidade - Clareza e funcionalidade são atributos essências a uma edificação destinada a receber grupos de visitantes que poderão reunir até 200 pessoas.
Após o ingresso na área de projeto, a partir da guarita de segurança, faz-se a clara separação entre o acesso de visitantes e o de funcionários/serviços (este, como convém, mais dissimulado). Desembarque, estacionamentos de veículos e de ônibus situam-se mais a sudeste, próximos tanto ao ingresso de visitantes do CI quanto de uma área reservada para eventual futura expansão (caso a Direção do COMPERJ o julgue conveniente)
Após o desembarque, os visitantes ingressam no interior da grande quadra, instante em que percebem todo o conjunto e têm uma visão privilegiada da ruína do Convento. Caminhando ao longo da Praça Cívica, chega-se à recepção. Esta é localizada em posição central e estratégica, permitindo acesso direto aos principais setores que compõem o edifício, a saber:
- Salão e Museu;- Biblioteca;- Foyer e Auditórios (grande auditório e visualização 3d);- Espaço do Memorial e Museu a Céu Aberto;- Salas de Reunião;- Setor Administrativo.
vi. Acessibilidade universal - Cem por cento dos espaços do Centro de Informação são acessíveis aos portadores de necessidades motoras especiais.
No que concerne ao paisagismo, a proposta lança mão e potencializa os elementos físicos e culturais existentes. Em termos do gesto paisagístico, foi dado destaque à valorização da coexistência das diversas escalas da paisagem, desde a escala imutável do pedestre ao grande cenário que envolve toda a região do COMPERJ. Mais do que trabalhar na paisagem, optou-se por trabalhar com a paisagem.
O objetivo foi evitar que o projeto paisagístico para o CI fosse tratado como uma realidade independente do sistema ecológico-paisagístico do Complexo. A área onde se instalará o CI, utilizada até muito recentemente como pasto, apresenta-se degradada, com predominância de cobertura herbácia. Dessa ocupação não conservacionista, oriunda de exploração agropecuária, restaram, aqui e acolá, pequenos fragmentos de mata secundarizada em estágio médio e avançado de regeneração.
Alguns desses fragmentos estão localizados em linhas de drenagem natural. A partir deles, o que se pretende é, utilizando-os como potencial para reestruturação das áreas úmidas existentes, estender e emendar, através de componente vegetal arbórea, a proteção das áreas ambientalmente tencionadas, incorporando-as definitivamente ao cinturão verde do COMPERJ, onde espaços compreendidos entre a área do CI e a Área Industrial naturalmente se articulam.
Coerentemente, o tratamento paisagístico do entorno imediato do edifício do CI foi concebido como momento de transição entre a densidade das áreas de mata e os vazios dos jardins. Assim, na área de intervenção definida pelo edital, buscou-se soluções de poucos gestos, que oscilarão entre o plantar e o não plantar, segundo os reclames da paisagem atual e futura do sítio (vale ressaltar que esses plantios utilizarão os diversos estratos de uma componente vegetal a ser proposta e respeitarão as especificidades dos compartimentos paisagísticos identificados). Do mesmo modo, o sistema viário projetado rejeitará soluções de arborização convencional, buscando, ao contrário, inserir-se em um compartimento paisagístico ambientalmente coerente e adequado, capaz de atender a necessidades estéticas e de conforto climático.
A escolha da componente vegetal a ser implantada no terreno (área de intervenção stricto sensu) considerou o elenco de plantas cultivadas pertencentes ao Sistema Vegetal Atlântico. Deu-se assim continuidade ao modelo ecogenético que deverá atender, na formação do cinturão de vegetação do Complexo Industrial, a requisitos específicos, aptos a requalificar a grande paisagem como ecossistema de substituição e medida mitigadora de impactos na área de influência direta do empreendimento.
Satisfazendo a um só tempo necessidades de caráter ecológico, de conforto climático e estéticas, a escolha de vegetação, nos seus estratos arbóreos, arbustivo e herbáceo, priorizou espécies de valor reconhecidamente ecológico, voltados para uma componente vegetal rica em floração alternada, onde a variedade de essências elencadas marcarão com sua presença a sazonalidade do continuum paisagístico a ser criado.
O partido é, ademais, potencializado pela presença de um dos gestos fundadores do projeto arquitetônico, qual seja, a quadra de 100x100m que forma como que um recinto a céu aberto, marcando e delimitando, na vastidão da paisagem, um importante referencial territorial. Este elemento, de forte presença geométrica, articula o construído e o plantado, e estabelece um momento de transição entre dentro e fora. Sua forma, aparentemente rigorosa, a todo momento responde e valoriza os inúmeros e variados acontecimentos da paisagem, em suas diversas escalas, contemplando desde as necessidades de acessos aos edifício até as aberturas estratégicas que enquadram as visadas externas, com destaque para as ruínas.
Deve-se destacar nesse sentido a preocupação do projeto paisagístico com a liberação das visadas das ruínas desde os principais pontos do percurso dos visitantes do CI. Coerentemente, um dos gestos iniciais do projeto paisagístico foi definir um cone de preservação de visadas. Dentro desse cone, a partir da ala Oeste do CI, o plantio é sempre mais rarefeito.
De resto, embora as exigências do Concurso quanto ao tratamento paisagístico limitem a área de intervenção ao entorno imediato do Centro de Informação, o prolongamento do gesto paisagístico pode representar a oportunidade para que todo o conjunto se assente em uma paisagem saudável e equilibrada.
Essa afirmação, aparentemente ambiciosa, encontra paradoxalmente apoio e viabilidade na própria implantação do Complexo Industrial. Pois o projeto paisagístico e seus desdobramentos ambientais deverão ser utilizados, por força da legislação vigente, como medida mitigadora dos impactos advindos de projeto de tal magnitude.
Assim, o que se pretendeu com o complemento do projeto ora apresentado (leia-se, a extensão do gesto paisagístico, à guisa de sugestão, cabendo bem entendido à Petrobras a opção por sua implantação ou não), foi aproveitar a oportunidade que ora se apresenta e ampliar a ação requalificadora das áreas envoltórias do terreno do CI (que incluem, além do sítio arqueológico e a área das ruínas históricas, a grande área verde que precede, a Oeste, o início da área industrial), articulando-as ao grande cinturão verde que envolve o COMPERJ e que deve constituir-se em grande área de amortecimento e corredor ecológico.
Para tanto, o que se propõe é, inicialmente, aproveitar do sistema viário existente como via secundária, com características de Estrada Parque, capaz de propiciar acesso e visitação (controlada e independente do sistema de circulação do CI e do COMPERJ como um todo) a novos centros de interesse, desde logo identificados pelas comunidades locais com a implantação do Complexo Industrial.
Além das ruínas do Convento de São Boaventura, poderão receber visitação controlada áreas de seu entorno, transformadas em áreas de valorização do mosaico florístico local e regional, tratadas segundo seu caráter ecogenético. Como conseqüência, surge a possibilidade de criação de um parque – o Parque de Santo Antônio de Sá (nome dado em homenagem à villa seiscentista outrora existente no sítio), centro de lazer e cultura, identificado com a presença requalificadora da Petrobras na região.
Destaque-se por fim que a grande área de amortecimento e de proteção permanente localizada, de acordo com o projeto, no trecho situado entre o terreno do CI e a área industrial, operará como um filtro para os gases gerados pelo complexo industrial eventualmente trazidos pelo vento Leste (predominante).
Deve-se deixar claro que o projeto de paisagismo ora apresentado (restrito à poligonal que limita a área de projeto) independe da eventual implantação do parque. De resto, é ocioso dizer que a implantação do Parque ora apresentado à guisa de sugestão caberá bem-entendido à Petrobras e à Direção do COMPERJ.
2. Eficiência energética e sustentabilidade
O projeto leva em consideração a política de responsabilidade sócio-ambiental da Petrobras, e apresenta uma proposta de arquitetura sustentável baseada no conceito de sustentabilidade ampliado, presente na Agenda 21 Brasileira elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente, trabalhando não só com a sustentabilidade ecológica e ambiental, como também, com a sustentabilidade econômica, social e cultural, fundamentais para regiões em desenvolvimento. O projeto alinha-se, portanto, às ações da Petrobras voltadas para o desenvolvimento sustentável local da região de Itaboraí.
O partido arquitetônico apresenta soluções que, além de promover, entre outros fatores, o uso eficiente da energia, o reuso da água e a diminuição dos rejeitos durante a construção e a operação do empreendimento, estimulam a geração de emprego e a inclusão social, aproveitando para tanto os recursos materiais e humanos da região.
Dentro dessa ótica, o projeto contempla igualmente as seis dimensões que regem o sistema LEED de classificação e de certificação de edificações eco-eficientes, a saber: Sítios sustentáveis; Eficiência hídrica; Energia e Atmosfera; Materiais e recursos; Qualidade ambiental interna; Inovação.
O projeto também atende os requisitos técnicos de eficiência energética do Decreto no 4.059, de 19/12/2001, podendo se classificar para etiquetagem na Faixa A (mais eficiente) dos níveis de eficiência energética das edificações estabelecidos pelo Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (PROCEL), incluindo: o desempenho térmico da envoltória, a eficiência e potência instalada do sistema de iluminação e a eficiência do sistema de condicionamento de ar, bem como a implementação de sistemas de energia alternativa.
Em termos de sustentabilidade ecológica e ambiental foram enfatizadas as seguintes questões:
i. eficiência energética no consumo de energia, tanto na execução quanto na operação do edifício com o uso de sistemas passivos e fontes alternativas de energiaii. diminuição de rejeitos durante a construção e operação do edifícioiii. gestão de RCD com a utilização de materiais que possuam na sua composição resíduos de construção e demolição (RCD)iv. utilização de materiais construtivos com conteúdo recicladov. utilização de materiais construtivos com potencial de reciclagemvi. preservação dos recursos hídricos e o reaproveitamento da água
Em termos de sustentabilidade econômica, social e cultural foi dado ênfase ao aproveitamento dos recursos materiais e humanos da região com:
i. uso de materiais extraídos, processados e fabricados regionalmenteii. métodos e sistemas construtivos tradicionais, aliados à utilização de tecnologias inovadoras
2.1. Sustentabilidade ecológica e ambiental
As diretrizes de projeto em relação à sustentabilidade ecológica e ambiental foram pautadas por duas dimensões fundamentais, a saber:
a) aquelas definidas em função do conforto e bem-estar do usuário durante a operação do edifício, visando à eficiência energética no consumo de energia;b) aquelas definidas em função da qualidade eco-ambiental dos materiais empregados, assim como dos métodos e sistemas construtivos.
2.1.1. Conforto e bem-estar do usuário
Do ponto de vista do conforto e do bem-estar do usuário, teve-se sempre ter em mente que a maior parcela da energia consumida por uma edificação como a do CI é voltada para o conforto ambiental das pessoas, mais precisamente, para seu conforto térmico-lumínico (sistemas artificiais de condicionamento interno do ar e iluminação dos ambientes).
Além de dotar a edificação de sistemas alternativos e complementares de geração de energia renovável, como painéis solares e células foto-voltaicas, o projeto partiu do princípio de que uma edificação é tão mais eficiente quanto menor for a sua demanda por energia transformada, vale dizer, que, mais importante do que gerar energia renovável (solar, eólica, geotérmica, de biomassa ou hídrica de baixo impacto) É diminuir sua demanda com a utilização de sistemas passivos de iluminação e ventilação.
Cabe destacar a propósito que um dos aspectos importantes da sustentabilidade nas edificações é contribuir para a redução do impacto ambiental proveniente da extração e do processamento de materiais novos, sobretudo os não renováveis. Desse ponto de vista, não se deve esquecer que muitos dos elementos empregados para a co-geração são, eles mesmos, produtos industrializados (fruto de extração e processamento), ou seja, que, em sua produção, geraram emissão de gases nocivos à camada de ozônio. Uma vez mais, fica evidente que, mais do que prover o edifício de sistemas alternativos de geração de energia, uma arquitetura sustentável é aquela que atende aos critérios de conforto ambiental de seus usuários, primeiramente, através de sua implantação, da escolha dos materiais empregados e de suas soluções formais.
Coerentemente, o projeto foi concebido de modo a considerar as características ambientais e climáticas da região em que se localiza, lançando mão, a seu favor, notadamente, da incidência de radiação solar, do regime de ventos, dos padrões de temperatura e umidade e da qualidade do ar. Definiram-se assim atributos fundamentais para definir uma arquitetura sustentável e eco-eficiente:
(i) Implantação sustentável: melhor orientação solar e favorável aos ventos.
O objetivo foi conjugar o melhor aproveitamento dos ventos predominantes (leste-sudeste), e as inúmeras vantagens advindas de uma implantação na qual predominam planos de fachada voltados para norte ou sul (e, conseqüentemente, um percentual mínimo de planos de fachadas voltados para leste ou oeste).
Cabe salientar que na latitude do Rio de Janeiro, a soma da radiação solar incidente nas fachadas leste e oeste, ao longo do ano, por m2, é superior a 50% maior que a soma da radiação solar incidente nas fachadas norte e sul.
No caso do projeto ora apresentado, tem-se 77% de planos de fachada orientados para norte e sul (240m lineares), contra 23% de planos de fachadas orientados para leste e oeste (70m lineares). Na prática isso implica, na latitude do Rio de Janeiro, uma diminuição de pelo menos 20% de incidência de radiação solar sobre os planos de fachada, o que, por si só, resulta em uma economia substancial de carga térmica (consumo de energia para promoção de conforto térmico).
(ii) Envelope térmico natural: emprego de soluções pouco custosas e altamente eficientes de sombreamento e isolamento térmico dos ambientes de permanência prolongada.
O absoluto predomínio de planos de fachadas voltados ou para norte ou para sul permite que se lance mão, com máxima eficiência, de elementos tradicionais e pouco custosos de promoção de conforto ambiental (marca da arquitetura brasileira, colonial e moderna): Brise-Soleil, Varanda Coberta, Isolamento térmico da Cobertura e Elevação do Chão. O emprego desses elementos e estratégias, aliado à forma pavilhonar longitudinal e a correta orientação da edificação, evita o ganho de calor indesejável para os ambientes internos. Através de sistemas de sombreamento, evita-se sempre a radiação solar direta, que, além de ser prejudicial para o conforto lumínico, causando ofuscamento, aumenta significativamente a carga térmica dos ambientes, ficando a edificação servida de luz natural oriunda da radiação indireta difusa e refletida, favorável para o conforto térmico-lumínico do usuário.
(iii) Sistema integrado de iluminação, ventilação e exaustão de ar natural: sheds, jardim interno com pergolado e sistema de abertura das janelas.
(iv) Variação dos pés-direitos dos ambientes de acordo com seus usos e funções.
Outra importante definição de projeto foi o aproveitamento do caimento natural do terreno, para a adequação dos pés-direitos dos ambientes a seus usos e funções. A conseqüência disso é, por regra, uma diminuição da cubagem de ar a ser climatizado artificialmente. Repare-se que isso se dá sem prejuízo da coesão forma do edifício, uma vez que a não há variação na linha de cobertura.
A combinação da melhor orientação solar com a presença extensiva de estratégias, espaços e anteparos arquitetônicos concorre para que o edifício seja eficiente em dois cenários principais:
- quando, em de temperaturas amenas, opte-se por não acionar o sistema de climatização artificial (contando com a possibilidade de circulação cruzada de ar em cerca de ¾ do edifício);- quando, em dias de altas temperaturas, o sistema de climatização artificial seja acionado. Neste caso, por conta do alto grau de isolamento térmico do edifício, o sistema de climatização irá sempre operar a uma carga substantivamente menor. Explicita-se assim que um dos preceitos do projeto é, em vez de remediar os efeitos de uma excessiva incidência direta de sol, impedir que esta aconteça.
Desse modo, não se descartam totalmente as soluções artificiais para o conforto ambiental dos usuários e, sim, objetiva-se o uso eficiente desses recursos, colaborando para a diminuição de impactos ambientais negativos ao aproveitar corretamente os sistemas passivos de iluminação e condicionamento interno do ar.
Cabe destacar por fim que, conforme afirmou Nelson Kawakami, diretor do Green Building Council Brasil, “a sustentabilidade não cria nada novo, mas resgata coisas que já existiram”. Nesse sentido, o projeto do CI se inscreve na melhor tradição da arquitetura moderna brasileira – aquela que, a partir soube lançar mão das características do clima tropical para produzir, através do emprego de brise-soleils, cobogós, varandas, etc, uma arquitetura original e inovadora.
2.1.2. Qualidade eco-ambiental dos materiais, métodos e sistemas construtivos
No que concerne à qualidade eco-ambiental dos materiais, métodos e sistemas construtivos, o projeto foi pautado pelos seguintes princípios:
(i) Sistemas construtivos eco-eficientes(ii) Preservação dos recursos hídricos(iii) Reaproveitamento da água(iv) Uso de matérias produzidos na região(v) Materiais Com Melhor Performance Térmica(vi) Mínimo movimento de terra(vii) Mínimo uso de madeira(viii) Adequação climática da construção(ix) Geração de energia alternativa
2.2. Sustentabilidade econômica, social e cultural
O emprego de materiais regionais, localizados a uma distância máxima de 500Km distanciado empreendimento, principalmente o uso extensivo de cerâmica vermelha fabricada pelas indústrias do pólo-cerâmico de Itaboraí, reflete a sustentabilidade econômica, social e até mesmo cultural do projeto.
Levou-se em conta o fato de Itaboraí possuir empresas já certificadas que ofertam produtos com processos industriais de baixo consumo de energia e considerando a vocação econômica da região, se dá preferência ao uso da cerâmica vermelha como um dos materiais construtivos do Centro de Informação do COMPERJ.
Cabe ressaltar que trata-se de um pólo cerâmico que, no período de 1998 a 2004, foi alvo do Programa de Conservação de Energia, voltado para a indústria da cerâmica vermelha, desenvolvido pelo SEBRAE/RJ em parceria com o Procel/Eletrobrás, o INT – Instituto Nacional de Tecnologia e a GTZ – Agência Alemã de Cooperação Técnica. O Programa tinha como objetivo a criação de empresas unidades de demonstração no uso eficiente de energia para servir de modelo para as demais empresas do setor.
Em visitas ao Município de Itaboraí, a equipe também coletou informações a respeito da expectativa da população sobre a implantação do Comperj e os efeitos dos fluxos migratórios que já se iniciaram. Os dados levantados nessa pesquisa de campo foram fundamentais para aprofundar e reforçar os conceitos sociais apresentados na proposta arquitetônica.
No setor de cerâmica vermelha, a grande preocupação é com a evasão dos funcionários das empresas cerâmicas que, em busca de uma melhor remuneração, poderão se deslocar para trabalhar no mercado que o Comperj induzirá na região. A capacitação da mão-de-obra local oferecida pela Petrobras já se iniciou e tem atraído grande parte dos trabalhadores das indústrias. Segundo a gerente de relacionamento externo do Comperj, Cláudia Labruna, o objetivo dos cursos, que já atraíram 21 mil pessoas, é garantir à população condições de igualdade na disputa pelas vagas que devem atrair pessoas de todo o País.
Segundo André Cantarelli, assessor técnico do Sindicato das Indústrias de Cerâmica Vermelha do Estado do Rio de Janeiro, há um grande receio de que, por falta de funcionários, empresas cerâmicas tradicionais, que vem lutando pela sobrevivência de uma geração para a outra, reduzam sua capacidade produtiva ou até venham a fechar por falta de mão-de-obra.
Na tentativa de contra-balancear essa situação, a escolha dos materiais cerâmicos no projeto do CI busca não só movimentar o mercado local dos produtos cerâmicos, oferecendo oportunidades para os empresários da região e colaborando na fixação da mão-de-obra nas cerâmicas, mas também criar um ícone que simbolize e valorize o saber e a cultura local de forma a incentivar a demanda desses produtos por outras edificações que serão construídas em função da implantação do Comperj.
Ressalta-se, ainda, que a sustentabilidade social buscada pelo projeto do CI está totalmente alinhada às adaptações que o Selo Leed deverá passar para atender a realidade brasileira e de outros países em desenvolvimento. De acordo com o Diretor Executivo do Green Building Council Brasil (GBCB), o engenheiro Nelson Kawakami, a questão social é prioritária no Brasil, por isso o Selo Leed para as edificações brasileiras deverá prever um sistema diferente dos Estados Unidos, pontuando as construções que trabalharem com a comunidade local.
Além disso, é importante ressalta-se que a utilização de produtos oriundos da cerâmica vermelha pelo CI está em sintonia com as estratégias de geração de emprego e inclusão social, promotoras de qualidade de vida, dispostas na Agenda 21 local e, também, com o conceito de sustentabilidade cultural, uma vez que os materiais utilizados remetem à tradição construtiva da região, presente, inclusive, nas ruínas que compõem a paisagem do entorno, o que faz com que o uso da cerâmica vermelha valorize não só a cultura material, como imaterial da comunidade.
3. À guisa de conclusão
Operando como centro de acolhimento de visitantes, o CI será a janela por meio da qual o público tomará conhecimento da dimensão das ações da Petrobras na região. Sob muitos aspectos, a imagem do projeto reflete a própria imagem do COMPERJ e da presença da Petrobras em Itaboraí: a alta tecnologia convivendo com o saber local, a indústria petroquímica valorizando a olaria, o aço dialogando com o tijolo.
O projeto do CI quer inscrever-se na viva tradição da arquitetura brasileira – aquela que sempre soube lançar mão das características do clima tropical e da cultura local para produzir, por meio do emprego de elementos como brise-soleils, pérgolas, varandas, sistemas construtivos e materiais locais, soluções formais e espaciais inovadoras, expressão de um modo particular de conjugar tradição e modernidade.
ficha técnica
Autores
Otávio LeonídioJoão Pedro Backheuser
Equipe de projeto
Arquitetura
Arq. Monica Cevidanes (coordenação)
Arq. Evelyn Gomez
Arq. Laís Camaz Vinhosa
Caio Calafate (estagiário)
Vitor Garcez (estagiário)
Juliana Gonçalves Pereira (estagiária)
Paula Daemon (estagiária)
Estrutura
Casagrande Engenharia e Consultoria
Eng. João Luis Casagrande
Eng. Carlos Fragelli (Consultor)
Instalações
PROJEM – Projetos de Engenharia Moderna Eng. Hamilton Caetano da Silva
Ar condicionado
Clima Engenharia
Eng. Pedro Sutton
Acústica
Roberto Thompson Motta Arquiteto Ltda
Arq. Fábio José Brússolo
Paisagismo
Arq. Fernando Chacel
Heloísa Alhadeff
Luminotécnica
Rio Branco & Faccini Arquitetura de Iluminação
Arq. Mônica Rio Branco
Impermeabilização
GTI – Projetos e Consultoria
Eng. Georg Thomas
Arq. Camila Grainho
Eficiência energética
Arq. Carlos Murdoch
Sustentabilidade
Arq. Helena Lace
Arq. Myrthes Santos
Conforto ambiental
Arq. Walter Teixeira
Esquadrias
MBP Consultoria de Esquadrias Ltda
Arq. Márcia Barbosa Batalha
Orçamento
CGE Engenharia e Consultoria Ltda
Luiz Antônio de Sousa da Silveira
Comunicação visual
Soter Design
Ana Soter
Perspectiva eletrônica
Flybumbax
Patrick Raynaud
Flavio Ramos
Consultores
Aço Usiminas
Eng. Humberto Belei
Eng. Ascânio Merrighe
Cabos de aço
Seafix
Paulo Moura Junior
Cozinha
LMC Consultoria Ltda
Eng. Luiz Antônio Costa
Segurança contra Incêncio
Mauri de Resende Vargas
Soluções integradas
Boxfile IT
José Mário Reis
Agradecimentos
Ana Luiza Nobre, Lourenço Diegues, Aníbal Coutinho, Sissel Backheuser, Prof. Odilon Cavalheiro.