Uma nova frente urbana para o TCA
“Quadro nenhum está acabado
disse certo pintor;
se pode sem fim continuá-lo,
ao além de outro quadro
que, feito a partir de tal forma,
tem na tela, oculta, uma porta
que dá para um corredor
que leva a outra e a muito outras”
João Cabral de Melo Neto
A construção de uma nova frente para o Teatro Castro Alves é a idéia central deste projeto.
A oportunidade de revisão da ocupação da atual estrutura e a necessária ampliação da mesma, a demanda de construção de um anexo, a conformação topográfica na qual está inserida o Teatro, levam à configuração de um díptico, uma estrutura espelho que revigora o lado posterior, novos espaços que ampliam e potencializam os já existentes, valorizando o conjunto atual sem desfigurá-lo, mas ao contrário, atuam como complemento e como extensão dos espaços originais.
Complexo Teatro Castro Alves, esquema, Salvador, 5º lugar concurso. GrupoSP e Núcleo Arquitetura, 2010
Desenho escritório
Estrutura do anexo: articulação, circulação e infraestrutura
O edifício anexo consiste em uma estrutura de aço que ocupa toda a extensão longitudinal da fachada posterior do Teatro, ampliando ao máximo as possibilidades de contato com a estrutura atual do TCA.
O objetivo é liberar por completo os atuais espaços do TCA destinando estes ambientes para suas atividades precípuas, por meio do deslocamento das atividades administrativas e de apoio para a nova estrutura, juntamente com o Centro de Referencia, configurando-a como uma estrutura servidora além de expressão de uma nova frente que arremata a arquitetura original.
O pano de alvenaria existente será aberto em sua quase totalidade enfatizando a relação com os novos espaços, além de sublinhar as estruturas verticais dos elementos servidores: elevadores, monta-carga, sanitários e todas as prumadas de instalações e ar condicionado, que se situam no espaço conformado pelo afastamento entre as duas estruturas e garantem o funcionamento de ambas.
Centro de referência: anexo integrado
A decisão de vincular diretamente o anexo à atual estrutura possibilita imaginar seus espaços também como extensão dos espaços existentes, seja fisicamente ou visualmente. Das oficinas, de um lado, se descortina a paisagem urbana de Salvador e, do outro, considerando o vazio e a transparência proposta, as atividades dos diversos espaços e diferentes pavimentos do TCA.
O Teatro experimental do CR, por sua vez, se articula com o palco principal e pode se constituir em um único espaço integrado e ampliado. A área do palco, por seu lado está totalmente liberada com o deslocamento dos camarins para estruturas metálicas no espaço aéreo do sobrepalco.
No Piso C os vestíbulos das salas de apresentação da OSBA e BTCA se configuram como varandas abertas à vista e compartilham o piso com as respectivas administrações.
Finalmente optou-se por deslocar integralmente a administração do TCA para nova estrutura, assim como a administração do CR, destinando os espaços atuais integralmente às atividades artísticas.
Redesenhando o anfiteatro externo: ligando a história ao futuro
Nada justifica a manutenção da estrutura existente da atual “concha acústica” em face de sua precariedade construtiva, dos sucessivos acréscimos que a desfiguraram e sua notável descontinuidade em relação ao conjunto edificado.
O novo Anfiteatro Externo proposto assume as premissas dos riscos originais de Fonyat e sua implantação do conjunto na borda do Campo Grande, sendo deslocado para o eixo do conjunto. Trata-se de uma operação vital e simbólica, de resgate de um elemento histórico que aponta definitivamente para o futuro o novo TCA. A antiga platéia não foi suprimida simplesmente. Integra-se ao novo anfiteatro como sua extensão natural, podendo oferecer lugares excedentes ao ar livre e, simultaneamente, aumentando a cobertura vegetal do local.
A construção na nova platéia organiza e resolve simultaneamente a construção da estrutura de estacionamento que não se configura propriamente como um subsolo, mas toma partido da situação topográfica, além de se associar a estrutura do anexo, das prumadas de circulações e serviços, e servir diretamente ao novo conjunto, abrigando não somente vagas de veículos, mas atividades de serviços e apoio do programa.
Este novo anfiteatro, além de se incorporar mais organicamente ao conjunto, admite ainda seu uso e acessos independentes. A platéia, no entanto, cheia ou vazia, está mais vinculada à vida cotidiana do conjunto. Ademais, a solução sublinha a situação geográfica existente, incorporando a vertente oposta arborizada ao conjunto.
Praça aérea: espelho dos espaços anteriores
A praça, pátio aéreo, resultante da operação de cobertura do anfiteatro externo é o elemento público protagonista, como reflexo do espaço público da frente oposta, o Campo Grande.
Este espaço – que poderia se chamar Espaço Bina Fonyat - se liga diretamente a nova sala de concerto, cinema, memorial além da galeria de recepção e acesso ao conjunto. Esta servida por uma cafeteria além de um inusitado restaurante, sob o espelho d’água, que oferece um vista singular do anfiteatro externo.
A estrutura é constituída por três grandes vigas que delimitam o espaço do novo anfiteatro além de estabelecer com clareza o território da intervenção.
Vão livre e foyer: espaços integrados e abertos
O foyer- Espaço Lina Bo Bardi - assume de fato papel de vestíbulo principal do novo TCA para todas as atividades, inclusive aquelas relacionadas ao anfiteatro externo e novas atividades como Concerto e Cinema.
O deslocamento do restaurante para o Vão Livre no espaço da antiga administração permite resolver a demanda de sanitários ao público e libera todo o espaço do foyer para suas atividades afins, além de se constituir em outra atividade anímica.
A contra-rampa foi removida, devolvendo a continuidade existente originalmente entre Foyer e Sala Principal. Uma nova rampa suave interliga o Vão livre ao Foyer assim como um elevador hidráulico promove sua conexão com o jardim suspenso integrando definitivamente as três superfícies.
Condições ambientais: acústica e conforto térmico
A acústica dos recintos será minuciosamente avaliada quanto ao isolamento das partes em relação a salas adjacentes e em relação ao exterior para garantir o nível de ruído de fundo compatível com o uso e, sobretudo, adequadas às referências fixadas no edital.
No teatro serão averiguadas as condições de reverberação e de isolamento existentes e na medida do possível serão mantidos os acabamentos existentes, apenas renovando os materiais gastos pelo uso. As novas condições respeitarão o elegante desenho original da sala principal, mas haverá substituição completa dos materiais por painéis de madeira nas paredes laterais e forro. O piso será em madeira, com carpete somente nas áreas de circulação. Será adotada a mesma solução na Sala de Concerto e Cinema.
Todas as salas de ensaio serão revestidas nas paredes e forros com painéis de madeira mais simples (em MDF furadas), complementadas com painéis de espuma lisa.
O anfiteatro externo apresenta somente a cobertura parcial, de modo que não haverá necessidade de tratamentos acústicos para controle de reverberação. Pela sua dimensão requererá um sistema eletro-acústico devidamente calibrado e com reforços intermediários, podendo-se prever varas e suportes para estes equipamentos. Para aumentar as possibilidades de apresentações um fundo montável poderá ser utilizado ou manter a massa arbórea existente a vista.
Nos demais ambientes – salas e circulação - adjacentes a salas de concerto e de ensaio, deverão ser previstas forros absorventes com NCR superior a 0,70 para redução do nível de ruído reverberante para que estes não interfiram nas atividades das salas.
As salas de equipamentos – de ar condicionado centralizado, de ventilação mecânica, de bombas e de motor gerador receberão revestimentos internos para redução do ruído reverberante e serão guarnecidos de atenuadores de ruído para tomadas e saídas de ar, quando necessários.
A fachada leste do novo edifício será guarnecida de quebra-sol que reduzirá em mais de 50% os ganhos de calor pela radiação, aumentando a eficiência do sistema de condicionamento do ar. Este quebra-sol será em vidro serigrafado branco para o máximo aproveitamento da luz natural, reduzindo-se a necessidade de complementação com a luz artificial além de conferir uma expressão arquitetônica ao conjunto.
Construção em etapas
O projeto foi urdido imaginando sua construção em etapas sem interferir de forma excessiva na vida cotidiana do conjunto.
A platéia do anfiteatro externo e o estacionamento são uma estrutura de concreto pré-moldado que pode ser montada após a consolidação do movimento de terra e contenções. A estrutura da cobertura e da praça é mais complexa em concreto, mas admite um sistema misto de montagem, sobretudo na execução da laje.
Já a estrutura do anexo foi pensada como montagem de estrutura metálica e seus componentes de acabamento e, uma vez finalizada, as intervenções no edifício existente seriam realizadas em sucessivas etapas minimizando o impacto por meio da utilização dos novos espaços já consolidados.
Finalmente as intervenções no foyer, vão livre e platéia principal seriam mais impactantes no funcionamento, mas organizadas e planejadas para se realizarem em prazos admissíveis considerando os usos possíveis em curso nas áreas renovadas.
O projeto tratou o conjunto de forma indivisível interligando todos os atuais ambientes com os novos. Desta forma os espaços estão sempre associados, entrelaçados em uma nova e íntegra unidade. Os desenhos não poderiam ser diferentes e revelam um edifício complementar e múltiplo. Este é o projeto apresentado: outros espaços, os mesmos desenhos, uma nova frente, um conhecido e agora renovado TCA.
ficha técnica
Autores: GrupoSP e Núcleo Arquitetura / Arquitetos Luciano Margotto Soares, Álvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luís Cláudio Marques Dias e Flávio Castro
Colaboradores: André Nunes, Júlia Caio e Fabricius Mastroantonio
Estrutura: Engenheiro Jorge Zaven Kurkdjian
Orçamento: Engenheiro Mauro Zaidan
Conforto ambiental: Arquiteto Sofia Kubo