Começamos a freqüentar o Bairro Demetria, em Botucatu, por volta de 2004/05, eu levado pela minha esposa, Silvia Sasaoka, que já havia morado ali em 1993/94, ex-professora na escola Waldorf criada lá pelos moradores do lugar, e entre pais de ex-alunos e vizinhos amigos, queria me mostrar esta experiência pouco comum de comunidade vinculada a uma filosofia, a Antroposofia, além de matar as saudades do lugar.
O que era um simples fim de ano tornou-se frequencia nas férias e feriados e enfim, uma casinha alugada, E quando os finais de semana se prolongaram cada vez mais, vimos que nos atraia a integração entre uma cultura de origem ‘urbana’ com o tempo rural que a produção dos meios de vida com base na agricultura determina no dia a dia. Vimos também que essa nova ‘proximidade’ se devia a um meio formado por pessoas de várias partes do país e, principalmente, do mundo, com uma educação contemporânea de valores humanistas exercidos diáriamente na convivência e no trabalho.
A Demétria (todos tratam o bairro como uma entidade feminina) é uma experiência iniciada em 1975, em torno da agricultura biodinâmica, e que se sustenta até hoje nos ideais e agora experiências com base nessa, como vi depois, cosmovisão. Ao longo do tempo tornou-se um pólo de reflexão próativa de questões sócioambientais e terminou por se abrir a outras filosofias e grupos vinculados ao tema, daí atrair pessoas de tantos lugares.
E foi assim que entendemos, vivendo nele, o significado profundo desse termo relativamente novo e pouco compreendido, o ‘Rurbano’.
O que nos impressionou desde o inicio foi o desenvolvimento, tanto no município de Botucatu quanto no bairro, feito de forma tão equilibrada em termos econômicos, socioambientais e culturais. Botucatu é dotada de infraestrutura muitíssimo adequada para o seu desenvolvimento - tendo tradição de alto nível de educação (as escolas católicas, Unesp, Fatecs, uma Sinfonica)- e a Demétria é hoje um bairro da cidade que, além de contar com a escola Aitiara (de grande porte para região) desenvolve uma rica variedade de iniciativas de produção e serviços ligadas ao desenvolvimento socioambiental e ecologicamente adequados.
Estudando um pouco mais a região, vi que Botucatu, e o Pólo Cuesta, é um Cluster de produção e serviços, assim caracterizado desde os tempos da Sorocabana, tendo sido até centro de irradiação do cinema: era sede de uma cadeia que se espalhava por todo o interior do estado. E tem hoje, por isso mesmo -para quem gosta de construção-, um ótimo parque de materiais e fornecedores, não só de industrializados como de toda a gama de naturais, artesanais e manufaturados. E por causa do parque industrial atual, Caio, Neiva, Embraer etc., tem fornecedores industriais de 1ª. Linha.
Durante as primeiras estadias, fomos apresentados a um projeto novo de condomínio no bairro, a Vila Ecológica Santa Rita, criada como uma Associação Rural, de propriedade coletiva, por João Batista de Oliveira, ambientalista, e um grupo interessado na aquisição de uma pequena fazenda junto a Demetria. Formamos com o grupo inicial e, finalizada a negociação, rapidamente foram vendidas todas as 65 áreas, o que me impressionou muito, pois não imaginava tal interesse numa proposta desse tipo: tanto quanto pessoas locais, as adquiriram paulistanos, pessoas de outros estados e mais alguns estrangeiros. A Vila, além das áreas individuais, terá 60% de áreas de recuperação e manutenção de Cerrado, Cerradão e ‘franjas’ de Mata Atlantica.
Acabei colaborando na definição de critérios de ocupação e construtivos da Vila, assim como participando da gestão, o que me levou a estudar com mais apuro o que seja o projeto e construção ditos ‘ecológicos’, que depois, para meu uso, defini mais precisamente como ‘ambientalmente adequado’.
Isso condicionou o partido técnico e arquitetonico da "casa 14 Bis", de madeira reflorestada, algum concreto e muitos painéis leves, assim batizada por um amigo, Antonio Kehl, ex-colega da FAU, que além de excelente editor gráfico é construtor e carpinteiro de mão cheia: quando lhe apresentei os esboços da estrutura de madeira, ele viu na hora uma similaridade com o aviãozinho do Santos Dumont. Me diverti muito, o monte de modelo de aviãozinho montado na infancia voltava assim, de surpresa.
Essa técnica de estrutura de madeira me foi apresentada pelo Ricardo Caruana em meados da década de 1980, ele o introdutor no Brasil da técnica suíça de nós estruturais metálicos com sistemas de viga-pilar-tirantes de madeira (o que torna o nó hiperestático e diminui o consumo de madeira, técnica desenvolvida no Institut du Bois, onde estudou com Julius Natterer, nos anos 1970), e que depois foi tão bem popularizada aqui pelo eng. Hélio Olga e o Marcos Acayaba. Fiz alguns estudos em 1993/94, usei-a no projeto da minha casa em São Paulo. em 1996/97, como 1ª experiencia, e vi, construindo eu mesmo com a equipe de obra, o quanto permitia de economia a racionalização.
A casa foi então desenhada a partir da estrutura: queria mostrar como se pode morar ‘ambientalmente adequado’ e dentro duma ‘estrutura habitável’, e fazer isso de tal modo que as pessoas quase não se dessem conta. Criei uma base de concreto ciclópico - francamente inspirada no Artigas ‘lendo’ o Wright - que suporta o esqueleto de madeira, elevado do solo p/ curtir melhor o clima e a paisagem da Vila e região.
O agenciamento e distribuição interna decorreram desse contexto, onde o mínimo de interferencia no terreno, assim como na paisagem, levou a uma implantação com terrapleno de pequeno porte, tendo o térreo área menor que o pavimento superior. A distribuição em 3 níveis ‘assenta’ os ambientes, uns no solo e outros ‘no ar’, conforme o uso diário, um para os filhos eventuais, um de cozinha/refeições/serviços, o superior de dormitórios, estúdio, estares e bares (tem 3, um japones, um frances, um americano; um costume aqui, ainda fez um amigo na cidade, o dr. Hamilton, médico, que em vez de salão de festa na casa, fez um perfeito boteco...).
Para manter as cargas leves na estrutura, usei piso composto de compensado naval e tábuas de cedrilho, painéis duplos de tetrapack reciclado nas divisorias, forro estrutural de compensado naval, os mesmos painéis e cobertura de telhas metálicas galvanizadas comuns. Era um mandato ambiental, também, que a implantação fosse desenhada integralmente, desde o início junto c/ o paisagismo, experiencia que me permitiu usar mais alguns procedimentos da arquitetura tradicional japonesa, que há tempos vinha estudando por se demonstrarem perfeitamente adequados nessas questões socioambientais de hoje em dia.
E assim eis que, com isso tudo, a casa 14 Bis tomou esse ar “nipo-caipira”, onde uma horta se combina com consultoria socioambiental, um lago de contenção de águas pluviais, com comunicação via satélite e por aí afora...
ficha técnica
Projeto
Casa 14 Bis
Arquiteto
Pôla Pazzanese
Estrutura madeira
Enga. Heloísa Maringoni – Cia. de Projetos/ SP
Estrutura e obra concreto
Eng. Ricardo Galitesi/ Botucatu
Eucalipto tratado
Moretto Madeira Tratada/ Botucatu
Elementos metálicos
SB Industrial/ Botucatu
Painéis reciclados
Reciplac/ Nova Odessa
Isolantes
CRS Decorações/ Botucatu
sobre o autor
Pôla Pazzanese, arquiteto e professor licenciado da Escola da Cidade.