Depois de viver uma carreira meteórica, morreu no dia 3 de julho o arquiteto catalão Enric Miralles aos 45 anos. Genial, virtuoso e explosivo, Miralles foi consumido por um tumor cerebral, mas também pelo fogo enérgico de seu talento descomunal. Autor de obras tormentosas, dono de um estilo pessoal e inimitável, inventor de espaços arquitetônicos fantásticos, o arquiteto teve sua carreira impulsionada aos trinta anos, quando venceu o concurso do Cemitério de Igualada – talvez sua obra mais lírica e severa. Depois deste, vieram as obras do Centro de Ginástica em Alicante, o Centro de Tiro ao Alvo e o Pavilhão de Esportes de Huesca, para citar apenas a parte mais significativa de seu trabalho, quase todo ele financiado pelo programa de obras públicas que acontecia na Espanha.
Seguiu ganhando concursos no Japão e em toda a Europa, sempre experimentando mas se mantendo à margem dos arquitetos teóricos que tanto se esforçavam para distorcer paredes e telhados. Arquiteto pragmático, a sua não era uma arquitetura "deconstrutivista". Longe disso, era a arquitetura da emoção, onde o gestual e o expressionista combinavam com um amplo conhecimento de materiais e estruturas, onde todas as tipologias convencionais eram subvertidas por seu desenho destruidor, e onde jamais chegava a frieza dos discursos acadêmicos pretensiosos.
Miralles foi um arquiteto-retratista e um arquiteto-paisagista que partia das texturas e da topografia das periferias de Barcelona para depois misturá-las com uma afirmação de estilo muito além de formalismos superficiais, muito além de citações de filósofos, muito além da inércia da arquitetura comercial. Detalhava seus projetos obsessivamente para traduzir em desenhos graficamente virtuosos prédios dissonantes e assustadores. De suas pranchas complexas (e às vezes inassimiláveis) nasciam edifícios não menos ricos em detalhes, em música dura, em poesia concreta. Era um escultor-arquiteto, um engenheiro-artista, um grande assimilador das contradições e das realidades de projeto que soube fundir influências de Gaudi a Le Corbusier junto a um imenso conhecimento de canteiros de obra.
Precoce, Miralles não precisaria fazer mais nada depois de seu Cemitério para ser considerado um dos grandes arquitetos do século XX. Sua última obra, o Parlamento Escocês, ficará pronta em 2002 e tem sido alvo de seus críticos. No auge de sua carreira, o próprio arquiteto se dizia desiludido com o projeto, que para ele estava se tornando um pesadelo dados os problemas que estava enfrentando junto às autoridades escocesas. O fato é que, como lembrou um outro arquiteto catalão, Óscar Tusquets, alguém disse faz algum tempo que Miralles estava se tornando um arquiteto com mais passado que futuro. Crítica mesquinha que infelizmente se confirmou.
sobre o autor
Carlos M Teixeira é arquiteto em Belo Horizonte e autor do livro "Em obras: história do vazio em Belo Horizonte".