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architexts ISSN 1809-6298


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SILVA, Kleber Pinto. A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 3/6. Disciplina ou formação do pensamento: a Razão das Luzes, Tenon e o hospital. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 012.07, Vitruvius, maio 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.012/893>.

A renovação do pensamento, discutida na segunda parte anteriormente apresentada, representou um alargamento dos conhecimentos devido ao desenvolvimento das novas disciplinas científicas que se constituem simultâneamente causa e desdobramento de uma nova visão do homem e da natureza. Visão esta, construída pouco a pouco por um grande coletivo ao longo de um vasto período, no qual o "século das luzes" pode ser considerado como ponto de inflexão desse longo processo. Essa verdadeira revolução no pensamento começa com a transformação do olhar do homem sobre ele mesmo e sobre o mundo, a partir de um deslocamento do centro de interesses: de Deus em direção ao homem. O "motor" dessa produnda modificação : a ascensão da burguesia e do comércio, as inovações tecnológicas, o distanciamento dos dogmas religiosos, o olhar científico até o ponto no qual a natureza, o homem incluído, foram inteiramente desmistificados.

Durante os séculos XVII e XVIII, a compreensão da natureza doravante não será mais realizada a partir de um olhar antropocêntrico: as plantas e os animais adquirem direito à autonomia, eles não serão mais considerados como seres inferiores sujeitos nem ao homem, nem a Deus. A raça humana também ganhará sua autonomia. Comerçar-se-á aperceber que o mundo da natureza é composto por várias espécies, totalmente independentes umas das outras e submetidas a leis particulares que deveriam ser descobertas e estudadas tais como se apresentavam. O corpo humano, ele também, composto por diferentes unidades, começa a ser percebido e questionado a partir dos mesmos pontos de vista. Essas certezas e inquietações conduziram simultâneamente, por um lado, ao desdobramento dos campos disciplinares e, por outro lado, ao grande desenvolvimento das ciências da natureza e do homem. Para descobrir a essência da natureza no seu conjunto, seria necessário começar por perscrutar a essência do homem. É a partir da fisiologia humana que o alargamento desses conhecimentos é realizado a matemática e a física foram substituídas pela biologia e pela fisiologia geral na fundação da doutrina materialista (2).

Entretanto, antes que esta visão materialista fosse inventada, uma nova postura face a natureza teria que ocorrer: a vontade de abrir o caminha à experiência, isto é, à observação dos fenômenos físicos, baseada na construção de saberes de uma física teórica sem as influências da teologia e das doutrinas religiosas. A separação definitiva entre a física e a teologia, assim como a delimitação formal dos domínios do conhecimento racional foram as primeiros grandes aquisições da filosofia do século das luzes.

Se se fala de domínio do conhecimento racional, será imprescindível que se fale sobre a maneira pela qual os conceitos de razão e de racional foram concebidos ao longo do século XVIII, pois os mesmos comportam certas características importantes a serem analisadas rapidamente. A razão no século XVII era percebida como sendo a soma de idéias inatas – anteriores a toda experiência – desvelando a essência absoluta das coisas (3). Para as "luzes", a razão torna-se uma "aquisição": ela é definida como potência original e primeira, através da qual seremos conduzidos a descobrir, a estabelecer e a consolidar as verdades (4). Ao definir esta matriz conceitual, a filosofia determinou a condição necessária para a constante verificação das verdades. Isso produzirá uma importante conseqüência: uma abertura através da qual as verdades pudessem ser construídas e reconstruídas em relação estreita com o percurso da ciência.

A partir da nova visão, a razão será uma força que somente poderá ser percebida a partir de sua ação e a partir dos efeitos produzidos. Sua natureza e seus poderes não poderão nunca serem considerados a partir de seus resultados pois é imprescindível que se tenha em mente sua função fundamental: a capacidade de ligar e de desligar o espírito de todos os fatos e de todos os dados de ordem simplificada, de todas as crenças baseadas sobre os testemunhos da revelação. A razão, infatigável, parará somente após ter desmontado o "edifício" em todas as suas peças, mas o processo não estará ainda completo: será necessário, em seguida, reconstruir esse mesmo "edifício" em sua totalidade e durante o desenrolar desse processo, ligar e desligar, a razão se certificará de (re)conhecer inteiramente sua estrutura. Em outras palavras, a razão não será definida na idéia de um ser, mas na de um fazer (5).

Para realizar inteiramente este verdadeiro projeto de conhecimento, o século XVIII construiu um modelo de raciocínio baseado nos trabalhos de Newton, que foram fortemente modelados pela observação direta dos fenômenos e também pela procura constante dos princípios fundamentais através do procedimento de análise. Assim, passou a não mais existir nenhuma contradição entre a experiência e o pensamento. Esse processo de análise implicou a consideração de que os fatos não fossem mais uma massa simples, difusa e incoerente de detalhes ou de dados, ao contrário. Deveria existir toda uma sorte de relações – condições particulares submetidas a uma relação de dependência interna – que os atravessava e que os unificava. Em assim sendo, essas relações poderiam também ser determinadas, estruturadas e articuladas matematicamente.

Esse paradigma epistemológico da física de Newton influenciou todo o pensamento do século XVIII. Essa metodologia que foi desenvolvida para explicar os fenômenos de ordem física, será, imediatamente em seguida, estendida a todas as disciplinas, se transformando em ferramenta necessária e indispensável para o pensamento em geral. Neste exato momento, teve início um grande esforço para aplicação desses princípios também aos fatos da ordem do corpo e da ordem do social, com o conseqüente desenvolvimento de toda uma série de "ferramentas" complementares a partir da consideração em detalhe da experiência enquanto fenômeno e também pela valorização da percepção.

D’Alembert, apresentando os elementos de uma teoria do conhecimento no discurso preliminar de sua Enciclopédia, diz o seguinte: "se pode dividir todos os nossos conhecimentos em diretos e em refletidos. Os diretos são aqueles que nós recebemos imediatamente sem nenhuma operação de nossa vontade; que se encontrando aberta, se se pode assim dizer, todas as portas de nossa alma, lá entrando sem resistência et sem esforço. Os conhecimentos refletidos são aqueles que o espírito adquire, operando-os diretamente, unindo-os e combinando-os" (6). A partir desta citação, poder-se-á dizer que para D’Alembert o fenômeno da experiência está inteiramente apoiado em dois pólos interdependentes: os sentidos e a razão.

Ele continua a detalhar sua teoria: "todos nossos conhecimentos diretos reduzem-se àqueles que recebemos pelos sentidos; de onde se conclui que é a nossas sensações que devemos todas as nossas idéias" (7), e que "nada é mais incontestável que a exsistencia de nossas sensações. (...) Porque supor que temos noções puramente intelectuais pré-estabelecidas, se não tivessemos a necessidade, de simplesmente refletir sobre nossas sensações, para formulá-las? (...) A primeira coisa que nossas sensações nos ensina, que nem mesmo elaé capaz de distinguir, é nossa existencia, ao que se conclui, que nossas primeiras idéias refletidas devem cair sobre nós, isto é, sobre este princípio pensante que constitui nossa natureza e que não é diferente de nós mesmos. O segundo conhecimento que nós devemos a nossas sensações é a existencia dos objetos exteriores, dentre os quais nossos próprio corpo deve estar compreendido, pois ele nos é, por assim dizer, exterior, mesmo antes que nós tenhamos separado a natureza do princípio que pensa em nós" (8).

A partir da experiência cotidiana, a consciência será chamada ao trabalho pelo conjunto dos sentidos, imediatamente terão início os processos analíticos responsáveis pela decodificação dos fenômenos. É exatamente esse conjunto de relações que se pode definir, em síntese, como a definição por excelência do processo de aquisição ou de produção de conhecimento, processo extremamente complexos, longos, dinâmicos e contínuos. D’Alembert considera que "o sistema geral das Ciências e das Artes é uma espécie de labirinto de caminhos tortuosos, onde o espírito se envolve sem conhecer muito a rota que deve seguir. Espremido por suas necessidades e pelas do corpo ao qual ele está unido, ele estuda inicialmente os primeiros objetos que se lhes apresentam; penetrando o mais profundo que pode no conhecimento destes objetos; logo encontra as dificuldades que o fazem parar e, seja por esperança, ou por desesperança de vencê-los, se joga numa nova rota; retrocede, em seguida, em seus passos; vence algumas vezes as primeiras barreiras para encontrar novas e, passando rapidamente de um objeto a outro, faz sobre cada um destes objetos, a diferentes intervalos, como que por agitação, uma série de operações nas quais a geração mesma de suas idéias torna a descontinuidade necessária" (9).

Ao lado dos elementos mencionados, como uma teoria particular para a produção de conhecimento, o desenvolvimento do método matemático e sua extensão a outras disciplinas, assim como que a fundação e o grande desenvolvimento das ciências humanas, o século das luzes é também responsável por um esforço analítico considerável, (10) que gerará igualmente um sistema de classificação através do qual serão mostrados - de maneira sintética – o conjunto de relações através das quais um fenômeno é constituído. D’Alembert reconhece o caráter arbitrário e reducionista intrínseco a uma tentativa global de classificação - que pode ser considerado como sendo um esforço de decomposição de ordem metodológica com o objetivo único de explicar os fenômenos, explicitando suas relações – e os perigos que tal procedimento pode produzir. Entretanto, ele faz uma opção metodológica, também como meio de justificar as idéias contidas na enciclopédia. Ele diz que "qualquer que seja, aquela de todas as árvores enciclopédicas que ofereceriam o maior número de ligações e de relações entre as Ciências, mereceria sem dúvida ser a preferida. Mas, podemos nos gabar de tê-la compreendido? A Natureza, nós não saberíamos muito repetir, não é que comporta de outra coisa que de indivíduos que são o objeto primitivo de nossas sensações e de nossas percepções diretas. Nós observamos a verdade nesses indivíduos, propriedades comuns através das quais os comparamos e através das propriedades de diferenciaão através das quais os discernimos; estas propriedades designadas por nomes abstratos, nos conduziram a formar diferentes classes onde estes objetos foram colocados. Mas, muitas vezes, tal objeto que por uma ou por várias de suas propriedades, teria também podido pertencer a outas classes. Resta, então, necessariamente, algo de arbitrário numa divisão geral" (11).

Uma última observação sobre o pensamento das luzes. Essa nova visão sobre o homem e sobre a natureza, assim como o método que decompõe « positivamente » os fenômenos, abriram assim toda uma nova gama de domínios relacionados à totalidade dos ambientes humano e natural, qualquer que seja a escala – do micro ao macro –, ao campo da (re)descoberta, produzindo assim aquisições generalizadas entre as ciências e entre as artes. Sublinhe-se, ainda, que o conjunto das artes no século XVIII conheceu também um grande desenvolvimento, sobretudo na parcela das artes mecânicas pois não se pode esquecer da grande aceleração da produção e do fato que as populações nacionais eram cada vez mais numerosas. Isto significava uma maior demanda por todos os gêneros de bens, demandando, a seu turno, sempre mais conhecimentos e o desenvolvimento contínuo de novas técnicas e de nova tecnologia.

D’Alembert reconhecendo a importância do tema, dirá que "a parte das Artes mecânicas não pedia nem menos detalhe, nem menos cuidados. Nunca, talvez, encontrou-se tantas dificuldades reunidas e tão pouca ajuda nos Livros, para superá-las. Escreveu demais sobre as Ciências: não se escreveu suficientemente sobre a maior parte das Artes liberais; não se escreveu quase nada sobre as Artes mecânicas; é muito pouco o que se encontra nos Autores, em comparação à extensão e à fecundidade do sujeito" (12).

Para ultrapassar esse obstáculo e com o objetivo de produzir a Enciclopédia, Diderot e D’Alembert executaram um grande trabalhos de pesquisa. Na exposição que D’Alembert apresentou no Discurso Preliminar, poderá ser encontrado um precioso resumo das idéias que ele preconizava: o método científico, a sua visão sobre a observação, assim como sobre o valor e sobre a importância da experiência. Ele diz que "nos dirigimos aos mais hábeis de Paris e do Reino; nos demos ao trabalho de ir em seus ateliers, de os questionar, de escrever suas récita, de desenvolver seus pensamentos, de extrair os termos próprios a suas profissões, de propor esquemas, de os definir, de conversar com aqueles de quem haváimso podeido obter memoriais e (precaução quase indispensável) de retificar durante as longas e frequentes entrevista com alguns, com aqueles que haviam imperfeita, obscura ou , algumas vezes, infielmente explicado" (13).

Precisando a forma pela qual os conhecimentos sobre as artes mecânicas deveriam ser interpretados na Enciclopédia, D’Alembert nos mostra ainda um pouco mais em detalhe o percurso que ele percorrerá para produzir esses conhecimentos: "aqui está o método que seguimos para cada uma das Artes. Tratamos, 10. Da material, dos lugares onde ele é encontrado, de suas boas ou más qualidades, de suas diferentes espécies, das operações pelas quais o fazem passar, seja empregando-o, seja colocando-o para trabalhar; 20. Das principais obras que são feitas e da maneira pela qual são feitas; 30. Fornecemos o nome, a descrição e a figura das ferramentas e das máquinas, peça a peça ou montadas; o corte dos moinhos e de outros intrumentos quando é o caso de conhecer seus interior, seu perfil, etc.; 40. Explicamos e representamos a mãi-de-obra e as principais operações em uma ou várias Pranchas, onde vemos taão somente as mãos do artista, como o artista inteiro em ação, trabalhando a obra mais importante de sua arte; 50. Recolhemos e definimos o mais exatamente que foi possível os termos próprios da arte. Mas, o pouco de hábito que temos escrever e de ler sobre tais Artes, torna as coisas difíceis a explicar de uma maneira inteligível. Disto nasce a necessidade das Figuras" (14).

Se retornarmos aos trabalhos desenvolvidos por Tenon, anteriormente descritos, nos aperceberemos que eles estavam inscritos nesse movimento que ampliou os conhecimentos da época. Por outro lado, tendo na memória o esquema metodológico acima descrito e os trabalhos realizados por Tenon, rapidamente reconheceremos que seu método, assim como seus princípios, estavam em perfeita consonância com os primeiros. Além disso, também poder-se-á dizer que o cirurgião Tenn foi, ele também, um verdadeiro representante de seu tempo e que ele se inscreveu no círculo de sábios do período das luzes. Seus trabalhos foram produzidos num momento de intenso questionamento social, assim como de intenso questionamento dos ambientes urbanos. Esse movimento produziu o início de um conjunto de trabalhos nas cidades que tinham por objetivo melhorar as condições sanitárias, trabalho este, intensificado ao longo do século XIX. A seu turno, Tenon contribuiu para a expansão dos conhecimentos nos domínios da medicina e da saúde, todavia, sua maior contribuição aconteceu no domínio dos hospitais. Com a obra Mémoires sur les hôpitaux de Paris, ele abriu um importante e inédito diálogo entre arquitetura, prática médica e saúde.

Ele estudou analiticamente o espaço hospitalar em seus mínimos detalhes através da observação direta: ele percorreu o conjunto de hospitais parisienses e vários dos hospitais do interior, assim como vários na Inglaterra. Além disso, preocupado em reunir todas informações disponíveis, ele consultou a literatura existente à época, na França e no exterior, assim como ele trocou intensa correspondência com vários profissionais especialistas em seu domínio (15). A partir desses esforços, ele desenhou um método de pesquisa em perfeita conformidade com os paradigmas do século, método esse caracterizado pela construção do conhecimento apoiada na observação direta. Primeiramente ele começou por descrever os espaços arquitetônicos ao mesmo tempo em que mostrava as condições gerais de cada um dos hospitais, para, em seguida, a partir dos conhecimentos adquiridos em seu trabalho como médico e como cirurgião do Hôtel-Dieu de Paris, extrair um conjunto de procedimentos a serem seguidos (ou a não serem repetidos) aplicáveis a vários dos domínios do serviço hospitalar: do edifício (projeto e construção) à maneira de cuidar dos pacientes, passando pelo mobiliário e pelas rotinas do pessoal em seu trabalho e, numa outra escala, do hospital individual ao sistema hospitalar.

Antes de começar suas pesquisas, Tenon se questiona sobre o melhor método, relacionado a seus objetivos, a empregar em seus estudos: "os detalhes iriam se multiplicar; sua comparação é útil, sua multiplicidade embaraçosa: seria necessário que se aproveitasse de um, que se livrasse de outro, reduzindo o todo a seus resultados gerais. Eu coletei em cada Casa o número total de doentes, o de doentes por classe de doença e mesmo por sala, as dimensões de cada uma delas e a relação das dimensões destas salas com a quantidade de pessoas que elas abrigam; eu acreditei ainda que seria conveniente recolher observações sobre os usos, a posição, as vantagens, os inconvenientes das diferentes salas e dos outros compartimentos que compõem os Hospitais, que facilitam ou dificultam seus serviços, que os tornam mais ou menos sãos, mais ou menos dispendiosos; pois se tratava de estudar os Hospitais nos Hospitais mesmo, e de compreender o que uma longa experiência tinha indicado como maléfico ou que tinha sido marcado pelo selo da utilidade" (16). Aqui estão as palavras-chave de uma estruturação ideal : classificação, dimensionamento, usos, serviços. Essas são as categorias matrizes que certamente ele tinha em vista e que com as quais ele efetivamente trabalhará para conceber suas conclusões.

Será necessário adicionar a essas categorias um caráter especial – talvez utilitarista e certamente funcionalista - ligado ao espaço ideal concebido por Tenon: "se houvesse alguma espécie de magnificência a adotar nestes estabelecimentos, esta se daria menos em decorações supérfluas, que no caso dos Hospitais, muitas vezes, causam danos à sua destinação principal, que em meiors de utilidade evidente, no que diz respeito à classificação metódica das doenças, na feliz distribuição das salas e de todos os edifícios, à abundância, a boa distribuição de água, dos esgotos, das escadarias, das abóbadas, dos passeios, das ruas, dos banhos, das comodidades, de salas de lavagem, de vestiários, etc., etc.; uma economia nestes elementos, conduziria certamente a grandes perdas de homens e de dinheiros: o Hôtel-Dieu é a prova cabal; o Estado sofre com a perda de sua população, a fortuna pública perde com a má utilização de fundos aplicados em Hospitais apertados e mal construídos; os doentes, que não morrem, são acometidos por doenças ou têem períodos de convalescença mais longos. É necessário, então, nos Hospitais, uma magnificência raciocinada e benfazeja : ela tem por objetivo, único, de encontrar aquilo que serve ao pronto restabelecimento, a prevenir recaídas, a diminuir os dis de hospitalização e, sobretudo, a mortalidade" (17). Aqui, ele definiu o hospital como sendo uma verdeira "machine à guérir" e como tal, ele deveria nascer a partir de uma organização específica e de uma confirmação formal estritamente tributária dessa idéia. Por um outro lado, Tenon produziu também uma ampliação das discussões sobre o hospital levando-as ao campo da economia, da engenharia e do sanitarismo. Mais uma inovação trazida por ele.

Ele continua, agora num outro aspecto de seu raciocínio: "trata-se do homem, mais especificamente do homem doente: sua estatura regula o comprimento do leito, a largura das salas; seu passo, menos longo, menos libre que aquele do homem são, determina a altura dos degraus, como a largura da maca, na qual o trasnportamos, determina a largura das escadarias do Hospital. Além disso, estabelecendo mais ou menos ar num determinado tempo, segundo o qual as doenças obrigam a inspirações mais ou menos frequentes, mais ou menos profundas, ele precisa de salas de dimensões diferenciadas; adicione-se ainda que seus olhos sensíveis às impressões luminosas durante as inflamações de "la dure-mère" e de violentas oftalmias, exigirão atenções relativas à posição, tanto dos leitos, como dos cruzamentos" (18). Ele também estabeleceu uma relação estreita entre o corpo e o espaço e entre o paciente e o hospital, fundando um verdadeiro raciocínio ergonômico, funcional.

Ao contrário do que pode parecer, Tenon não se propôs a construir nem um modelo formal, nem uma "doutrina" pois ele reconhecia a impossibilidade de transposição de modelos, dado que o ambiente cria condições particulares de vários niveis diferentes (19), ele estabeleceu, em verdade, um conjunto de parâmetros de referência com possibilidade de aplicação universal, com o intuito de auxiliar administradores e arquitetos a não mais repetir os erros do passado, no que diz respeito à elaboração do espaço. Ele estabeleceu tais parâmetros através da leitura direta do espaço e conseqüentemente, pela definição de relações de ordem matemática como auxílio ao dimensionamento do edifício tanto em sua totalidade, como que em suas partes. Além de tais parâmetros, ele determinou também algumas "regras", que podemos traduzir como sendo uma possibilidade ideal para a composição dos projetos para os hospitais: uma distribuição hierarquizada, sob o ângulo da relação usos x usuários, das funções no espaço como meio de melhor organizar os serviços, facilitando o trabalho do pessoal e evitando os contágios. O zoneamento funcional das diversas atividades também foi previsto (20). As "regras" concebidas por Tenon, nos deixam entrever uma nova maneira de abordar a problemática do espaço em geral e do hospital em particular: estabelecendo, sobretudo, uma conduta ideal ao nivel do processo de concepção de projetos em arquitetura. Ele estabelece também a "face" (21) do hospital moderno. Essas três categorias, serão pouco a pouco elevadas ao seio do pensamento em arquitetura.

notas

1
Uma parcela do presente trabalho foi apresentado no "Congreso Internacional: el futuro del arquitecto – Mente, Territorio, Sociedad"; UPC/DEP. Projectes d’Arquitectura; Barcelona, España, 7-11 de junio 2000 com o título L’hôpital, ou la fonction dans l’árchitecture. O estudo ora apresentado foi dividido em seis partes. Cada uma das partes poderá ser lida independentemente pois cada uma das seções trata de um assunto diferentes. Contudo, para compreensão do assunto de fundo, ou seja, a discussão da gênese de uma idéia de função particular e sua apropriação pela arquitetura, o leitor deverá ter em mente que tal assunto é desenvolvido em todas as seis partes. Na sexta e última parte são apresentadas as conclusões do presente estudo, assim como a bibliografia de apoio. As partes deste artigo são:

SILVA, Kleber Pinto. "A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 1/6. Considerações preliminares e a gênese do hospital moderno: Tenon e o Incêndio do Hôtel-Dieu de Paris". Arquitextos, n.009. Texto Especial nº 060. São Paulo, Portal Vitruvius, fev. 2001 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp052.asp>.

SILVA, Kleber Pinto. "A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 2/6. A gênese do hospital moderno: saberes, práticas médicas e o hospital". Arquitextos, n. 010. Texto Especial nº 060. São Paulo, Portal Vitruvius, mar. 2001 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp060.asp>.

SILVA, Kleber Pinto. "A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 3/6. Disciplina ou formação do pensamento: a Razão das Luzes, Tenon e o hospital". Arquitextos, n. 012. Texto Especial nº 070. São Paulo, Portal Vitruvius, maio 2001 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp070.asp>.

SILVA, Kleber Pinto. "A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 4/6. Disciplina ou formação do pensamento: modelar o olhar, modelar o espaço". Arquitextos, n. 014. Texto Especial nº 085. São Paulo, Portal Vitruvius, jul. 2001 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp085.asp>.

SILVA, Kleber Pinto. "A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 5/6. Função, um Conceito?: Função x Funcionalidade x Funcionalismo". Arquitextos, n. 016. Texto Especial nº 095. São Paulo, Portal Vitruvius, set. 2001 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp095.asp>.

SILVA, Kleber Pinto. "A idéia de função para a arquitetura: o hospital e o século XVIII – parte 6/6. Função, um Conceito?: Aprendendo com Tenon e Considerações Finais". Arquitextos, n. 019. Texto Especial nº 111. São Paulo, Portal Vitruvius, dez. 2001 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp111.asp>.

2
La Méttrie e sua observações médicas; Holbach através da química e a ciência da vida orgânica.

3
CASSIRER, E., A filosofia do iluminismo, Campinas, Editora da UNICAMP, 1992, p. 32

4
Ibidem

5
CASSIRER, E., op. cit., p. 32-33

6
D’ALEMBERT, "Discours préliminaire" in DIDEROT & D’ALEMBERT, Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, São Paulo, Editora UNESP, 1989 (édition bilingüe), pp 20-22

7
D’ALEMBERT, op. cit., p. 22

8
Ibidem

9
Ibidem
.

10
No qual a própria Encyclopédie é o melhor exemplo.

11
D’ALEMBERT, op. cit., p. 48

12
D’ALEMBERT, op. cit., p. 96

13
Ibidem

14
Ibidem

15
Sobre este assunto, Tenon escreveu: "ensuite je dressai un Mémoire de questions sur la distribution, le service des Hôpitaux civils, persuadé qu’une comparaison de leur état présent, non-seulement nous guideroit dans la construction, mais encore perfectionneroit les Hôpitaux faits, les uns par les autres. Ce Mémoire fut répandu dans toute l’Europe." TENON, J., Mémoires sur les hôpitaux de Paris, Paris, Doin/Assistance Publique-Hôpitaux de Paris, 1998, p. xii.

16
TENON, J., op. cit., p. x-xi

17
TENON, J., op. cit., p. 349-350

18
TENON, J., op. cit., p. ix-x

19
Sobre isto, Tenon diz que "certainement les Hôpitaux varient suivant leur destination, le climat, les productions, le culte, les loix ainsi que les moeurs; il n’est dans l’ordre, ni de raison, ni de la nature de s’asservir à la composition de ceux des pays étrangers, lorsqu’on en diffère par toutes ces considérations." TENON, J., op. cit., p. lii. E também que "des Mémoires, des plans que j’avois précédemment rassemblés de certains Hôpitaux de nos Provinces, de l’Italie, de l’Écosse, m’avoient fait appercevoir que le climat influoit sur les dimensions à donner aux salles d’Hôpitaux: ce qu’il falloit encore vérifier." TENON, J., op. cit., p. xi

20
A propósito da formação de um hopital, ele diz que "pour développer ma pensée, j’appellerai formation, le versement de certaines classes de maladies dans l’un de ces Hôpitaux, plutôt que dans l’autre, & je nommerai distribution, l’ordre qu’on suivra pour y ranger les espèces de malades que l’on fera convenu d’y recevoir: leur formation a plus de rapport aux besoins de divers quartiers de la ville & à leur salubrité; la distribution regarde davantage l’arrangement qu’on observera dans chaque Hôpital pour y prévenir la communication des maladies, pour en faciliter & en simplifier le service". TENON, J., op. cit., p. 349

21
Não se pode, neste caso, considerar a palavra "face" através de sua conotação estética pois Tenon não trabalhou em momento algum com essa categoria

sobre o autor

Kleber Pinto Silva é arquiteto; Doutor em Arquitetura (FAU/USP, 1999); Professor Assistente-Doutor do Departamento de Arquitetura, UNESP e Pesquisador-Associado junto ao LA/A Laboratoire Architecture/Anthropologie, Ecole d’Architecture de Paris-La Villette.

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