Recentemente tomei a antipática atitude de me recusar a integrar um júri de design de objetos de iluminação, o Prêmio Abilux de São Paulo. Gosto de participar de avaliações de design, porque, quando bem organizadas, tornam-se verdadeiros seminários em que se confrontam visões as mais diversas sobre a contemporaneidade. Nesse caso, tive bons motivos para não participar.
Um deles era o fato de, ao ler o regulamento, não encontrar na descrição do júri qualquer definição onde coubesse. Os jurados – cujos nomes não eram mencionados no regulamento – eram listados por função profissional e institucional. Assim havia representantes da própria Abilux, designers, ergonomistas, mas não jornalistas – que é o que sou. Esse foi o primeiro motivo que me fez recusar o atencioso convite.
O segundo era a obrigação de confidencialidade dos inscritos. O prêmio é outorgado a produtos já comercializados, mas as regras mandam que eles se apresentem sem identificação da empresa que o fabrica, do designer que o projetou. Como se a marca, as embalagens, folhetos e outras peças de comunicação não compusessem um conjunto importante do ponto de vista do design. E mais, se a identidade é escondida, como saber se está-se premiando uma cópia?
Com consciência culpada pela minha recusa – pois afinal, o prêmio revela uma clara intenção de promover o design na indústria brasileira de iluminação – perguntei a quatro profissionais/empreendedores mais do que reconhecidos dessa área, se haviam inscrito seus produtos no certame. E todos me responderam a mesma coisa. "Não, não prestei muita atenção, não tive tempo...", todos demonstrando que o Prêmio atraiu pouco seu público-alvo.
Assim, um Prêmio que pretende estimular as indústrias que investem em design, deixou de fora as pequenas empresas mais inovadoras do setor. Sem representatividade, o Prêmio não atinge seus objetivos: nem mostra à indústria que costuma copiar modelos estrangeiros que há criatividade de sobra à sua volta e, mais do que isso, que há um novo pensamento empresarial que adota design; nem abre para designers empreendedores a possibilidade de tornar-se conhecidos comercialmente e crescer.
Infelizmente, no Brasil, germinam concursos e prêmios de design em muitas áreas, mas nenhum deles ganha importância, reconhecimento público. Não é à toa que as empresas de design de embalagens se sentem premiadas ao conquistar um Clio International, mas não os vários prêmios nacionais.
Prêmio & concurso
Na área de design de produtos governa uma grande confusão inicial – a não distinção entre prêmio e concurso. Essa confusão é uma das origens de muitos mal-entendidos, de muita insatisfação com resultados. No mesmo balaio, muitas vezes, são premiados (ou julgados e preteridos) produtos que estão no mercado, e idéias, que podem ser até geniais, mas que nada mais são do que exercícios de prancheta ou de CAD.
Essa foi uma das observações feitas pelo designer Fabio Falanghe, um dos sócios da E27, empresa que fabrica luminárias cujos projetos são brasileiros, ao participar como jurado do Prêmio Museu da Casa Brasileira em 1999. "Mesmo na exposição dos premiados", comentou, "justapunham-se projetos feitos na cozinha e produtos nos quais a indústria havia investido um bocado. Dessa forma, só se acentuam os preconceitos das empresas com relação aos profissionais de design".
Concursos julgam idéias, projetos não viabilizados, podem ser abertos ou restritos a um grupo de participantes. Prêmios não são concursos, são distinções que produtos já testados no mercado recebem por se destacarem no seu segmento.
Concursos devem garantir a confidencialidade dos inscritos – porque, entende-se, as idéias apresentadas devem ser inéditas ou não previamente divulgadas, já que respondem a desafios e temas propostos.
Já os prêmios, ao contrário, devem assegurar que a procedência e a autoria sejam divulgadas para o júri.
No Brasil, muitos prêmios são distribuídos sem que o júri saiba exatamente quem está premiando, mas deduzindo, muitas vezes, de que empresa é aquele produto e quem o projetou. Já participei de muitas sessões de júri em que espontaneamente os jurados identificavam os produtos apresentados, mas sempre com uma pontinha de medo – e se for de outra pessoa, estaremos premiando uma cópia? E mais, já soube de sessões de júri em que as aplicações da marca num produto eram camufladas com esparadrapo! Tudo em nome de uma idoneidade completamente equivocada!
O Prêmio Movelsul, um dos mais sérios do Brasil, fixou diferentes categorias em seu prêmio/concurso que tentam responder a essa confusão conceitual. Assim, há um prêmio para empresas, outro para estudantes e outro para profissionais. No mínimo, as empresas sabem que seus produtos não serão cotejados com projetos experimentais de estudantes ou profissionais, que ainda não passaram pelos diferentes crivos da viabilidade industrial e da comercialização.
Mas os prêmios brasileiros não pecam só por misturarem as idéias de prêmios e concursos. Há outros complicadores.
Um deles é o hábito de apresentar no regulamento o júri, não pelos nomes dos jurados, mas por sua qualificação genérica. Membro do Comitê Centro Americano de Progresso e Meio Ambiente, representante do Programa Brasileiro de Incentivo ao Médio Empreendedor Rural, diretor da Associação Comercial Sul-Americana de Tecnologia e Desenvolvimento. Ou, pior ainda, por siglas PNAD/Cemiqt; ABNi/MCBI; ou ainda pela profissão de seus membros - ergonomista, professor universitário, industrial.
Ou seja, quem se inscreve não sabe se seu produto ou projeto será avaliado por um time que respeita ou por um conjunto de burocratas que nada entende de design ou por representantes de castas governamentais ou institucionais com um pensamento corporativo acentuado.
Faz muita diferença saber se seu produto ou projeto será visto por um profissional conhecido e respeitado ou por alguém cuja atuação profissional é desconhecida. Se o industrial que participa é alguém que abre espaço para o design em sua empresa ou se trata de um descarado copiador.
Todo prêmio e/ou concurso não restrito quer atingir um grande número de inscrições. Mas isso só acontece se mostrar seriedade e isenção. Todo profissional, estudante ou diretor de empresa que toma a decisão de participar de um prêmio ou concurso tem o direito de saber os nomes de todos os membros do júri.
Outro ponto fundamental de seriedade: o tempo de julgamento. Já soube de concursos/prêmios em que mais de 300 projetos eram julgados num única sessão de 4 horas por um júri de 7 pessoas.
Muitas vezes, nessas sessões, alguns dos membros do júri, pessoas atarefadas, passam boa parte do tempo respondendo telefonemas, ausentando-se para ler um email, etc. Quantas e quantas decisões são tomadas sem que o júri esteja completo? Quantos projetos são avaliados apenas por um ou dois de seus membros?
E aí esbarramos noutras questões. A primeira delas é que qualquer prêmio ou concurso deve remunerar os jurados. O jurado deve saber que, para realizar aquele trabalho, deverá destinar "x" horas ou dias de trabalho naquela função. Como não se remuneram os jurados, todos se sentem prestando um favor à instituição convidante e se acham no direito de ausentar-se, assinar ata depois, não participar das discussões, não ler os projetos...
A Abilux resolveu essa questão adotando o procedimento de um júri "popular", não remunerado. Cada jurado deveria visitar a exposição dos inscritos e dar nota aos trabalhos, sem interagir com os demais colegas do júri. No final do dia, os organizadores somariam os pontos de cada produto, conferindo os prêmios.
Nesse tipo de premiação, os inscritos não sabem que critérios finos – além daqueles estabelecidos pelo regulamento – foram adotados; não têm à sua disposição uma ata que informa o parecer do júri etc.
A outra questão complicadora nos júris é a figura do intermediário. Todo prêmio e ou concurso estabelece condições de participação, que compreendem prazos, formas de apresentação etc. Alguém toma conta de tudo isso, mas esse alguém não pode, sobretudo no caso de concursos, ter qualquer participação nas conversas/decisões do júri. Num concurso – onde deve reinar a mais alta confidencialidade – o secretário ou intermediário entre o júri e os inscritos dispõe de informações extras, não acessíveis aos jurados. Portanto, sua participação pode, mesmo que involuntariamente, ser tendenciosa.
Prêmios podem ser bons incentivos a que as indústrias melhorem nossos produtos. E concursos podem ser bons instrumentos de resolver grandes questões ou de estimular a criatividade se:
– tiverem um razão de ser clara;
– forem organizados com seriedade;
– seus procedimentos forem transparentes;
– não visarem criar banco de idéias a baixo custo;
– não circunscreverem seus interesses a um pequeno gesto de marketing;
– não abusarem dos direitos autorais dos inscritos;
– garantirem rigor nas inscrições, na avaliação e na premiação;
– forem atrativos, isto é, remunerarem adequadamente os vencedores, sobretudo no caso de concursos.
Regras simples e básicas foram estabelecidas há alguns anos pelo Icsid (Conselho Internacional de Instituições de Design Industrial), pelo Icograda (Conselho Internacional de Associações de Design Gráfico) e pela IFI (Federação Internacional de Arquitetos/Designers de Interiores).em conjunto, já traduzidas e divulgadas pelo Núcleo de Desenho Industrial da Fiesp e acessíveis por Internet a qualquer pessoa.
Os empresários que citam a cada três palavras o vocábulo globalização poderiam informar-se sobre o modelos proposto pelas organizações internacionais de designers e construídas depois de muitas discussões em fóruns representativos desses profissionais. Seria tão bom que os organizadores de prêmios e concursos de design no Brasil dessem uma lida neles antes de inventar seus regulamentos!
Os regulamentos estabelecidos pelo Icsid, Icograda e IFI estão publicados em Prêmios Design, publicação dado Departamento de Tecnologia da Fiesp, 1996.
nota[Fotos da Plagiarius Award, prêmio negativo para os audaciosos plagiadores. O troféu é um gnomo negro com um nariz dourado]
sobre o autor
Ethel Leon é jornalista e editora da revista Design Belas Artes.