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architexts ISSN 1809-6298


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Autor prega o retorno à indagação sobre a própria natureza do fenômeno projetual na arquitetura, que deve ser a preocupação central do ensino do projeto arquitetônico


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SILVA CARVALHO, Ramon. O professor de projeto de arquitetura também é arquiteto. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 045.07, Vitruvius, fev. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/611>.

"Depois da tempestade vem a bonança" (Ditado popular)

Após três dias de muita discussão e troca de experiências, formais e informais, sobre os temas abordados no I Seminário Nacional Sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de ArquiteturaProjetar 2003, é indiscutível as contribuições que um evento deste gênero traz para o ensino de arquitetura como um todo.

Após a tempestade de idéias e opiniões expostas pelos participantes, sejam eles pensadores consagrados ou profissionais ainda incipientes no assunto/tema do seminário, parece que não teremos muito tempo para “curtir” a bonança advinda do Projetar 2003. Se as questões levantadas realmente foram capazes de gerar inquietações em boa parte dos professores/pesquisadores presentes, estes últimos não se contentarão em continuar “isolados” dos outros na sua missão de ensinar e pesquisar sobre o projeto de arquitetura (tratado a partir daqui somente como projeto).

Antes de tudo, porém, é necessário ressaltar alguns pontos de fundamental importância tanto para a continuação desta reflexão quanto para o prosseguimento do debate iniciado no referido seminário (não esquecendo, evidentemente, que o tema deste seminário já vinha sendo discutido anteriormente, embora de forma não sistemática). Ressalto a seguir as questões que considero serem as mais recorrentes nos diversos trabalhos apresentados:

1 – A pesquisa em arquitetura pode, sim, produzir conhecimento científico;

2 – Mesmo de forma dispersa, a melhoria da qualidade no ensino de projeto vem sendo abordada por professores de diversas regiões do Brasil, que buscam aperfeiçoar suas práticas pedagógicas; ao “saber arquitetura” e ao “saber-fazer arquitetura” acrescenta-se agora o “saber-ensinar arquitetura” (1);

3 – A profissionalização do professor de projeto parece ser um caminho sem volta; assim, a melhoria do ensino de projeto passa necessariamente pela melhoria da formação do professor na pós-graduação;

4 – A prática de simulação do ambiente de escritório em sala de aula vem sendo substituída por novas metodologias de ensino; o enfoque no processo de projeto e não no produto final é uma tônica predominante nos discursos dos professores;

Mesmo considerando que tais “conclusões” não sejam consensuais (e é bom que realmente não sejam), partirei da premissa de que estamos diante de novas formas de pensar o ensino de projeto de arquitetura. Não que considere estas “novas formas tão inéditas a ponto de serem vistas como extraordinariamente inovadoras, mas elas definitivamente não seguem o modelo de ensino adotado há décadas no Brasil.

Inserindo-me em um contexto que engloba os dois lados da moeda, ou seja, ter concluído a graduação em arquitetura, no ano 2000, dentro de um modelo de ensino que já está superado, e estando agora cursando uma Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado, PROARQ/UFRJ), considero-me à vontade para demonstrar uma certa preocupação com o futuro do ensino de projeto. Seremos nós, frutos de uma escola que tinha outros parâmetros em relação ao perfil do profissional que formava, os responsáveis por preparar os estudantes de arquitetura para enfrentar um mercado um tanto quanto saturado e que passa a absorver arquitetos com qualificações diferentes daqueles “adestrados” para a prática de escritórios.

E é exatamente sobre a formação destes novos professores de projeto que proponho a presente reflexão: se a tendência é a profissionalização dos docentes, que devem se dedicar exclusivamente à universidade, onde terá lugar a prática projetual deste profissional que, a priori, é um arquiteto e urbanista (tratado daqui a diante só por arquiteto)? Já é mais do evidente o fato de que um bom professor de projeto deve “saber-ensinar”, e não simplesmente “saber-fazer arquitetura” para depois ensiná-la. No entanto, somos obrigados a corroborar com indagação de muitos defensores dos “arquitetos que dão aulas”, ao fazerem uma analogia do ensino de projeto com o ensino de medicina: “como um professor de medicina vai ensinar ao estudante a fazer uma cirurgia se ele nunca fez?”

Se ficarmos confusos ao responder a esta questão, assim deveríamos ficar também diante de sua transposição para o campo da arquitetura: como um professor de projeto vai ensinar ao estudante a prática projetual sem ele não a faz, ou, até mesmo, nunca a fez? Esta questão muitas vezes é respondida pelo próprio estudante de graduação, ainda que involuntariamente, ao demonstrar curiosidade por saber quem é o professor que está a sua frente lhe ensinando projeto. “Quais os projetos que ele desenvolveu?”; “Ele tem escritório?”; “Os projetos dele são bons?”. Estas perguntas são recorrentes entre os graduandos, uma vez que eles esperam estar aprendendo projeto com “quem sabe fazer projeto”.

Realmente é um tanto quanto complicado estarmos supostamente aprendendo a projetar com um professor que nunca exerceu a prática profissional. Entretanto, com a exigência da titulação de Doutor ou de Mestre para que o arquiteto possa se tornar professor, muitos profissionais recém-formados acabam por dar continuidade aos seus estudos, enveredando-se em uma pós imediatamente à sua graduação. Assim, devido à grande dedicação que os cursos de Mestrado e Doutorado exigem dos estudantes, é inevitável que a prática projetual seja deixada de lado; se não totalmente, com certeza parcialmente.

Estando com a titulação de Mestre ou de Doutor nas mãos, estes arquitetos estarão supostamente qualificados a ensinar arquitetura, nas suas mais diversas áreas de atuação, inclusive naquela relativa à prática projetual. Ora, se um arquiteto desenvolve seu mestrado em uma área específica (história da arquitetura, conforto ambiental, entre outras) ele realmente estará capacitado a lecionar disciplinas que envolvem conhecimentos desta área. No entanto, fica mais uma questão: quais os cursos de Mestrado e de Doutorado em arquitetura no Brasil formam profissionais devidamente qualificados para ensinar projeto? Se existirem respostas apontando alguns, certamente serão pouquíssimos. Então, quais serão os arquitetos que estarão capacitados para ensinar projeto nos inúmeros cursos de Arquitetura e Urbanismo existentes hoje no país, e que crescem a cada dia?

Esta última questão pode, e deve, ter várias respostas, advindas de profissionais de diversas gerações e formados em diferentes regiões. Contudo, o que me proponho a fazer aqui é lançar uma alternativa que tem a intenção de provocar a discussão em torno deste tema e, talvez, até mesmo “alertar” os órgãos responsáveis pelo incentivo à capacitação docente e pelo controle de qualidade do ensino superior sobre as atribuições de um professor de projeto de arquitetura, que é, repito, antes de tudo, um arquiteto.

Voltando à situação dos médicos, onde parece ser unanimidade que eles devam atuar profissionalmente para poderem ensinar os conteúdos que lhes são delegados, vimos que estes profissionais constituem uma exceção no que diz respeito às atribuições profissionais no país, ou seja, podem acumular mais de um cargo público. Assim, podem atuar como professores e “também como médicos”.

Guardando as devidas proporções, e sem querer comparar a profissão do médico à do arquiteto, percebemos que este último vivencia, de forma análoga, a mesma situação do profissional da medicina. No entanto, as políticas de incentivo à pesquisa nas universidades fazem com que o docente de arquitetura se limite à função de professor e pesquisador. Atualmente, a única possibilidade de atuar profissionalmente, de forma legal, é através da prestação de serviços de consultoria, já que não pode vincular seu nome a projetos e menos ainda a escritórios. Mesmo que abra mão da autoria de seus projetos e que não possua escritório legalizado, o professor-arquiteto não dispõe de tempo suficiente para exercer a prática projetual, pois precisa cumprir as “obrigações” que lhes são impostas.

Assim, continuamos com o mesmo problema já levantado: o pouco contato do professor de projeto com a atividade projetual. Porém, é importante salientar que não defendo, aqui, que o bom professor de projeto deva ser necessariamente o bom arquiteto; e nem que o bom arquiteto será um bom professor de projeto. Defendo sim é que não devemos dissociar a prática de projeto da atividade docente.

A essa altura, alguns devem estar se perguntando onde o autor deste texto quer chegar. Quero chegar no ponto que considero fundamental para a melhoria da qualidade do ensino de projeto: a possibilidade de associação das duas atribuições colocadas: a de professor e a de arquiteto que trabalha diretamente com projeto.

Como já colocado em recente trabalho apresentado no Projetar 2003 (2), e que reafirmo aqui, agora com a constatação de que não estou pensando isoladamente desta maneira, a prática projetual deve ser incentivada dentro da própria universidade. Se a exigência é a de dedicação exclusiva por parte do professor universitário, e com os arquitetos não é diferente, por quê não incentivar o docente de arquitetura a desenvolver projetos em conjunto com os estudantes? Se assim o fosse, o aluno poderia ter um aproveitamento muito maior do aquele que tem em estágios nos escritórios particulares, onde são meramente desenhistas.

É indiscutível a importância que a pesquisa no campo da arquitetura tem na produção do conhecimento. Entretanto, não basta que sejam realizadas somente pesquisas de caráter teórico, que têm como fim a edição de um livro ou mesmo as gavetas das universidades. Se o projeto é um dos campos de atuação do arquiteto, a pesquisa nesta área deve ser incentivada e valorizada como qualquer outra, de modo que proporcione um maior contato do professor com a prática projetual e gere reflexos positivos no ensino de projeto.

Destacamos, portanto, algumas idéias de caráter prático que dizem respeito às atribuições do professor de projeto; sem ter, obviamente, a pretensão de que sejam tomadas como definitivas:

1 – As pontuações destinadas à pesquisa e à publicação de trabalhos nas gratificações incorporadas aos vencimentos do professor deveriam ser estendidas às atividades projetuais desenvolvidas dentro da universidade, entre as quais podemos destacar:

  • projetos de extensão que trabalhem efetivamente com projetos de arquitetura (são pouco incentivados e/ou valorizados atualmente);
  • criação de laboratórios de projetos para atender às comunidades de baixa renda que não podem arcar com os custos de um profissional qualificado, onde os alunos desenvolveriam seus estágios (sem criar concorrência desleal aos profissionais atuantes no mercado) (3);
  • possibilidade dos professores de projeto poderem participar de concursos nacionais e internacionais de projetos de arquitetura como autores do projeto e contando a participação/parceria dos estudantes;

2 – O professor de arquitetura deve ser tratado como um profissional que o é: arquiteto, assim como o médico é tratado como tal;

3 – Incentivo e apoio financeiro à participação de professores em seminários, congressos e eventos que envolvam a discussão de práticas pedagógicas relacionadas ao ensino de arquitetura;

Devemos, portanto, encarar com seriedade a questão da formação do “novo professor de projeto de arquitetura”, pois ele está sendo formado agora, nos cursos de Mestrado e Doutorado. E, por inserir-me neste grupo de profissionais que almeja seguir a carreira acadêmica, adianto minhas inquietações e proponho que este assunto continue em pauta, não deixando que a bonança do Projetar 2003 tome lugar em nossas mentes. Que continuemos a remoer os destroços da tempestade de idéias que presenciamos neste seminário para que, juntando as forças, possamos seguir adiante nesta discussão que visa a melhoria do ensino de projeto (3).

notas

1
Título importante para o desenvolvimento dos argumentos aqui apresentados: VELOSO, Maísa & ELALI, Gleice A. A Pós-Graduação e a Formação do (Novo) Professor de Projeto. In: In: LARA, Fernando & MARQUES, Sônia (org.). Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro, EVC, 2003.

2
A respeito, ver CARVALHO, Ramon Silva & RHEINGANTZ, Paulo Afonso. “Contribuições da Pós-Graduação para o ensino de projeto de arquitetura”. In: Anais do I Seminário Sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura (Projetar 2003). Natal, outubro de 2003.

3
Constatamos que experiências deste tipo têm gerado resultados bastante satisfatórios, como é o caso do Laboratório de Projetos do Centro Universitário Objetivo, de Curitiba (ver RIBEIRO, Orlando P. Laboratório de Projetos + Estágios Supervisionados: abordagem crítica sobre a implantação de Laboratórios de Projetos e Estágios supervisionados nas escolas de Arquitetura e o papel didático-pedagógico desses instrumentos no âmbito do ensino de arquitetura. In: Anais do I Seminário Sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura (Projetar 2003). Natal, outubro de 2003.

Leia também os seguintes artigos sobre o Seminário Projetar 2003:

Fernando Lara e Sônia Marques, "O projeto do projeto"

Maísa Veloso e Gleice Azambuja Elali, "Qualificar é preciso... Uma relexão sobre a formação do professor de projeto arquitetônico"

Edson da Cunha Mahfuz, "Reflexões sobre a construção da forma pertinente"

Elvan Silva, "Natal em outubro: uma pauta para a investigação teórica no domínio do projeto arquitetônico"

sobre o autor

Ramon Silva Carvalho é arquiteto, mestrando em arquitetura pelo PROARQ/FAU/UFRJ, especialista em Desenvolvimento Estratégico do Projeto em Engenharia e Arquitetura pela Universidade Federal de Juiz de Fora, 2001. Foi professor substituto na Universidade Federal de Juiz de Fora (2000-2002) e Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Núcleo Juiz de Fora, 2002

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O projeto do projeto

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045.01

Qualificar é preciso... Uma relexão sobre a formação do professor de projeto arquitetônico

Maisa Veloso and Gleice Azambuja Elali

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Reflexões sobre a construção da forma pertinente

Edson Mahfuz

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Natal em outubro: uma pauta para a investigação teórica no domínio do projeto arquitetônico

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