A Ponte das Bandeiras não se constitui, simplesmente, numa via de circulação. É, na verdade, um marco da vontade de progresso que contagiou a sociedade paulistana na primeira metade do século XX. Constitui-se, também, no resultado de enormes e dispendiosos esforços na busca de soluções urbanísticas para as áreas insalubres que a cidade ansiava conquistar às teimosas inundações provocadas pelo rio. Sua implantação deveu-se a inúmeros estudos e planos que procuraram tirar partido da técnica urbanística desenvolvida no ocidente, a partir de meados do século XIX, e de novas tecnologias, na tentativa de vencer as forças da natureza.
A seguir vamos examinar alguns desses projetos que, encadeados, resultaram na construção do objeto deste estudo. No entanto, como veremos, sua forma plástica assumiu várias conformações e sua existência justificava-se, ainda, por se tratar de um dos elementos mais significativos de um plano maior, ambicioso e que procurava refletir a imagem de uma cidade cosmopolita. Ajustava-se um novo portal de ingresso à cidade.
Esta vontade de transformação principiou a delinear-se a partir do terceiro quarto do século XIX. Naquele período, a região central da cidade passou por grandes transformações, resultado do largo impulso que a cultura do café proporcionou à cidade, exigindo a sua modernização.
Assim, as reformas sanitaristas de princípios da década de 1880, que estreitaram vínculos entre autoridades de governo e profissionais oriundos da recém-criada Escola Politécnica, já buscavam providenciar novos arruamentos, canalização de córregos e rios e drenagem do solo nas franjas da mancha urbanizada, como era o caso das várzeas do Tietê e Tamanduateí (1).
Além do mais, a construção do primeiro Viaduto do Chá, seguido pelo de Santa Efigênia, promoveu a primeira grande expansão do centro histórico, seguindo o vetor oeste e constituindo o que viria a se chamar de Centro Novo, em torno da Praça da República. Ao ser ultrapassado, o Vale do Anhangabaú, até então várzea sem maior importância, ganha um papel fundamental no novo arranjo de uma cidade que buscava mimetizar ares parisienses. O projeto do arquiteto francês Bouvard, agregando essa área ao centro histórico através de um elegante parque é complementado pela construção do Teatro Municipal, obras de grande impacto cenográfico que, segundo Sevcenco, transferiu para o vale todo o eixo geocultural da cidade (2).
Com o passar dos anos e o inexorável processo de metropolização da cidade, o Vale do Anhangabaú transformou-se num grande eixo de circulação de veículos que, atravessando o centro expandido da cidade, interligou as emergentes áreas urbanizadas ao sul (3) com as grandes estações ferroviárias erguidas ao norte da cidade.
Ao alinhavar-se este importante vínculo entre a área central e os múltiplos vetores de sua expansão, estabelece-se uma sucessão de grandes embates acerca dos conceitos urbanísticos a serem adotados na implantação dos diversos planos de ocupação dessas áreas. A Ponte Grande assume, então, emblemático foco nas demandas pela melhoria da vazão fluvial do rio, de sua transposição, de seu saneamento e, por conseguinte, a ocupação de suas várzeas.
A visão sanitarista dos primitivos planos justificava-se pelos conhecidos surtos de doenças que acometeram a população paulistana, no período de transição entre os dois últimos séculos. Alguns dos focos identificados como causadores de hediondas moléstias eram os córregos e rios, que durante as cheias espraiavam-se pelas suas veigas e alcançavam baixios já ocupados pela população, contaminando-as; já que nenhum esgoto lançado ao leito dos rios era tratado.
O engenheiro Victor da Silva Freire, então diretor da Secção de Obras de Prefeitura de São Paulo e professor da Politécnica, buscou antecipar-se aos problemas. Em seu plano, Melhoramentos de São Paulo (4), defendia de forma consciente a renovação urbana da cidade por intermédio de padrões modernos e implantação de largas avenidas sem, contudo, descaracterizar a parte antiga da cidade. Sua defesa da "não eliminação dos suportes materiais da memória coletiva, marcas do passado no presente..." (5) traduz uma concepção estética vinculada ao pitoresco (6), opõe-se ao modelo parisiense de Haussmann e aproxima-se das teorias de Camillo Sitte (7). Pregou a manutenção das ruas e praças existentes na zona central da cidade que, segundo ele, embora sujeitas aos poucos exigentes padrões coloniais, evitaram a “implantação geométrica... regular, fatal das cidades americanas em geral" (8).
Sua difusão, porém, deveria se dar segundo um moderno esquema radio-concêntrico, precursor de planos que se seguiriam. Essa propositura não encontrou aplicação concreta e imediata; entretanto, é patente a influência de Freire nos empreendimentos consecutivos, criados por Ulhôa Cintra e Prestes Maia, como veremos a seguir.
Os primeiros projetos de retificação do Tietê datam das duas últimas décadas do século XIX. Não serão tratados aqui para que não nos alongarmos demais, afastando-nos excessivamente do nosso objetivo.
Sabe-se que Ulhôa Cintra (9), em 1923, é convocado a apresentar um plano substitutivo ao do engenheiro Fonseca Rodrigues, logo após as críticas expressas pelo diretor de Obras do Município: Silva Freire julgava-o descuidado em relação ao aformoseamento da cidade. O projeto de Cintra previa certa sinuosidade do leito do rio, visando conciliar aspectos econômicos aos critérios estéticos pinturescos: as curvas evitavam atravessar zonas já urbanizadas e adequava-se à utilização de dragas que exigiam proximidade do novo canal ao curso natural do rio. A proposta, por fim, antecipava as avenidas marginais (parkways) (10) que seriam desenvolvidas posteriormente, em conjunto com Prestes Maia (11).
No ano seguinte, o eminente engenheiro Saturnino de Brito, conhecido pelo saneamento de Santos por meio de canais, foi encarregado de elaborar um plano de retificação do leito do Tietê, entre a Penha e Osasco (12). As ações decorrentes da proposta deveriam contemplar os seguintes aspectos: evitar inundações das várzeas nas zonas urbanas; navegabilidade nesse trecho; e encaminhar as descargas de esgoto para juzante. O traçado proposto, que encurtava o curso do rio em cerca de 20 km e o aterro das baixadas possibilitavam o aproveitamento de 25 km² das áreas até então inundáveis. Esse objetivo principal, e a configuração definitiva das avenidas marginais são alguns de seus produtos que embasaram os planos e obras que se sucederam. Nele, entretanto, já se encontrava contemplada a substituição da Ponte Grande por outras duas que fariam a transposição fluvial por etapas: previa-se a constituição de uma ilha entre as duas margens, naquele ponto.
Nesse meio tempo, Prestes Maia e Ulhôa Cintra esboçam um sistema viário para São Paulo. Decorridos seis anos do traçado de Saturnino de Brito, Prestes Maia detalha o seu Plano de Avenidas (1930). Nele, concebendo um complexo de vias radio-perimetrais contornando a mancha urbanizada da cidade. As avenidas marginais ao Pinheiros e Tietê completariam, junto com o Ipiranga e o vale do Tamanduateí, o traçado esquemático de um círculo. Esse programa viário foi denominado pelos dois como perímetro de irradiação.(13) O sistema, assim, era composto de parkways, avenidas que interligavam parques, procurando conjuminar as linhas de circulação com as áreas verdes. Na definição de do próprio Prestes Maia o circuito de parkways:
"É uma orientação americana, moderna e feliz, a de ligar entre si os parques duma cidade por meio de avenidas amplas que conservam alguns caracteres que lembram os parques, tais como arborização, ajardinamento, casas afastadas, etc." (14).
Desse modo, percebe-se, naquele momento, uma transição que determinaria novo eixo de orientação para o nosso pensamento urbanístico; absorvendo uma nova fonte: os Estados Unidos da América – potência emergente após o primeiro grande conflito mundial. Verifica-se, a partir de então, um certo declínio das influências dos modelos europeus até então determinantes no seio de nosso planejamento urbano (15). Evidentemente, que a mutação de Prestes Maia deu-se de forma gradual; mas que, de qualquer forma, nunca deixou de atentar para os aspectos estéticos de suas sucessivas propostas de intervenção urbana. Esta é uma clara demonstração de que as raízes de seus princípios teóricos encontravam-se em Silva Freire (ideal em Camillo Sitte); porém, sua identificação com propostas eminentemente "científicas" e "neutras" deve-se ao seu contato, e de Ulhôa Cintra, com a obra de Nelson Lewis, (16) quando da elaboração do Plano de Avenidas.
É interessante notar que a partir de uma comissão de estudos dos problemas relativos às constantes inundações provocadas pelo Tietê e seus afluentes, na cidade de São Paulo, foi possível viabilizar um ambicioso plano para reestruturar todo o sistema viário da Capital. Como Prestes Maia pode participar disso e qual a importância do papel da Ponte das Bandeiras é o que veremos a seguir.
A nova Ponte Grande, ou a grande ponte sobre o Rio Tietê: a Ponte das Bandeiras
"Para mim, só dois homens que já exerceram funções públicas demonstraram essa honestidade absoluta: José Américo (o escritor que foi governador da Paraíba) e Prestes Maia. Todos os demais são relativamente honestos, inclusive eu."
Monteiro Lobato, 1946.
Em função do golpe do Estado Novo, em 1937, no ano seguinte, Prestes Maia foi nomeado prefeito de São Paulo pelo então interventor Ademar de Barros.
O novo administrador procurou concluir as iniciativas de seu antecessor, Fabio Prado, e durante os próximos sete anos transformou a capital num imenso canteiro de obras, viabilizada pela reorganização financeira e administrativa que lhe fora deixada de herança.
Conclui o Viaduto do Chá e a Avenida Nove de Julho, iniciadas na gestão de seu predecessor, e, em seguida, põe em ação o seu Plano de Avenidas. Aproveitou-se das facilidades criadas a partir do novo regime. Nesse período, instrumentos legais, amparados pela legislação federal de 1938, rebaixaram bruscamente os valores desembolsados nas desapropriações.
"Começava o reinado do prefeito demolidor, o 'bota-abaixo' paulistano,abrindo avenidas e alargando ruas, em escala inédita até então”. (17)
Resumidamente, concluiu o primeiro o perímetro de irradiação, completando o "triângulo ampliado" concebido por Silva Freire em 1911. Implantou o segundo circuito perimetral, alargando a Duque de Caxias. Abriu, expandiu e remodelou praças como a Charles Muller. Desapropriou áreas destinadas à criação do Parque Guarapiranga, junto à represa. Planejou e deu iniciou às radiais, que foram implantadas posteriormente, sob outras administrações.
A relação de obras realizadas na sua gestão é extensa e tomaria tempo demais relacioná-las e comentá-las aqui. Para a compreensão da importância de nosso objeto, veremos, com alguma profundidade, a implantação do "sistema Y", descrito acima.
Esboçado no "Esquema Teórico de São Paulo", de Ulhôa Cintra, uma das doze radiais projetadas configurava-se na avenida Saracura (atual Av. 23 de Maio) como um de seus tramos. Prestes Maia, no capítulo IV de seu Plano de Avenidas, aprofunda e fundamenta a proposta, calcado-a na experiência internacional (18).
Maia justificava a sua implantação – pois a idéia de uma diametral cruzando o centro da cidade parecia contraditória à concepção de um sistema radio-perimetral irradiando-se a partir da primeira linha que o contornava – pela possibilidade desse obstáculo ser ultrapassado em desnível, sob o anel central (ou seja, sob os viadutos 9 de julho e Dona Paulina).
Conforme Toledo,
"O 'sistema Y' acabou se constituindo a espinha dorsal da Cidade de São Paulo e um dos mais hábeis exemplos de implantação de um sistema de vias em meio a uma trama urbana". (19)
As novas avenidas projetadas, Itororó e 9 de Julho configuravam os dois galhos do Y, enquanto que a perna seria delineada pela implantação da ligação destas à Av. Tirandentes. Tratava-se da atual Avenida Prestes Maia.
Assim, Maia dedica-se a desobstruir o Anhangabaú inferior. Lançando mão de desapropriações, dá início à abertura do tramo sul do sistema. Entretanto, ao norte a consecução do plano esbarrava num dilema: a demolição da Delegacia Fiscal. O prédio posicionado exatamente no eixo da nova via na altura da Avenida São João, era de propriedade da União e representava o Governo Federal em São Paulo, sustentáculo de sua permanência no comando do município.
As articulações de Fernando Costa, ao denunciar suspeitas de corrupção no Governo do Estado, culminaram por derrubar Ademar de Barros e garantir a sua própria ascensão ao cargo. Costa demitiu todo o secretariado, entre outros cargos indicados pelo seu antecessor. No entanto, a forte atuação de Prestes Maia impede a sua queda. Considerado um administrador técnico, realizador e amparado por interferência do Governo Federal, que desejava servir-se de sua reputação de eficiência e honestidade, Maia capitaliza seu rol de obras e permanece no cargo a despeito da preferência de Costa por Anhaia Melo (20).
Desse modo, Prestes Maia viu-se obrigado a pagar um alto preço pelo imóvel e teve de aturar a protelação do órgão federal em desocupá-lo; o que só aconteceu após a queda do Estado Novo. Portanto, a conclusão do sistema Y no centro da cidade só pode completar-se nas décadas seguintes. Além disso, dois de seus inúmeros estudos não tiveram continuidade: a transferência das ferrovias para a margem direita do Tietê e o Túnel São Bento que integraria o Vale do Anhangabaú à perimetral leste-oeste (21).
Não obstante, estava traçado o sustentáculo da idealizada ligação norte-sul, cruzando a área central. Restara, então, implantar os dois grandes portais de ingresso.
Ao sul, Prestes Maia sonhara com a possibilidade de implantá-lo através de um complexo formado por edifícios públicos conjugados a um novo viaduto cruzando o vale e interligando o largo de São Francisco e os altos da Ladeira da Memória. Por sob os arcos deste, á direita, iniciar-se-ia a Av. Nove de Julho e à esquerda a Av. Itororó, já mencionadas. O complexo concebido como Paço Municipal destinava-se a transformar o recanto bucólico e aprazível imaginado por Bouvard num fórum triunfal dominado por grandiosos edifícios (22).
O Paço Municipal foi concebido por Maia em estilo "moderno" que contrastava com os demais propostos por ele próprio onde predominava a linha "historicista" – em consonância aos edifícios do Conde Prates, então existentes no Anhangabaú. Inspirava-se, ao que tudo indica para o caso do conjunto do Paço, na lei de zoneamento de Nova Iorque, pois ele mesmo afirmou:
"Uma conseqüência da lei é a silhueta dos novos arranha céus, de que os arquitetos têm tirado o melhor partido. {...] A forma piramidal em degraus pode favorecer o aspecto das ruas e conciliar a uniformização das fachadas com a movimentação do skiline". (23)
Objeto de concurso público em 1938, sua comissão julgadora decidiu por premiar os projetos de acordo com a sua classificação; porém, nenhum deveria ser encarado com o propósito de sua edificação em virtude da comissão não encontrar em nenhum deles as condições de que esperavam para um projeto de tal importância (24).
Toda essa movimentação indicava que para o lado oposto necessitava-se criar um outro portal que coroasse o sistema "Y" e o Plano de Avenidas.
Também nesse caso, via de regra, a estética urbana preconizada por Prestes Maia enfatizava a monumentalidade das perspectivas visuais; como é possível verificar na sua produção de aquarelas ilustrativas. Mais do que isso, seus desenhos exprimiam de maneira dramática a cidade como espetáculo cenográfico. Segundo Diêgoli, para ele
"montar uma paisagem urbana espetacular, eram cuidadosamente projetados ruas, edifícios, praças, pontes, viadutos". (25)
A versão inicial dessa parte do sistema estava intimamente ligada a duas questões básicas: a primeira referia-se à ligação com o complexo rodo-hidro-ferroviário a ser implantado do outro lado do Tietê, como comentamos acima – nessa situação, a Nova Ponte Grande determinaria o pórtico de ingresso a uma cidade que ele desejava monumental e moderna; a segunda questão vinculava-se à carga eminentemente metafórica que o ornamento deveria encetar no novo arranjo da Metrópole que tomava concretude em função da implementação de seu plano remodelador.
Desse modo Prestes Maia concebeu a ponte em formato de monumento. Empregou nessa composição uma linguagem tradicional, "historicista", que, segundo suas próprias palavras,
"Uma grande ponte deveria ser algo além de um mero meio de trânsito de um lado a outro do rio. Tem um significado imaginativo que não foi perdido de vista pelos grandes construtores de pontes do passado e que ainda está à espera de ser resgatado." (26)
Nessa primeira versão a ponte desenvolve-se em dois arcos completos que se apóiam num pilar central, sobre uma pequena ilha em meio ao canal do rio, que se alargaria nesse ponto. Nessa conjunção, o sustentáculo da cabeceira dos dois vãos da ponte surgiria sob a forma de grande grupo escultórico: o Monumento às Bandeiras. Segundo ele próprio, o esquema foi assim concebido no
"centro mesmo do rio, como uma grande proa a emergir das águas, voltada para jusante, justamente na direção do sertão, que o paulista devassou e que é ainda, dentro do Estado, a terra prometida". (27)
O esquema complementar-se-ia com a introdução de "compoteiras" encimando os pilares que arrimariam os arcos e pares de grupos estatuários sobre altos pedestais, em ambas as cabeceiras da ponte.
A idéia da homenagem aos pioneiros paulistas acomodou-se na proposta de Armando Salles de Oliveira e instalada como entrada para o Ibirapuera; o que frustrou a proposta da homenagem-ponte.
Assim, é possível verificar, nas versões que se sucederam a de Maia, outras soluções para o seu portal, retirando-se o monumento central, ajustando-o, paulatinamente, a uma roupagem "moderna".
Segundo, ainda, Diêgoli, a idéia da ponte significava também um marco da presença do Estado Novo em São Paulo. Nessa medida, a mudança de atitude estética, adotando soluções racionalistas de "retórica monumentalidade" e de forte apelo cívico, expressas sob formas e funções, procurou transmitir a idéia de uma estática solidez (28).
"Possivelmente, Prestes Maia projetou a cidade como um cenário, utilizando a arquitetura suntuosa para a afirmação de um poder. Apesar de afirmar a despreocupação em definir projetos arquitetônicos a priori, tratava todos os elementos com rigor formal. Elementos de passagem como pontes e viadutos recebiam o mesmo tratamento monumental que os edifícios. Assim poderiam ser chamados de verdadeiras obras de arte. Segundo Prestes Maia, as pontes e os viadutos constituiriam pontos de atração e valorização da cidade e, portanto, deveriam ser mais que ”pontes ordinárias", deveriam ser ‘viaductos lateralmente edificados’. Neste sentido, citava o exemplo da Ponte Vecchia, de Florença". (29)
Maia realizaria, assim,
"um dos empreendimentos de maior peso simbólico do Plano de Avenidas, a nova Ponte Grande (atual Ponte das Bandeiras) transpondo o Tietê no eixo de seu projetado sistema Y". (30)
Coroando todo o empreendimento de valorização das várzeas e de conquista dessas áreas a nova ponte foi construída durante os trabalhos de retificação do rio; portanto, enquanto o solo ainda estava seco.
A Companhia Construtora Nacional, parceira de vários empreendimentos, concluiu o projeto definitivo em 1939. Comparando-se o projeto e a obra, percebe-se uma simplificação ainda maior no seu resultado em virtude da omissão de alguns detalhes que foram abandonados. As esculturas (e relevos) que estariam dispostas sobre o ingresso às torres não foram realizadas e os revestimentos de pedras naturais não foram aplicados. Em compensação, clarabóias que iluminam o ingresso às garagens de embarcações, na cabeceira oposta, foram incluídas. A proposta executada previa vencer o canal num único vão arcado, numa resolução semelhante à adotada no caso do Viaduto do Chá – obra concluída por Maia.
As obras foram inauguradas em 1942, durante a sua gestão e contando com a presença do Interventor Fernando Costa para o evento.
Nas palavras de Maia, algo proféticas,
"será verdadeiramente a 'principal entrada da cidade'. Acrescentemos a circunstância de transpor o Tietê, o curso histórico das penetrações sertanejas, e fica explicado porque erigimo-la em 'memorial bridge', que comemorará ainda as obras do Tietê, a conquista e urbanização da várzea, – o maior de nossos empreendimentos municipais. Os acontecimentos memorados pela Ponte Grande são as Bandeiras". (31)
Explica-se, assim, a origem da denominação com que ficou consagrada a nova ponte.
A Estação Geral, ou Estações Reunidas, como ficaria conhecido o terminal centralizado e previsto no Plano de Avenidas não foi implantado. Desse modo o portal de entrada da cidade restou um pouco incongruente na situação definitiva. No entanto, para quem de automóvel alcança a Cidade de São Paulo, por intermédio da avenida marginal ao Tietê, é marcante a presença deste testemunho para o acesso ao centro da cidade. A imponência de seus mirantes, a exemplo de faróis a balizar o rio, destacam-na como figura impar na paisagem paulistana.
Quanto a Prestes Maia, sua carreira política, após vários reveses, o levaria novamente à frente do executivo municipal. Em 1961 é candidato do Governador Carvalho Pinto tendo como opositores fortes postulantes apoiados, de um lado, por Jânio Quadros e, de outro, Ademar de Barros – ambos considerados "bons de urna". Surpreendentemente, o urbanista derrota os seus adversários de forma contundente e inicia uma segunda gestão, pelo voto popular. Dessa vez, entretanto, encontra os cofres públicos totalmente comprometidos e uma enorme desorganização administrativa. Limita-se, então, a recuperar e a conservar o patrimônio municipal.
Sua maior vitória, nesse período, deveu-se ao seu embate com o Governo Federal em busca da justa redistribuição orçamentária a que se devia a São Paulo por direito constitucional. O resultado desse triunfo só foi colhido a partir de seu sucessor, Faria Lima.
Em 1964 adoeceu e deveria afastar-se das funções. Insiste em permanecer até o final de seu mandato, o que agravou as suas condições de saúde. Decorridas duas semanas da transmissão do cargo, em 26 de abril de 1965, falece Francisco Prestes Maia.
nota
1
Apud. BRESCIANI, Maria Stella, Imagens de São Paulo: Estética e cidadania. In: FERREIRA, Antonio C.; DE LUCA, Tania R.; IOKOI, Zilda G. (orgs.). Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo, Editora UNESP, 1999. p. 27.
2
SEVCENKO, Nicolau. O orfeu estático na metróple: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Companhia das Letras, 2000. p. 232.
3
Os empreendimentos do Jardim América, pela Cia. City, e Jardim Europa estabeleceu uma nova modalidade de bairros residenciais às elites paulistanas: os bairros-jardim. Este novo pólo de valorização de áreas, até então desocupadas, estabeleceu um novo e vigoroso vetor de crescimento da cidade no rumo sudoeste.
4
FREIRE JR. Victor da Silva. Melhoramentos de São Paulo. In: Revista Polytechnica. São Paulo. v. 6, n. 33, p. 91-145, fev./mar. 1911.
5
Apud. BRESCIANI, Maria Stella, Imagens de São Paulo: Estética e cidadania. In: FERREIRA, Antonio C.; DE LUCA, Tania R.; IOKOI, Zilda G. (orgs.). Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo, Editora UNESP, 1999. p. 34.
6
Idem; Ibidem. p. 34.
7
Sitte, arquiteto e urbanista austríaco, nasceu em Viena e estudou na "Technische Hochschule" entre 1863 e 1868. No mesmo período freqüenta o curso de História da Arte e Arqueologia da Universidade de Viena. passa a atuar de forma autônoma em 1873. Dois anos depois assume a direção da Escola de Artes e Ofícios de Salsburgo. Em 1877 funda o periódico "Salzburguer Geverbeblatt" e é neste período que se familiariza com as questões relativas à restauração de monumentos antigos. Decorridos seis anos, retorna a sua cidade natal e organiza o Liceu de Artes e Ofícios daquela localidade; dirigindo-o até o fim da vida. Em 1889 publica sua obra de maior vulto: A construção das cidades segundo os seus princípios artísticos. Nela, Sitte procura defender o seu ponto de vista segundo uma concepção orgânica das cidades, calcado em aprofundados estudos de cidades antigas. Esta posição se contrapõe à monumentalidade e a simetria dos planos urbanos concebidos naquele período. Além de influenciar o planejamento de vários projetos de extensão de cidades corrobora para a formulação intelectual de grandes urbanistas que o sucederam; tais como Patrick Geddes, Raymond Unwin e Lewis Munford. Lamentavelmente, seu pensamento foi rechaçado pelos racionalistas que o consideravam por demais retrógrado e suas lições foram, por longo período, esquecidas. Segundo o arquiteto e professor Carlos Roberto Monteiro de Andrade, os ensinamentos de Sitte influenciaram vários profissionais brasileiros; como por exemplo o engenheiro Saturnino de Brito. Fonte: TOLEDO, Benedito L. de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996. p. 289. ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de (Org.) e HENRIQUE, Ricardo F. (trad.). A construção de cidades segundo seus princípios artísticos. São Paulo, Ática, 1992. p. 6.
8
Idem; Ibidem. p. 35.
9
Vide biografia anexa ao final deste texto.
10
As parkways ou vias-parque são eixos em cujos flancos são dispostas áreas verdes lineares sob uma ótica paisagística. O conceito, desenvolvido por paisagistas norte-americanos, foi introduzido em São Paulo pela Companhia City que patrocinou estudos de Barry Parker para glebas de sua propriedade na Bela Vista (1917-1918). Os planos de Parker para a região incluíam a proposta para o "Parkway do Bexiga", que ocuparia o fundo e as encostas do Saracura. CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p. 261.
11
LEME, Maria Cristina da S. (Coord.), et al. Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, FAUUSP/Nobel, 1999. p. 268.
12
O prefeito Firmiano Pinto incumbe-o de dirigir os trabalhos da recém-criada Comissão de Melhoramentos do Tietê. LEME, Maria Cristina da S. (Coord.), et al. Op. cit., p. 268.
13
Nas propostas de Ulhôa Cintra se identifica fundamentos teóricos das idéias do arquiteto francês Eugène Hénard. Segundo Campos, o conceito teórico das estruturas radioconcêntricas foi enunciado por Hénard, citado por Cintra em conferências proferidas entre 1911 e 1914. Para aprofundamento da questão: CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p. 263.
14
MAIA, Francisco Prestes. Estudo de um plano de avenidas para a Cidade de São Paulo. São Paulo, Melhoramentos, 1930. p. 122. In: TOLEDO, Benedito L. de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996. p. 215.
15
Como tão bem expôs Bresciani, recorrendo a Baczko, que "uma das funções dos imaginários sociais consiste na organização e domínio do tempo coletivo no plano simbólico", referindo-se a duas imagens imobilizadas de São Paulo em tempos distintos: "... o das origens e o da 'europeização' descaracterizadora, mas necessária". A esses, acrescentamos um outro: o da moderna metrópole que naquele momento se amalgamava em consonância ao modelo da expoente nação do novo mundo. A partir de então, presume-se, que os modelos Sittenianos são, paulatinamente, relegados a um plano inferior. Por intermédio de Prestes Maia, tradutor de uma nova vontade política, cuida-se de elaborar uma outra identidade para a nossa cidade, calcada com maior força nos aspectos técnicos e utilitários e com menos intensidade nos artísticos. Percebe-se em Maia um elemento de transição, que procurava equilibrar-se sobre solubilidade dessas duas correntes.
Para o autor acima citado, ver: BACZKO, Bronislaw. Les imaginaires sociaux. Mèmoires et espoirs collectifs. Paris, Payot, 1984. Apud. BRESCIANI, Maria Stella, Imagens de São Paulo: Estética e cidadania. In: FERREIRA, Antonio C.; DE LUCA, Tania R.; e IOKOI, Zilda G. (orgs.). Encontros com a História: percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo, Editora UNESP, 1999. p. 35. Para Bresciani, ibidem. p. 35 e 36.
16
Segundo Campos, a obra desse profissional, The planning o the modern city (1916) foi um dos manuais de urbanismo mais difundidos na época. Lewis foi co-autor da Lei de Zoneamento de Nova York, a primeira a regulamentar os arranha-céus. CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p. 396.
17
CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002. p. 579.
18
TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996. p. 168.
19
Ibid., p. 168.
20
O Governo Estadual preferia a chancela "técnica" para o cargo do Professor Anhaia Melo, que acabou nomeado para Secretaria Estadual de Viação e Obras Públicas. Luiz Ignácio de Anhaia Melo, nascido em 1891, era filho de um dos criadores da Escola Politécnica e formou-se por essa instituição em 1913. Posteriormente, foi seu professor (1926), seu vice-diretor entre o final da década de 20 e meados dos anos 30. Concomitantemente ocupou a presidência do Instituto de Engenharia. Foi, por dois breves períodos (alguns meses), prefeito de São Paulo. Fundou, em companhia de Prestes Maia, a Sociedade Amigos da Cidade de São Paulo, em prol do urbanismo; porém, sua divergências se iniciaram nesse período e, posteriormente, intensificaram-se. Suas diferenças baseavam no controle da expansão urbana através do instrumento de restrições ao uso do solo (Melo) versus a organização do crescimento pela adaptação da estrutura viária e do sistema de transporte (Maia).
Para o episódio da demissão de Ademar de Barros: CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002., p. 576 e 577.
Para a biografia de Anhaia Mello: LEME, Maria Cristina da S. (Coord.), et al. Urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo, FAUUSP/Nobel, 1999., p. 478 a 479.
21
Nessa última proposta, de túnel, vamos encontrar o gancho para apresentar uma constante personagem na execução de projetos e obras de Prestes Maia: A Companhia Construtora Nacional S/A. Com sedes no Rio De Janeiro e São Paulo, esse empresa participou de milhares de realizações pelo Brasil. Na Cidade do Rio, destaca-se a sua participação no consórcio construtor do Estádio do Maracanã (uma das maiores estruturas de concreto armado de sua época: 1950). Em São Paulo, entre inúmeras obras e além do esboço para o túnel citado, em 1929 – vide, TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996. p. 128., destacam-se a construção do Viaduto 9 de Julho e do projeto (1939) e obra (1943) da versão definitiva para a Ponte das Bandeiras.
22
CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002, p. 420.
23
Citado em : TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996, p. 179.
24
A comissào nomeada pelo próprio Prestes Maia buscou representatividade das entidades públicas e particulares. Foi composta por eminentes personalidades como: Heribaldo Siciliano, Jorge Przirembel Ary Torres, Dacio de Moraes, Francisco Silva Telles e Carlos Gomes Cardim, entre outros. Foi presidida por Ulhôa Cintra. A classificação final foi a seguinte: em primeiro lugar, a empresa Severo & Villares; em segundo, Warchavchik e João B. Vilanova Artigas. Concedeu-se menção honrosa a Fla'vio de Carvalho. In: DIÊGOLI, lLeila Regina. Prestes Maia e sesus Projetos de cenografia urbana. In: FENELON. Déa Ribeiro. Cidades: pesquisa em história. São Paulo, PUC-SP, 2000, p. 41-43.
25
DIÊGOLI, Leila Regina. Prestes Maia e seus projetos de cenografia urbana. In: FENELON. Déa Ribeiro. Cidades: pesquisa em história. São Paulo, PUC-SP, 2000, p. 38.
26
Citado em : TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996, p. 273.
27
Citado em : TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996, p. 275.
28
DIÊGOLI, lLeila Regina. A arquitetura oficial e o Estado Novo. In: CIDADE. Ano 3, (set. 1996). São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico, 1996, p. 49 e 51.
29
DIÊGOLI, lLeila Regina. Prestes Maia e sesus Projetos de cenografia urbana. In: FENELON. Déa Ribeiro. Cidades: pesquisa em história. São Paulo, PUC-SP, 2000, p. 40.
30
CAMPOS. Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo, Editora SENAC, 2002, p. 581.
31
Citado em: TOLEDO, Benedito Lima de. Prestes Maia e as origens do urbanismo moderno em São Paulo. São Paulo, Empresa das Artes, 1996, p. 238.
bibliografia complementar
ARAUJO. Emanoel; e LEMOS. Carlos A. C. O álbum de Afonso: a reforma de São Paulo. São Paulo, Pinacoteca do Estado, 2001.
BRUAND. Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Editora Perspectiva, 1981.
BRUNA. Paulo J. V.; CESAR. Roberto de C. e FRANCO. Luiz Roberto Carvalho. Área da Luz: renovação urbana em São Paulo. São Paulo, Perspectiva, 1977.
CALDEIRA. Luiz G. Barbosa. Ponte das Bandeiras – histórico do desenvolvimento. São Paulo, 2004. Mimeo.
JORGE, Clóvis de Atahayde. Santa Ifigênia. São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico, 1999.
MAIA, Francisco Prestes. Os melhoramentos de São Paulo. São Paulo, Melhoramentos, 1945.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO/SECRETARIA DE VIAS PÚBLICAS. Ponte das Bandeiras: 50 anos de história. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo/SVP, 1992.
ROLNIK, Raquel. A Cidade e a lei; Legislação política urbana e território na cidade de São Paulo. São Paulo, Studio Nobel/FAPESP, 1997.
REIS. Nestor Goulart. São Paulo: vila; cidade; metrópole. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo; FAPESP; Takano Editora Gráfica, 2004.
sobre o autor
Sergio Antonio de Simone, formado em Arquitetura (Faculdade de Belas Artes, SP) e pós-graduado em História da Arte (Unicamp, SP). Foi membro do Serviço Técnico de Conservação e Restauro (STCR) do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de SP. Teve trabalhos indicados para publicação pela Secretaria de Estado da Cultura. Desde 2005 atua na Companhia de Restauro.