Introdução
O presente artigo busca conceituar elementos e atributos de urbanismo sustentável, partindo de uma revisão bibliográfica sobre o tema e propondo ferramentas de planejamento e projeto de cidades para o século XXI, face às necessidades impositivas do processo de urbanização vigente, de alto impacto ambiental e promotor de conflitos diversos na esfera socioeconômica. Utiliza-se, para tanto, alguns dos principais autores contemporâneos no campo da sustentabilidade urbana, citados ao longo do trabalho.
Procedendo à continuidade da pesquisa – o que resultou em um artigo dividido em duas partes –, nesta segunda parte busca-se uma complementação às teorias urbanas já apresentadas anteriormente, abordando aspectos referentes à interpretação da cidade, à sua imagem, suas escalas e, por fim, à relação entre o modelo urbano compacto e disperso. Há ainda a apresentação de métodos e indicadores capazes de traduzir as complexidades do território urbano, tornando esta ferramenta um potencial apoio à gestão e ao planejamento das cidades.
Por fim, situa o Brasil nesse embate global entre o capital, o desenvolvimento e os paradigmas da sustentabilidade, vislumbrando a promoção de novas formas e modelos de se pensar e se propor o planejamento e o projeto de cidades.
A percepção do urbano a partir de sua imagem
“Olhar para a cidade pode dar um prazer especial, por mais comum que possa ser o panorama. Como obra arquitetônica, a cidade é uma construção no espaço, mas uma construção em grande escala; uma coisa só percebida no decorrer de longos períodos de tempo. O design de uma cidade é, portanto, uma arte temporal, mas raramente pode usar as seqüências controladas e limitadas das outras artes temporais, como a música, por exemplo. Em ocasiões diferentes e para pessoas diferentes, as conseqüências são invertidas, interrompidas, abandonadas e atravessadas. A cidade é vista sob todas as luzes e condições atmosféricas possíveis” (1).
De fato, as impressões que as pessoas têm sobre a cidade ou um lugar vão além da percepção visual e física, pois a cidade como espaço constituído, ocupado, agregador de histórias e vivências, oferece uma infinidade de sensações ao observador mais capcioso. Os sentimentos, os sabores, as memórias, os odores, as texturas, as cores, as formas, os marcos, as luzes e as sombras, a fauna e flora, os dramas cotidianos individuais e coletivos, a cultura, os fatos e a história, entre outros elementos que compõe a paisagem e a vida urbana, afetam e interagem distintamente com cada pessoa, conforme seus referenciais, vivências ou formação cultural, como também proporciona percepções distintas enquanto coletividade.
Para Lynch (2) cada indivíduo constrói a sua imagem particular das partes da cidade, estas que se complementam entre si, constituindo assim um quadro mental coletivo da realidade física da urbe. Por outro lado, cada indivíduo produz um juízo de valor sobre as condições de qualidade ambiental da cidade, conforme seus interesses, necessidades, objetivos e expectativas de vida, relativizando a noção de “qualidade” para cada pessoa. Assim, segundo Belgiojoso (3), a qualidade urbana não pode ser percebida e avaliada apenas sob aspectos morfológicos, ou seja, ela não pode ser pensada e planejada sob apenas o visível, o sensível (paisagem, estrutura e forma), mas também a partir das questões fisiológicas que se referem às atividades humanas, sua interação coletiva, sua diversidade. Assim sendo, percebe-se que muitos dos elementos visíveis são constituídos de elementos invisíveis em termos formais e estéticos, pois são expressos através da comunicação, das mensagens (muitas vezes subjetivas), da riqueza de estímulos, informações e significado.
A cidade é um sistema espacial complexo, composto de ruas, praças, bairros, redes, limites, multiplicidades de lugares, todos perceptíveis enquanto sistema isolado e enquanto elementos em seqüência e conectados, mas que contém uma essência de uso, função, vivência ou sentimentos, lugar onde o físico se conecta ao abstrato e subjetivo. Assim sendo, esses fragmentos do urbano são carregados de mensagens, símbolos e signos que podem trazer impressões e informações sobre a sociedade que a criou, sobre sua história, sua cultura, suas relações socioeconômicas, sua origem, seu desenvolvimento.
Com o objetivo de interpretar a cidade de uma forma total enquanto um conjunto de diversos elementos e a partir do olhar dos indivíduos, na década de 1960, Kevin Lynch (4) definiu cinco elementos básicos para interpretação do urbano, que constituiriam a “imagem da cidade”, são eles:
- Vias – são os canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou potencial, podendo ser ruas, alamedas, linha de trânsito, canais, ferrovias. Para muitos esses elementos são predominantes, pois são percebidos a partir do deslocamento dos indivíduos, se relacionando com outros elementos ambientais ao longo do trajeto;
- Limites – São elementos lineares não usados ou entendidos como vias pelo observador, constituindo-se me fronteiras entre duas fases, quebras de continuidade lineares: praias, margens de rio, lagos, muros, vazios urbanos, morros, vias, linhas de infraestrutura, etc;
- Bairros – São regiões médias ou grandes da cidade, dotados de extensão bidimensional. O observador penetra “mentalmente” nesses lugares e os reconhece devido suas características específicas que os dão identidade, podendo ser percebido a partir do interior ou do exterior, dependendo do indivíduo, e seu modo de observação, ou ainda da cidade.
- Pontos Nodais (ou núcleos) – São os pontos, os focos de atividades, os lugares estratégicos de uma cidade e que através dos quais o observador pode entrar, são focos de locomoção e deslocamento. Podem ser junções no tecido urbano, locais de interrupções do transporte, um cruzamento ou uma convergência de vias, momentos de passagem de uma estrutura para outra. Ainda podem ser o adensamento de construções com características e usos específicos (como um centro antigo ou comercial), ou mesmo uma esquina ou praça fechada. Dependendo da escala de percepção, um ponto nodal pode ser mais amplo ou mais restrito.
- Marcos – É um tipo de referência, porém, o observador não o adentra, ou seja, são externos. Em geral é um objeto físico: um edifício, um sinal, uma montanha, uma torre, um totem, um obelisco, o sol ou a lua. Podem estar dentro da cidade ou fora dela, porém, deve constituir uma direção constante, uma orientação. Os marcos podem se constituir em pequenos elementos, como uma árvore, um orelhão, uma placa ou uma maçaneta.
As imagens da cidade são ambientais e resultam de um processo bilateral entre o observador e seu ambiente. Assim, de acordo com as especificidades entre ambos, de acordo com as informações perceptivas filtradas, podendo variar significantemente entre distintos observadores. A imagem ambiental pode ser composta por três componentes: identidade (diferenças, personalidade e individualidade), estrutura (todas as imagens compostas devem ter relações internas definidas, para a coerência do todo), e significado (o observador deve ser capaz de captar significado, seja prático ou emocional) (5), em seu processo de percepção.
“Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de muitas imagens individuais. Ou talvez exista uma série de imagens públicas, cada qual criada por um número significativo de cidadãos. Essas imagens de grupo são necessárias sempre que se espera que um indivíduo atue com sucesso em seu ambiente e coopere com seus cidadãos. Cada imagem individual é única e possui algum conteúdo que nunca ou raramente é comunicado, mas ainda assim ela se aproxima da imagem pública que, em ambientes diferentes, é mais ou menos impositiva, mais ou menos abrangente” (6).
No entanto, é importante salientar que a interpretação de Lynch está focada na interpretação de objetos físicos perceptíveis (assim, morfológicos), porém, que contém uma carga imaginária subjetiva. Existem outras influências atuantes sobre a “imaginabilidade”, como o significado social de uma área, sua função, sua história, ou mesmo seu nome, estes que não são elementos formais. Entretanto, a análise está focada na premissa de que a forma deve ser usada para reforçar o significado, e não para negá-lo, assim, o design urbano não deve ser vazio enquanto sentido humano do lugar ao qual atende ou é aplicado. Decerto, o autor busca uma nova escala de interpretação do urbano, pois atesta que o grande ambiente urbano pode ter uma forma sensível, única, abrangente e mutante, e ainda afirma que “(...) Hoje em dia, o desenho de tal forma é raramente tentado: o problema inteiro é negligenciado ou relegado à aplicação esporádica de princípios arquitetônicos ou de planejamento de espaços urbanos”.
Segundo Panerai (7), o trabalho desenvolvido por Lynch (1960) em The image of the city, foi quem recuperou a legitimidade da análise na identidade das cidades norte-americanas e com as ferramentas mais eficazes. Assim, baseado nas teorias de Lynch, o autor caracteriza os elementos marcantes da paisagem urbana entre dois aspectos: 1) Análise Visual – A percepção de elementos sensíveis (os percursos, os pontos nodais, o setor, os limites, os marcos); e 2) Análise Seqüencial – Modificações do campo visual-quadros (parâmetros gerais de percepção do urbano, parâmetros laterais, parâmetros do ponto de fuga, fechamento frontal do campo visual / diafragma e enquadramentos dos planos). Posteriormente, em 1984, o próprio Lynch reconsidera suas teorias através do artigo publicado sob o título “Reconsidering the image of the city” (8), após 20 anos da data da primeira publicação, na qual o autor faz uma crítica à falta de adoção de critérios por parte da política urbana que permitam uma visão do todo urbano – Managing the Sense of a Region. Lynch reforça que ainda é negligenciada a compreensão da imagem da cidade pelo gestor urbano, salvo raros exemplos nos EUA (São Francisco, Dallas, Minneapolis), Japão, Israel e Escandinávia.
O urbano sob a ótica de análise das escalas
“A análise por meio das escalas visa atingir uma caracterização sensorial e ambiental que ofereça possibilidade de ações concretas no espaço, que apóie decididamente as ações dos projetistas e que conduza à recuperação das agressões antrópicas. Essas escalas podem ser utilizadas na geração de recomendações específicas para a sustentabilidade da cidade, assim contribuindo para incrementar o rendimento funcional, a eficiência energética e a qualidade estética do projeto urbano, o que, contribuirá para a qualidade e sustentabilidade da vida urbana” (9).
A escala, enquanto elemento de representação gráfica, é uma unidade mensurável que estabelece proporção de medida entre os elementos de desenho. Nos mapas, planos e plantas ela constitui-se de uma linha graduada que relaciona as distâncias ou dimensões reais com as figuradas ou representadas, a escala numérica ou gráfica indica as proporções de um desenho relativo às dimensões reais do objeto desenhado (10). No âmbito do urbano, a escala traduz-se numa interpretação muito mais complexa, pois ela relaciona parâmetros de análise do espaço edificado e do ambiente e sua relação com o homem (suas necessidades antropométricas, climáticas, sensoriais, subjetivas, perceptivas, analíticas, funcionais).
O desenho urbano carece de representação do espaço e do meio ambiente, e esta deve expressar suas características intrínsecas quanto à apropriação do território, do ambiente e da edificação. A expressão do lugar nasce desse confronto de forças espaciais (naturais e artificiais) associadas à apropriação e uso pelo homem em âmbito social. Por outro lado, a expressão qualitativa do lugar se dá através da equidade socioambiental, no qual a cultura ambiental está inserida no processo de produção da paisagem urbana, dos espaços públicos, dos equipamentos urbanos, da diversidade morfológica edificada, mobiliário qualitativo, etc. A apropriação desses critérios pelo urbano produzem uma identidade locacional específica capaz de traduzir as especificidades e adequações necessárias a cada parcela urbana, produzindo lugares que correspondem à imensa diversidade sociocultural da população urbana. O resultado desse entendimento conceitual está no reconhecimento do cidadão ao seu lócus (habitação, lote, quadra, bairro, região, cidade, estado, nação) e, conseqüentemente, o domínio da qualidade ambiental sustentável para toda a cidade.
Para Romero (11), é essencial compreender a relação entre quatro elementos principais para a proposição de indicadores que determinem projetos de cidades sustentáveis, sendo eles:
- Enlace – integração das esferas do econômico, social e cultural – relativo ao desenvolvimento econômico, a habitação acessível, a segurança, a proteção do meio ambiente e a mobilidade, no qual todos se inter-relacionam, devendo ser abordados de maneira integrada;
- Inclusão – dos segmentos e interesses coletivos – através deste deve-se considerar uma variedade de interessados para identificar e alcançar valores e objetivos comuns;
- Previsão – otimização de investimentos – como fundamento para a elaboração de objetivos em longo prazo;
- Qualidade – promoção da diversidade urbana - devem ser buscados e privilegiados elementos que contribuam para manter a diversidade e, através desta, é assegurada a qualidade e não apenas a quantidade dos espaços, proporcionando a qualidade global da vida urbana.
Associado a esses critérios, deve-se instrumentalizar a análise do espaço urbano através de escalas que objetivem a percepção do todo, como também das particularidades. Assim, segundo Romero (12), torna-se possível parametrizar o espaço da urbe através do entendimento das escalas do urbano, da área, do sítio e do lugar. A autora estabelece ainda o entendimento de espaço a partir de três grandes frentes do urbano: a edificação (superfície de fronteira – planos verticais); as redes (elementos de base, os fluxos – planos horizontais); e a massa (entorno, conjunto urbano – vegetação, água, construção, solo).
Para tanto, Romero (13) se apoia em autores distintos e de diversos campos do saber acadêmico, a exemplo da classificação dimensional de Morais (14), a de domínio territorial de Gregotti (15), a classificação organizacional de Abrami (16), e da classificação geográfico-climática de Monteiro (17). A partir dessa abordagem conceitual, Romero (18) estabeleceu um entendimento das escalas do urbano, de forma completa, subdivididas em macro, meso e micro escalas. São elas:
- Escala das grandes estruturas ou da cidade – que permite analisar as grandes estruturas urbanas, entendidas como o espaço da organização, dos recursos e da produção, bem como sistema de informação e de comunicação (19), ex.: a natureza da trama urbana, seus cheios e vazios, a massa edificada, os espaços que permeiam, a diversidade de alturas, o grau de fragmentação, qualidade perceptiva da grande forma física e organizacional, a variedade ambiental, o macro sistema de transporte e a permanência e a continuidade do construído;
- Escala intermediária do setor – esta corresponde à escala do bairro/área/setor, determinada com base nos critérios de organização produtiva do espaço em análise, ex.: relações morfológicas e sua respectiva resposta ambiental, acessibilidade ambiental/funcional (orientação que apresenta a estrutura urbana às energias naturais), homogeneidade (similaridade de atributos espaciais que apresenta), centralidade, marcos urbanos, conhecimento pessoal e funcionalidade;
- Escala específica do lugar – corresponde ao espaço coletivo e de valor das ações cotidianas, que não deve ser confundido com o espaço físico de implementação das construções, ex.: identidade, otimização das relações pessoais, especificidade das funções, caracterização estética, apelo às emoções, segurança; e
- Escala específica do edifício – corresponde à dimensão específica da unidade do abrigo e do espaço social e individual: o edifício; ex.: proteção, otimização microclimática, controle (grau de privacidade), afeto (sentido de abrigo ao grupo social familiar).
O estudo urbano a partir das suas diversas escalas de abordagem dá uma visão ampla das condicionantes e determinantes que agem sobre a cidade e, ao mesmo tempo, permite ao urbanista uma percepção local mais coerente com as dinâmicas regionais que atuam na produção e reprodução do urbano. Neste caso, as cidades brasileiras sofrem pela falta de abordagem técnica e metodológica do urbano, o que resulta em uma visão fragmentada e cartesiana (20) do conjunto pela gestão urbana e atores econômicos especulativos. Entretanto, a abordagem em escalas pode traduzir e interpretar a cidade a partir de análises macro, meso e micro, e seus atributos e indicadores podem variar de acordo com as especificidades urbanas e regionais que exercem maior ou menor impacto na urbanização.
Nesse aspecto, as escalas podem apresentar, segundo Romero (21), diferentes graus de degradação: ecológica (físico, químico, biológico), funcional (econômico, produtivo), ambiental (conforto e perceptivo), estéticas (quanto há características que empobrecem o urbano ou diminuem a qualidade arquitetônica), e dos aspectos culturais e de qualidade de vida (quando se perde o valor ou o legado do habitat de vida). Deste modo, a percepção das escalas pode se associar aos estudos de indicadores urbanísticos que apontem a espacialização urbana de forma eficaz (com seus gargalos, segregações, impactos e contradições), vislumbrando o planejamento urbano e regional integrado e sustentável que, por sua vez, otimizaria a aplicação de recursos em médio e longo prazo, possibilitando políticas urbanas mais sustentáveis e qualitativas para o cidadão.
Cidade dispersa versus cidade compacta: o predomínio do modelo multifuncional e compacto
A sustentabilidade urbana tem como foco, antes de tudo, a esfera social e de comunidade, já que os principais problemas urbanos têm sua origem nas relações humanas. Por outro lado, a expansão urbana nega os limites naturais impostos aos recursos finitos do planeta, colocando em conflito o sistema econômico vigente que promulga o desenvolvimento ilimitado do capital.
O urbanismo disperso gera problemas ambientais, face ao espalhamento da cidade sobre a paisagem natural, eliminado florestas, se apropriando dos recursos naturais, aumentando a demanda por consumo e energia, produzindo resíduos em excesso como resultados do modelo de consumo. A dispersão urbana exige intenso uso de veículos para transporte de mercadorias e pessoas (em âmbito local, urbano, regional, nacional e internacional) que acarretam a poluição do ar através da emissão de gases provenientes de combustíveis fósseis nos diversos meios e redes de transporte, bem como da impermeabilização do solo decorrentes da pavimentação excessiva, que além de exercer sérios danos ao ciclo hidrológico, proporciona enchentes face à deficitária infraestrutura urbana, bem como impacta o clima urbano de forma considerável.
Como movimento urbano alternativo a esse panorama, discussões são postas sobre a realidade vigente das cidades, questionando e propondo modelos urbanos que correspondam às novas necessidades ambientais e de qualidade sustentável. Sobre essa lógica de compacidade, Rogers (22) propõe a redução das distâncias urbanas como incentivo ao caminhar do pedestre ou ao uso de bicicletas. Acselrad (23) por sua vez, propõe, além da compactação urbana, a descentralização dos serviços, partindo das áreas centrais para as periferias, o que promoveria um espaço urbano menos segregado e mais igualitário. Para o autor, é vital a inclusão das áreas periféricas na cidade formal, estabelecendo a distribuição dos serviços e equipamentos urbanos, integrando centro e periferia, bem como o público e o privado. Porém, o autor toca na questão da necessidade de controle demográfico paralela às mudanças no processo de gestão urbana.
Diagramas representativos de um urbanismo disperso, focado no zoneamento rígido das funções urbana e promoção de monofuncionalismo para uso do automóvel em grandes distâncias, e a alternativa sustentável de urbanização compacta que encurta as distâncias para o pedestre e bicicleta, sobrepõe funções e induz à diversidade.No Brasil, após a criação do Ministério das Cidades no dia 1º de janeiro de 2003, as políticas urbanas e habitacionais passam a ser planejadas de uma forma descentralizada, como já estava premeditado na Constituição, contudo, ordenada e integrada através das esferas Federal, Estaduais e Municipais. Vislumbrando o combate às desigualdades sociais e sob o objetivo de transformar um Brasil em crescente urbanização e metropolização com espaços urbanos de melhor qualidade de vida, o Ministério das Cidades foca suas ações também no acesso à moradia para a grande parcela da população excluída da “cidade formal”.
Questões referentes à “(...) política de desenvolvimento urbano e das políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito” (24), passam a ser da pasta ministerial, que busca promover projetos de infraestrutura urbana (saneamento ambiental, acessibilidade, pavimentação, energia elétrica), equipamentos urbanos e áreas verdes e, paralelamente, objetivando implementar planos e projetos habitacionais, todos financiados pela Caixa Econômica Federal. Em resposta ao grande gargalo vigente no Brasil desde a metade do século XX, quando o país inicia, de fato, o processo de industrialização e urbanização intensiva e, ao mesmo tempo, negligencia a exclusão social, o crescimento demográfico e o processo de periurbanização, a questão habitacional sempre se situou num plano secundário dos governos autoritários e antidemocráticos que prevaleceram até a primeira metade da década de 1980.
A suburbanização exerce no país um fenômeno distinto ao processo de periferização na Europa e EUA, nos quais o espalhamento urbano é resultado de um planejamento burguês das periferias e conseqüente abandono dos centros urbanos antigos à procura de melhor qualidade de vida. No Brasil, a periferização ocorre de forma desordenada e não planejada pela gestão pública, resultando em cortiços, favelas, palafitas, mocambos, entre outras designações para a improvisação de abrigos à população mais pobre. Somente nas últimas décadas que se proliferam nas periferias das cidades brasileiras os condomínios fechados (25), que nas décadas de 1990 e 2000 atuaram nas principais cidades brasileiras, à procura de terra barata, isolamento social e qualidade ambiental que majoram os ganhos especulativos do empreendedor. Surpreendentemente, os conjuntos habitacionais regulares de baixa renda também disputam o território da periferia no Brasil desde a década de 1960. Contudo, mais recentemente, os governos passam a implementar condomínios-fechados de baixa renda, estabelecendo um diálogo fragmentado de espalhamento urbano, segregando por castas socioeconômicas e transformando as cidades em aglomerados habitacionais murados. Deste modo, segue-se à lógica de espalhamento urbano de forma não planejada (ou planejada de forma incorreta) e incoerente com as novas discussões urbanas de sustentabilidade, densidade e diversidade.
Para Rueda (26), a análise dicotômica entre os dois modelos opostos de ocupação urbana – a cidade compacta e a difusa – permite estabelecer critérios de análise que comparam a eficácia dos sistemas. A minimização do consumo de materiais, energia, e água, bem como a otimização de infraestrutura, o aumento da complexidade dos sistemas e coesão social destacam a supremacia do modelo compacto sobre o difuso na promoção da sustentabilidade urbana.
No campo do embate entre os arquétipos urbanos de ocupação territorial, as pesquisas de Rueda (27) destacam dois modelos de cidades representados pela cidade compacta e complexa, e pela cidade difusa e dispersa no território. O autor afirma que estes modelos não se encontram em estado puro, podendo-se identificar cada modelo respectivamente por meio das suas características mais próximas. Atualmente, segundo Rueda, a tendência urbana é a implantação de usos e funções de modo mais disperso, baseado na localização das atividades econômicas nas redes que o urbanismo vai desenhando, chamado de planejamento funcionalista.
As conexões no sistema urbano das cidades difusas se realizam através das redes viárias, as quais promovem a dispersão urbana, pois se transformam em um verdadeiro estruturador do território. O produto desse formato urbano é um espaço segregado que separa socialmente a população no território disperso. Esta imposição de transporte e locomoção em grandes distâncias implica em inúmeros transtornos: congestionamentos, emissão de gases, ruídos, acidentes e aumento do tempo no transporte de pessoas, serviços, materiais e mercadorias. As soluções para a crescente demanda urbana consistem no aumento do sistema viário, agravando com isto a dispersão territorial e o consumo de energia.
O modelo de cidade compacta oferece uma forma estrutural de utilização do subsolo urbano, facilita a ordenação pela proximidade e pela sua maior regularidade formal. O transporte público pode ser mais racional e eficiente, reduz o número de carros e libera o tráfego das ruas. Este modelo melhora a paisagem urbana e o espaço público e, ao mesmo tempo, não causa tantos impactos como os observados nas cidades difusas.
Segundo Rueda (28), a análise da diversidade (H) que permite a idéia do mix e das densidades de usos e funções nas trocas de informação em um espaço concreto verifica que os portadores de informação nas cidades difusas são homogêneos, limitadas e lineares, enquanto que nas compactas o número de portadores de informação é elevado e diversificado. Assim, “(...) aumentar a diversidade é impregnar à cidade de oportunidades, trocas de informação, a diversidade gera estabilidade oferecendo condições de fluxo”.
Quanto à construção de indicadores para a cidade e seu metabolismo (29), Rueda afirma que um indicador urbano “(...) é uma variável dotada de significado agregado com relação a um fenômeno, além da sua própria representatividade” (30). Assim, conforme o autor, a diferença entre os sistemas de indicadores e de um índice urbano fica explicita nos seguintes termos:
“Un indicador urbano es pues una variable que ha sido socialmente dotada de un significado añadido al derivado de su propia configuración científica, con el fin de reflejar de forma sintética a una preocupación social con respecto al medio ambiente e insertarla coherentemente em el proceso de toma de decisiones.
(...) Un índice urbano posee las mismas características que el indicador pero su carácter social es aún más acentuado, dada la aleatoriedad que rodea todo proceso de ponderación. El beneficio obtenido se traduce en una mayor síntesis de la información relevante y una mayor eficácia como input en la toma de decisiones.
El sistema de indicadores urbanos es un conjunto ordenado de variables sintéticas cuyo objetivo es proveer de una visión totalizadora respecto a los intereses predominantes relativos a la realidad urbana de que se trate” (31).
Por esta abordagem, Salvador Rueda trabalha os indicadores no marco de análise em que se realiza, ou seja: Pressão-Estado-Resposta, conforme proposta dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), baseado no conceito de causalidade. A pressão fica gerada como conseqüência das políticas ambientais, setoriais e econômicas perante a alteração dos recursos naturais pelo impacto das atividades humanas. Os sistemas urbanos exploram os sistemas de suporte extraindo deles a matéria prima e, por sua vez, os materiais e energia extraídas do entorno chegam às cidades transformadas em bens de consumo. O modelo de gestão é que organiza os fluxos e o consumo, aumentando ou diminuindo os impactos por antecipação.
Rueda (32) detalha o modelo de gestão na unidade sistema-entorno como uma relação entre o metabolismo urbano, a ordenação do território e o seu funcionamento. Assim, tal sistema realiza-se por meio de fluxos: A) a pressão na exploração das matérias primas sobre o suporte do entorno; B) a transformação dos materiais e energias desse entorno de modo a manter ou aumentar a complexidade do sistema e; por último, C) os modelos de gestão que organizam estes fluxos e determinam o grau de exploração do entorno como os impactos antrópicos deste e do sistema urbano, sendo este vital à permanência e sustentabilidade do sistema urbano.
Esquema gráfico da unidade sistema-retorno: (1) Os sistemas urbanos exploram os sistemas de suporte extraindo matérias primas e exercendo uma primeira pressão sobre eles. Esta exploração exercerá maior ou menor impacto na organização dos sistemas de suporte (complexidade do entorno), em função de sua intensidade e da fragilidade do próprio entorno (sensibilidade); (2) Os materiais e a energia extraídos do entorno chegam à cidade mais ou menos transformados e elaborados (matérias primas e bens de consumo) de modo que permita a esta manter e aumentar, caso necessário, sua organização (complexidade do sistema); e (3) Os modelos de gestão (são os que podem aumentar ou diminuir nossa capacidade de antecipação), organizam os fluxos e o consumo de recursos. Os modelos determinam o grau de exploração do entorno e o impacto antrópico que provocam sobre o próprio sistema urbano (Tradução nossa). Fonte: Adaptado de RUEDA (1999: 15)
Desmembramentos teóricos para o Brasil urbano sustentável
“No dizer de Oliveira Vianna (1956: 55), ‘[...] O Urbanismo é condição moderníssima da nossa evolução social. Toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores. É no campo que se forma a nossa raça e se elaboram as forças íntimas de nossa civilização. O dinamismo da nossa história, no período colonial, vem do campo. Do campo, as bases em que se assenta a estabilidade admirável da nossa sociedade no período imperial’” (33).
Entre as décadas de 1940 a 1950, ocorre no Brasil uma alteração do cenário territorial decorrente, nesse período, da industrialização (34). Contudo, o sentido da industrialização não pode ser remetido de forma estrita como significado de criação de atividades industriais nos lugares, mas sim como um processo social mais amplo e complexo, de alteração da conjuntura nacional e formação de mercado interno. Surge, assim, um intrincado sistema produtivo subdividido entre primário, secundário e terciário, impulsionado pelo consumo e pela vinda de imigrantes (iniciadas um século antes, em substituição da mão-de-obra escrava), com mão-de-obra atuante, inclusive, na indústria européia, e decorrente do período entre guerras mundiais e, principalmente, do pós-Segunda Guerra Mundial. Período este que ocorre a integração territorial nacional segundo Santos (35), almejada desde a fase colonial brasileira.
Há assim um processo de urbanização iniciado, integrado à escala nacional – não mais regional – e apoiado por um crescimento contínuo e sustentável das cidades médias e grandes, juntamente a um aumento demográfico considerável. No campo, o declínio das atividades agrícolas do café, capitalizam investimentos na indústria, assim como os investimentos getulistas entre as décadas de 1930 e 1950, em infraestrutura (energia, comunicação, transporte, escoamento e logística produtiva), implementação de leis trabalhistas e fortalecimento das forças armadas (ideário de integração e defesa nacional), potencializam e possibilitam a industrialização e urbanização das décadas seguintes.
Entre as décadas de 1940 e 1980, o Brasil assiste a um processo de inversão quanto ao habitat da população. Se em 1940 a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 chega a 68,86%. Nesse período a população total do país triplica, ao passo que a população urbana multiplica-se por sete vezes e meia (36). Se em 1991 a população total urbana era de 77%, entre os 146.825.475 habitantes, em 2000, esse percentual já ultrapassa a casa dos 80% dos 169.799.170 habitantes (37). As projeções demográficas apontam para 263,7 milhões de habitantes em 2062 – ponto máximo da curva demográfica –, e 245,6 milhões em 2100 (38).
Tabela 01: Projeção demográfica do Brasil entre a década de 1970 e 2010*.
* Estimativas populacionais do IBGE, com base em 2000 - Revisão 2008
** Censo IBGE 2010 – Dados Parciais. FONTE: IBGE (2000, 2004, 2008, 2010); CNM (2010).
Conforme os resultados da projeção populacional brasileira apresentados pelo IBGE (2004: 47; 2008: 74-77), em 2000 o país possuía 171,3 milhões de habitantes o que significa, em âmbito mundial, a 5ª colocação no ranking dos 192 países investigados pela ONU, atrás da China (1.275,2 mi), Índia (1.016,9 mi), EUA (285,0 mi) e Indonésia (211,6 mi). Por volta de 2050, a população brasileira poderá atingir os 215,3 milhões de habitantes, situando o país na 8ª posição mundial, precedido pela Índia (1.658,3 mi), China (1.408,8 mi), EUA (402,4 mi), Indonésia (296,8 mi), Paquistão (292,2 mi), Nigéria (288,7) e Bangladesh (254,1 mi). Partindo-se desses dados, nota-se que a população do Brasil atingiu 181 milhões de habitantes em 2004, ou seja, quase o dobro dos 93 milhões de habitantes em 1970. Em 34 anos, a população nacional praticamente duplicou, o que refletiu na atual configuração urbana das cidades brasileiras.
No período de 2002 a 2007, a população cidades médias cresceu à taxa de 2% ao ano, mais que as taxas das cidades grandes (1,66%) e das cidades pequenas (0,61%). Do ponto de vista populacional, as cidades grandes e pequenas encolheram entre 2000 e 2007, enquanto as médias cresceram. As médias concentravam 23,8% da população em 2000 e passaram a 25,05% em 2007. As grandes caíram de 29,81% para 29,71%, e as pequenas, de 46,39% para 45,24%, no mesmo período (39).
Houve, essencialmente após a década de 1970, uma interiorização do crescimento demográfico e desenvolvimento socioeconômico, o que Milton Santos (2009) denominaria de fenômeno da desmetropolização brasileira (ou a “dissolução da metrópole”). Dentre os diversos fatores que imperam nesse processo, está a especulação do capital transnacional e o avanço da fronteira capitalista sobre o interior do país – especialmente sobre as regiões Centro-Oeste e Norte. A busca por regiões inexploradas, de recursos abundantes, mão-de-obra e terra barata, conectadas cada vez mais por uma logística de infraestrutura e configurada por redes, são as condicionantes decisivas para a dinamização das economias do interior do Brasil, levando junto ao avanço da agricultura, investimentos e capitais de toda a cadeia agroindustrial. Um exemplo dessas deseconomias e obsolescência de grandes áreas urbanas foi o que se ocorreu com as cidades do Grande A, B, C, D paulista a partir do final da década de 1980, onde se assistiu o êxodo de investimentos, capitais e indústrias para regiões menos desenvolvidas – como Minas Gerais, Goiânia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Amazonas – porém, de maior oferta de subsídios, permissividade legal, terras mais baratas, energia e recursos abundantes, escoamentos por outros fluxos e portos, mão-de-obra menos onerosa, entre outros fatores.
A terceirização da economia das metrópoles aliada à atração que exercem as cidades médias na oferta de espaços, negócios, serviços e, sobretudo, de mais qualidade do que as condições encontradas nas pequenas cidades (com escassez de serviços, oportunidades e de dinâmica limitada) e com menos conflitos, custos e congestionamentos do que as grandes metrópoles. Por outro lado, a globalização cria novas necessidades e particularidades de organização, pois os grandes centros urbanos não necessariamente serão os lugares de atividades financeiras, mas polarizadores de negócios ou mesmo sedes das grandes corporações. Estes últimos são decorrentes certamente do avanço tecnológico dos meios de comunicação e informatização, possibilitando uma logística muito mais complexa e em tempo real, encurtando as distâncias entre o setor produtivo e o mercado consumidor. Um exemplo desse fenômeno no Brasil é a transformação de cidades interioranas de porte médio em pólos de logística e distribuição de mercadorias (do setor terciário atacadista), como a cidade de Uberlândia-MG no triângulo mineiro, fato ocorrente principalmente a partir das décadas de 1980 e 1990, e não por acaso, mas sim decorrente de sua localização geográfica, associada a incentivos fiscais do estado e facilidade de acesso e deslocamento de mercadorias. Essa intrincada relação de planejamento urbano e regional entre o Estado e municípios pode determinar uma lógica urbana decisiva para a projeção futura de uma cidade, garantindo sucessos sustentáveis ou, do contrário, sedimentando cenários de degradação e decrescimento.
A percepção desses fenômenos de conjuntura global frente aos desmembramentos nacionais, regionais e locais, é vital na compreensão em escalas do urbano. Assim, percebem-se as macroestruturas para que, posteriormente, compreendam-se as meso e microestruturas urbanas e regionais. A noção de escala do urbano se faz essencial na análise e entendimento da qualidade das cidades contemporâneas, pois assim se entende o enlace entre o global, o nacional, o regional e o local, bem como se aceita a configuração das cidades a partir de um intrincado sistema de redes ou nós.
A cidade não é apenas um sistema de produção econômica e espacial, de satisfação pessoal e comunitária, mas é, também, um sistema em que os lugares e as pessoas se identificam em uma dinâmica cotidiana. A relação com o entorno exige uma eficiência de integração física e perceptiva que forneça um sentimento de bem-estar e segurança. A partir desse entendimento, os trabalhos elaborados nessa pesquisa se fundamentaram, principalmente na qualidade dos lugares percebidos, sua imagem e o seu desempenho. A análise urbana como ciência verifica a qualidade urbana sob inúmeros aspectos na sua dinâmica cotidiana. As cidades têm sido alvo de preocupações ecológicas, ambientais, culturais, históricas e socioeconômicas, por se entender que a lógica vigente do sistema econômico e de crescimento ilimitado contraria os prognósticos futuros de escassez de recursos, energia e limitação espacial das cidades. Nesse contexto, as cidades sustentáveis se fazem essenciais à permanência do homem e à sua qualidade de vida futura.
Considerações finais
A sustentabilidade não deve ser entendida como uma moda, ou um estilo de vida alternativo de uma pequena minoria da população preocupada com as questões ambientais, mas sim como uma condição sine qua non à sobrevivência e permanência da vida na Terra. Assim, o urbanismo sustentável deverá propor novas formas de apropriação do espaço, condizente com as necessidades emergenciais apresentadas à sociedade global e coerente com a sinergia e equidade entre as esferas sociais, ambientais e econômicas; em conformidade com o tripé da sustentabilidade: Triple Botton Line, teoria que define que não se alcança o desenvolvimento sustentável majorando ou priorizando políticas em apenas uma, ou duas, das três esferas citadas: a social, a econômica e a ambiental (40).
Devem-se pensar as cidades sobre uma abordagem ampla e complexa, fundamentado por sistemas cíclicos – já que o modelo linear não corresponde mais às exigências finitas dos recursos – e em cadeia, visando a qualidade e permanência da vida. É muito restrita e incoerente a idéia de se propor novos padrões ou modelos de cidade dentro da lógica da diversidade do urbanismo contemporâneo. Contudo, para melhor compreensão do urbano e suas escalas de análise, podem-se apresentar metodologias para a acepção da qualidade morfológica da cidade, vislumbrando melhorias urbanas e através de projetos de equidade social, econômica e ambiental. A percepção de índices e indicadores deve ponderar os diversos atores sobre o urbano e suas escalas de atuação na sustentabilidade local, regional e nacional.
* Os Nós, aqui, substituem a idéia de Redes, já que o primeiro induz à coesão e união dos segmentos, enquanto que o segundo subentende à lógica de comércio e circulação acelerada de sistemas e mercadorias.
No quadro acima apresentam-se quatro temas principais recorrentes em teorias que se aplicam no processo de percepção dos sistemas urbanos sustentáveis, através dos diversos autores pesquisados, dentre os quais se elegeu: A) As Conexões Urbanas: Mobilidade, Acessibilidade, Sistema Viário, Segregação Espacial; B) Identidade e Percepção Ambiental: Social, Econômico e Cultural, Perceptiva e Visual; C) Morfologia: Aspectos Morfológicos, Ambiente Edificado; D) Meio Ambiente: Vegetação e Microclima, Recursos Hídricos, Poluição e Energia. Assim, através desses elementos devidamente parametrizados, quantificados e qualificados conforme as respectivas unidades de medida e leitura das características, é possível aplicar uma leitura de indicadores urbanísticos que traduzam a qualidade espacial de uma cidade (bairros e conjuntos urbanos), podendo-se ainda estabelecer critérios de ordenação e planejamento urbano.
Um urbanismo sustentável prima pela diversidade de usos e funções sobrepostos em um tecido denso e compacto, porém, que respeite as condicionantes geográficas e ambientais locais e regionais, bem como as escalas de apropriação do espaço. O lugar, o particular, a identidade cultural, as especificidades, são estes os atributos que devem estar presentes na urbe do futuro, esta que reconhece o sentido de comunidade, o ambiente e a otimização energética.
A cidade sustentável é democrática e participativa, volta-se ao regional, compreende a morfologia a partir da lógica evolutiva e estruturada para o crescimento orgânico e em conformidade com o sistema-entorno equilibrado. Os projetos urbanos sustentáveis obedecem à percepção das escalas, sustentando as funções vitais, restabelecendo o sentido e orientação no tempo-espaço, face à necessária adequação aos habitantes, seus usos e equipamentos. Entende-se que a compacidade urbana deve ser adotada como configuração espacial e legal, eliminando-se os vazios urbanos (e aplicando de fato as ferramentas legais existentes nos respectivos Planos Diretores), encurtando distâncias para o pedestre, aumentando a coesão social, minimizando a dependência de automóveis individuais (com ênfase ao transporte coletivo); porém, o nível de compacidade deve respeitar as condicionantes locais (clima, topografia, patrimônio cultural e ambiental, etc.), e assim, determinado através de pesquisas urbanísticas específicas, e não padronizadas como são as ferramentas legais aplicadas nas cidades e sob a conivência do Ministério das Cidades.
Algumas cidades européias, a exemplo de Londres, estudam o abandono do automóvel privado através da majoração de impostos sobre o mesmo, e por meio da promoção de empresas de locação de automóveis elétricos (protótipos de fibra de carbono, portanto, muito leves e que chegam a pesar 350 kg). A um custo estimado de R$ 500,00 mensais para a população londrina, inclusos seguro, impostos, uma carga de bateria (que dura praticamente um mês, de acordo com a necessidade de circulação do locatário), tais automóveis são altamente econômicos, chegando a ser 20 vezes mais baratos que os automóveis movidos a combustíveis fósseis, proporcionalmente, por km rodado. Estes veículos em desenvolvimento possuem tamanho reduzido atingem a velocidade máxima de 80 km/hora – nas cidades brasileiras, a maioria das avenidas limitam a velocidade entre 70 e 80 km/hora –, e com a minimização de custos operacionais futuros para pequenos carros elétricos e barateamento da tecnologia, essa tendência alternativa deve se tornar realidade até 2020. Países como Islândia, Alemanha, Reino Unido, Japão, China, Espanha, entre outros, já permitem subsídios que chegam a 6.000 Euros por carro, além de incentivos fiscais diversos aos proprietários de automóveis híbridos ou elétricos, o que diminuirá decisivamente o consumo energético fóssil e a emissão de gases poluentes nas cidades. Porém, essa alternativa apresenta uma limitação tecnológica quando aplicada às grandes distâncias, pois as viagens são interrompidas por longas horas de carga elétrica da bateria, impossibilitando, ainda, sua aplicação mais efetiva.
Contudo, antes de se pensar na manutenção da lógica automotiva individual, as políticas de incentivo ao transporte público de qualidade, a oferta de acessibilidade e infraestrutura adequada ao pedestre e ciclistas, a densificação urbana acompanhada da reocupação residencial de áreas urbanas centrais – dotadas de serviços, equipamentos, infraestrutura, emprego, cultura – ou mesmo o estabelecimento de um zoneamento urbano flexível, com uso e ocupação do solo diversificado, são ações que tendem a mudar a mobilidade urbana atual e minimizar a dependência do veículo automotivo para o cenário brasileiro.
De fato, a produção e reprodução do espaço urbano brasileiro não deve se dissociar das políticas públicas de inclusão social – com especial atenção à periferização e ao acesso à moradia de qualidade para a vida humana e social –, participação popular e de educação qualitativa, para que se ofereçam ferramentas ao cidadão que possibilitem o reconhecimento da cidade, sua identidade, suas leis, e que, por sua vez, este possa cobrar mudanças e melhorias às instituições públicas e privadas, governos e governantes, ou mesmo ao seu bairro ou rua. A melhora da qualidade de vida urbana engloba a melhoria humana em diversos aspectos, inclusive, na sua civilidade. Isso certamente mudará o modelo político de representatividade vigente no Brasil, já que as instituições, as leis, os governos e a lógica socioeconômica são o reflexo desta sociedade, com suas limitações e entraves históricos.
A acessibilidade, o controle (grau de acesso às atividades dos habitantes), a eficácia (otimização do custo-benefício e manutenção do projeto pela sociedade), e a justiça socioespacial (distribuição de custos e benefícios), são elementos de equidade e integração social nesse novo modelo de cidade. Enfim, a cidade sustentável propõe uma nova forma de coesão social, na qual é privilegiado o acesso irrestrito do cidadão ao seu lugar, de forma igualitária e imparcial, reforçando e potencializando seus aspectos históricos, culturais e ambientais, minimizando os entraves socioeconômicos e tecnológicos e potencializando a qualidade de vida.
notas
1
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 2006, p. 1.
2
Idem, p. 51.
3
BELGIOJOSO, Alberico. Qualitá della cittá e projettazione urbana. Milão, Mazzota, 1990.
4
LYNCH, Kevin. Op. Cit., p. 52.
5
Idem, p. 9.
6
Idem, p. 51.
7
PANERAI, Philippe. Análise urbana. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2006.
8
LYNCH, Kevin. “Reconsidering the image of the city”, In: CARMONA, Matthew; TIESDELL, Steve. Urban design reader. UK, Publish by Elsevier Ltda., 2003, p. 108-113; LYNCH, Kevin. City sense and city design: writings and projects of Kevin Lynch. Edited by Tridib Banerjee and Michael Southworth. 3ª Edição. Cambridge, The MIT Press, 1996, p. 247-255.
9
ROMERO, Marta Adriana B. “Estratégias bioclimáticas de reabilitação ambiental adaptadas ao projeto”, In: Reabilitação ambiental sustentável arquitetônica e urbanística. Brasília, FAU/UnB, 2009, p. 538.
10
PRIBERAM, 2009.
11
ROMERO, Marta Adriana B. “O perfil urbano e o comportamento socioeconômico no DF”, In: Paranoá, ano 6, n. 4. Brasília, FAU/UnB, 2007a, p. 51; ROMERO, Marta Adriana B. “A sustentabilidade do ambiente urbano da capital”, In: PAVIANI, Aldo; GOUVÊA, Luiz Alberto Paviani (org). Controvérsias ambientais. Coleção Brasília. Brasília, Editora UnB, 2003, p. 241.
12
ROMERO, Marta Adriana B. Op. Cit., 2009, p. 537.
13
ROMERO, Marta Adriana B. Op. Cit., 2003, p. 255.
14
MORAIS, Souza J. Metodologia de projeto em arquitectura. Lisboa, Editorial Estampa, 1995.
15
GREGOTTI, Vittorio. El territorio de la arquitectura. Barcelona, Editora Gustavo Gili, 1972.
16
ABRAMI, Giovanni. Progetazzione ambientale. Milão, CLUP Editora, 1990.
17
MONTEIRO, C. A. de F. Teoria e clima urbano. Série Teses e Monografias n. 25. São Paulo, IGEOP-USP, 1976.
18
ROMERO, Marta Adriana B. Op. Cit., 2003, p. 255; ROMERO, Marta Adriana B. Op. Cit., 2009, p. 539.
19
ARGAN, Giulio Carlo. 1992.
20
O método cartesiano origina nas teorias de René Descartes (1596 – 1650), filósofo e matemático francês, que fundamenta o Ceticismo Metodológico (do latim “cogito ergo sum”, “penso logo existo”), cuja a pretenção foi a de fundamentar o conhecimento hurmano sobre bases metodológicas e sólidas (contrariando as posições medievais apoiadas em crenças e mitologias). Assim, Descartes questiona todo o conhecimento aceito como correto e verdadeiro através do ceticismo. Seu método se constitui a partir de quatro tarefas básicas: verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada; analisar, dividir ao máximo os objetos ou as coisas, em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar os elementos mais simples que aparecem; sintetizar, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro; e enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento. Ou seja, seu médodo consiste na separação das partes através da verificação, de forma que estas sejam analisadas separadamente, sintetizadas e enumeradas, o que dissocia, de certa forma, a visão do todo a partir das especificidades.
21
ROMERO, Marta Adriana B., 2004, p. 255.
22
ROGERS, Richard; GUMUCHDJIAN, Philip. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2001.
23
ACSELRAD, Henri. “Discurso da sustentabilidade urbana”, Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, ano 1, n. 1, 1999; ACSELRAD, Henri (org). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. 2ª edição. Rio de Janeiro, Ed. Lamparina, 2009.
24
Site Oficial do Ministério das Cidades, disponível em: <http://www.cidades.gov.br/>. Acesso em: junho de 2010.
25
Atualmente, nas grandes e médias cidades brasileiras, há uma disputa urbana periférica (periurbanização) entre os condomínios legais de classe baixa, média e alta, como também a ocupação irregular de moradias de baixa renda, caracterizando uma nova forma de disputa pelo urbano, muitas vezes não contabilizada pelas estatísticas oficiais.
26
RUEDA, Salvador Palenzuela. Modelos e indicadores para ciudades más sostenibles: taller sobre indicadores de huella e calidad ambiental. Barcelona, Fundación Forum Ambiental / Departament de Medi Ambient de la Generalitat de Catalunya, 1999.
27
RUEDA, Salvador Palenzuela. “La ciudad sostenible”, In: Servicio de Investigación y Exposiciones del CCCB. Barcelona, Institut d’Edicions, 1998; RUEDA, Salvador Palenzuela. Op. Cit., 1999; RUEDA, Salvador Palenzuela. “Costes ambientales de los modelos urbanos dispersos: el caso del área metropolitana de Barcelona el impacto de la ciudad difusa en el médio”. Barcelona, BCN Ecologia / Agência de Ecologia Urbana de Barcelona, Outubro de 2001. Disponível em: <http://www.bcnecologia.net/documentos/La%20Ley%20-costes.pdf>. Acesso em: 31-10-2009; RUEDA, Salvador Palenzuela. “Modelos de ordenación del territorio más sostenibles” – Congreso nacional de medio ambiente. Barcelona, noviembre, 2002 Disponível em: <http://www.conama.org/documentos/1954.pdf>. Acesso em: 31-10-2009.
28
RUEDA, Salvador Palenzuela. Op. Cit., 2002, p. 11.
29
Na química, o metabolismo (do grego metabolismos, μεταβολισμός, que significa "mudança", troca) representa a mudança na natureza molecular no interior dos corpos ou organismos vivos (PRIBERAM, 2010). Termo exportado para o campo do urbanismo, o metabolismo urbano pode ser entendido como o sistema urbano e significa as transformações ocorridas no espaço intraurbano, possibilitando produções e reproduções espaciais das partes, alterando estruturas e adequando às condicionantes do meio, contudo, mantendo o organismo vivo da urbe.
30
RUEDA, Salvador Palenzuela. Op. Cit., 1999, p. 11.
31
Idem.
32
Idem, p. 15.
33
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5ª Edição. São Paulo, EDUSP, 2009, p. 19.
34
Idem, p. 30.
35
Idem.
36
Idem, p. 31.
37
CNM, 2010.
38
IBGE. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 1980-2050. Rio de Janeiro, IBGE, 2004.
39
IPEA. “População e PIB das cidades médias crescem mais que no resto do Brasil”. 17 de julho de 2008. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf_release/32_release_PIBdascidades.pdf>
40
ELKINGTON, J. Triple bottom line revolution: reporting for the third millennium. Australian CPA, 1999.
sobre os autores
Geovany Jessé A. da Silva é Doutorando e Pesquisador da FAU/UnB, Mestre em Geografia pela UFMT-MT, Arquiteto e Urbanista pela UFU-MG. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. Líder do “Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrados” – GEEPI-UFMT/CNPq, e pesquisador do Grupo de Pesquisa “A Sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo” da FAU-UnB e do “Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo” – LaSUS/FAU-UnB.
Marta Adriana Bustos Romero é Professora-Doutora e Pesquisadora da FAU/UnB, Pós-Doutorado em Landscape Architecture pela Pennsylvania State University - EUA, Doutorado em Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha – Barcelona/Espanha, Mestre em Planejamento Urbano pela FAU-UnB, Arquiteta e Urbanista. Líder do Grupo de Pesquisa “A Sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo” da FAU-UnB e coordenadora do “Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo” – LaSUS/FAU-UnB. Integra ainda os Grupos de Pesquisa “Espaços Externos, Clima Urbano e Conforto Ambietal - Espaços” e “Urbanismo Bioclimático e Sustentável - URBIS”, ambos da UFRJ.