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architexts ISSN 1809-6298


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O texto analisa o pavilhão conhecido como Mata-borrão (1961), uma contribuição singular para a arquitetura de Porto Alegre concebida pelo Arq. Marcos David Hekman. A estrutura leve foi originalmente um stand de divulgação das obras do Governo Estadual


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LUCCAS, Luís Henrique Haas. Quando o efêmero se perpetua:. Um pavilhão em Porto Alegre no começo dos anos sessenta. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 135.07, Vitruvius, jul. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.135/4001>.

Apresentação

No início dos anos sessenta, a capital gaúcha ostentava feições de metrópole como decorrência da década anterior. A taxa de crescimento populacional dos anos cinqüenta, na casa dos cinco pontos percentuais, aliada às cifras positivas da economia sulina, refletiu-se na expansão dos limites urbanos, ocupação de vazios, adensamento do tecido e conseqüente verticalização do centro e de algumas vias importantes dos bairros. A Avenida Borges de Medeiros e a recém alargada Avenida Salgado Filho assumiam o status de coração da cidade, como demonstrava o cânion de edifícios altos que se construía ao longo delas. Precisamente no encontro das mesmas e no momento descrito surgia o pavilhão efêmero de formas insólitas que ficou conhecido como “Mata-borrão”. Estrutura ligeira em madeira, associando boa dose de ousadia e um tanto de improviso, esta edificação tornou-se um ícone da modernidade perseguida em Porto Alegre, ficando gravada de forma indelével na memória da cidade. Eram a arte e a arquitetura moderna apresentando suas contribuições de ordem estética ao processo em curso, em paralelo aos demais fatores sociais e materiais envolvidos.

A análise desta experiência não se restringe ao simples capricho de resgatar uma obra incomum desaparecida, mas coloca-se como oportunidade para conjeturar sobre algumas questões importantes da arquitetura moderna; e se tais temas já não são originais, todavia permanecem encobertos. Além do interesse pela obra em si, a análise do Mata-borrão sucita reflexões sobre três aspectos pelo menos. Um deles refere-se à questão material, à surpreendente capacidade da arquitetura moderna de utilizar recursos disponíveis e técnicas compatíveis para atingir as formas perseguidas. Outro está relacionado com a operação ambígua – sob os padrões éticos tácitos da arquitetura moderna – que o autor do “Mata-borrão” realiza, ao adotar como geratriz a forma do auditório projetado por Oscar Niemeyer para Escola Estadual em Belo Horizonte (1954). E um terceiro âmbito reúne questões semânticas, como o significado do Pavilhão para o imaginário da cidade e sua condição promocional e efêmera responsável pelo tom experimental assumido. Através destes percursos, enfim, a análise desloca-se buscando decompor e reconstruir criticamente o projeto do memorável “Mata-borrão”.

Acima, o auditório projetado por Niemeyer em Belo Horizonte [BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 160]

Uma geração de jovens arquitetos alinhados à arquitetura moderna em Porto Alegre

O ano de 1945 assinala o começo de dois cursos de Arquitetura de orientações distintas na capital gaúcha: um deles vinculado à Escola de Engenharia e o outro à Escola de Belas Artes. O primeiro apresentava um viés moderno a partir do pretenso método de ensino aplicado pelo Professor Eugen Steinhof, que preconizava uma abordagem racional ao projeto: dava-se ênfase às questões de programa e funcionalidade em detrimento do exemplo de casos precedentes. O segundo tomava como modelo a experiência realizada no centro do País, utilizando aquele repertório de elementos e arranjos. Deste modo, antes do encerramento da década de quarenta formavam-se os primeiros arquitetos locais, constituindo gradualmente uma geração de jovens profissionais alinhados à “causa moderna" de modo quase compulsório. A fusão dos cursos ocorreu em 1952, dando origem à primeira Faculdade de Arquitetura local.

Aqueles novos arquitetos adotaram inicialmente a sintaxe corbusiana própria da Escola Carioca, que era a referência da arquitetura brasileira naquele momento. Adaptaram-se posteriormente ao padrão sintético de tom construtivo emergente; uma renovação iniciada com a vitória de um projeto daquela orientação no concurso do Palácio Legislativo do Estado, em 1958, proposto pela equipe paulistana dos também jovens Wolfgang Schöedon e Gregório Zolko (1).

Um exame retrospectivo da arquitetura produzida em Porto Alegre nos anos 50 e 60 demonstra o saldo positivo da produção moderna da cidade, se considerarmos como mérito aquilo que alguns qualificaram apropriadamente como “qualidade média”. Tão imprescindível quanto escasso na arquitetura dita corrente que constitui o tecido de nossas cidades, este atributo parece ter resultado da correção daquela sintaxe simples e concisa, conjuntamente com a quase ausência do arroubo de formas livres na produção local: fosse pela falta de identificação dos arquitetos gaúchos com as mesmas, pela sua incapacidade de produzi-las com a desenvoltura dos pares do centro do País, ou pela própria ausência de oportunidades – programas apropriados – para tal. O resultado assinalado sugere que o repertório enxuto de elementos compositivos simples produzia uma arquitetura que preferia “pecar antes pela falta que pelo excesso”.

Nascido em 1931 e graduado em 1954, Marcos David Hekman foi o autor da obra em exame, mostrando-se um típico integrante daquela geração de arquitetos locais. Seus principais projetos do período apresentam a arquitetura contida acusada, com soluções sintéticas atingidas através de uma mecânica de composição simples e objetiva, passível de restringir imprecisões, como exemplifica o projeto realizado em parceria com Moacyr Marques e Luiz Carlos da Cunha, em 1958, para o Concurso do Palácio Legislativo já mencionado (figura 3). Nas ocasiões em que precisou apresentar soluções diferenciadas, como no programa de caráter promocional aqui examinado ou no conjunto de edificações do Parque Zoológico (2) (1961), em Sapucaia do Sul, Hekman buscou dar respostas convincentes; mesmo que para isto ele precisasse lançar mão de recursos que, em última análise, traíam aquela suposta ética da arquitetura moderna calcada no ineditismo. (3) Tanto na proposta da Assembléia quanto nas três edificações que compuseram o Zôo – Pórtico de Entrada, Administração e Escola –, entretanto, ele adotou uma solução compositiva convencional, utilizando síntese, traçados rigorosos com ângulos retos e repertório estandardizado de elementos de arquitetura de linhagem moderna; o que não constituiu entrave para que atingisse um bom resultado, muito pelo contrário: tal orientação parece ter sido essencial na produção dos aspectos verdadeiramente positivos daquelas obras.

Proposta para a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, de Hekman e equipe [Revista ESPAÇO-Arquitetura, p.9]

Stands e pavilhões efêmeros na arquitetura moderna

Do mesmo modo que alguns projetos não construídos, como a célebre Casa Errázuriz, stands e pavilhões transitórios ajudaram a distender os limites iniciais da arquitetura moderna, compondo um acervo significativo de soluções exemplares. O desaparecimento dos mesmos não impediu a permanência de um legado de ensinamentos através de fotografias, projetos e outros documentos preservados, além das imagens que permaneceram gravadas numa memória coletiva. Obra capital da arquitetura moderna, o Pavilhão de Mies para a Feira de Barcelona (1929) teve a fortuna de ser reconstruído nos anos oitenta. O admirável Pavilhão do Brasil na Feira de Nova Iorque (1939), por sua vez, foi basilar para a constituição de um modelo de arquitetura moderna brasileira, a partir do exemplo de utilizar diversos elementos – materiais ou culturais – identificados com a nossa geografia. E os pavilhões Esprit Nouveau e Temps Nouveaux, de Le Corbusier, destinados às Feiras realizadas em Paris respectivamente em 1925 e 1937, permitiram que ele apresentasse seu novo conceito de moradia moderna, no primeiro; e inovasse através da utilização de estruturas leves, lonas e tirantes, no segundo. Muitos outros ainda merecem destaque, como os dois realizados por Aalto para as feiras de Paris, em 1937, e Nova Iorque, em 1939.

O apelo promocional necessário a essas estruturas, associado à condição efêmera, transmitiu-lhes usualmente um caráter experimental, funcionando como laboratórios sobre questões técnicas, conceituais, estéticas e espaciais, entre outras possíveis. As formas insólitas do Mata-borrão só podem ser examinadas sob esta condição: em tal contexto elas são perfeitamente compreensíveis e apropriadas.

O Pavilhão “Mata-borrão”

Fragmentos daquela experiência sensorial distante ficaram guardados em minha memória, nas recordações primevas da infância. Foi uma ocasião no começo dos anos sessenta, quando percorri a pequena ponte – grande na visão de uma criança – e transpus a porta daquele edifício onírico. Não poderia subtrair este breve relato, a título de preâmbulo, de minha vivência real com aquela estrutura inusitada.

Projetado em 1961, o pavilhão lembrado afetuosamente pela alcunha de “Mata-borrão” constituiu uma contribuição singular para a arquitetura de Porto Alegre, quando a cidade buscava ser moderna: quase meio século depois, o local ainda é identificado daquele modo pelos habitantes remanescentes da época. Concebida pelo então jovem Hekman, a estrutura leve foi originalmente um stand de divulgação das obras do Governo Estadual durante a gestão de Leonel Brizola, no período 1959-1963, abrigando a exposição intitulada “Panorama de uma Administração”. A seguir sediou o Segundo Salão de Arquitetura do Rio Grande do Sul, realizado em 1962, tornando-se posteriormente o Centro de Imprensa da Universíade (4) ocorrida na cidade em 1963. A construção de caráter efêmero ocupou transitoriamente um terreno com alto potencial construtivo, na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves, a qual dá continuidade à Avenida Salgado Filho a partir daquele cruzamento; um local que atingiu o status de coração da capital dos gaúchos.

Vista frontal [Acervo João Alberto Fonseca da Silva/ UniRitter]

A forma incomum do prisma, cuja seção lembrava um mata-borrão ou o contorno de um olho humano – duas superfícies curvas contrapostas –, teve essa fachada envidraçada por inteiro. Como não poderia deixar de ser, o container insólito chamava a atenção do grande público que circulava pelo local; o que era muito apropriado ao programa de divulgação das obras ao qual se destinava originalmente, por atrair visitantes. A construção provisória foi acertadamente executada em madeira, telhas onduladas metálicas e vidro, demonstrando a alternativa possível ao uso do concreto armado – material idealizado pela arquitetura brasileira maiúscula da época.

Recuado em relação ao alinhamento e suspenso sobre linhas de pilares de madeira, o pavilhão pairava pouco acima do solo, com a curvatura inferior quase roçando o terreno. Dois pavimentos surgiram da divisão no ponto médio da seção: o inferior, onde ocorria o ingresso, aproveitou o espaço sobre a curvatura, resultando menor em superfície e pé-direito; e o superior estendeu-se sob a altura variável da abóbada de arco abatido, resolvendo as extremidades baixas com a criação de vazios (figuras 5 e 6). O acesso principal ocorria pela Avenida Borges, por um pontilhão posicionado de modo assimétrico e oblíquo, que ascendia suavemente da cota mais elevada do passeio ao piso inferior, atingindo a base do “olho”. Uma entrada secundária foi estabelecida pela Rua Andrade Neves – onde a empena lateral tornava-se apenas aresta –, através de uma escada que perfurava o “casco” inferior.

Vista do andar superior, com a curvatura da cobertura e a solução eficaz do mezanino resolvendo o problema do pé-direito [Acervo João Alberto Fonseca da Silva/ UniRitter]

A fachada principal foi resolvida a partir de poucos elementos, através do grafismo da “cortina de vidro” com caixilhos de madeira. De modo híbrido e disparatado, demonstrava a transição da influência “corbusiano-carioca” dos anos iniciais para a fase posterior, na qual prevaleceu síntese e neutralidade. No sentido horizontal, a transparência predominante era interrompida por apenas duas linhas mais pronunciadas, além dos caixilhos delgados, correspondentes à divisão dos pavimentos. No sentido vertical, a malha apresentou dezoito módulos resultantes da divisão tripartida dos seis vãos estruturais. Posicionada no sexto módulo da esquerda para a direita, a porta principal foi enfatizada pelo painel opaco contíguo, perfurado por pequenos círculos. A placa horizontal de identificação do stand foi posicionada na extremidade oposta, elevada, como forma de estabelecer um equilíbrio entre os escassos componentes da composição.

Através das fotografias preservadas é possível reconstituir a seção interna do pavilhão e deduzir a solução construtiva adotada. Ao olhar apressado, o arranjo pode parecer uma improvisação ingênua; examinado de forma mais atenta, entretanto, percebe-se o grau de engenhosidade da solução. A curvatura inferior foi firmemente ancorada através das linhas de pilares, os quais foram prolongados internamente para suspender o piso intermediário. A abóbada chata superior dispensou apoios internos, graças à leveza e resistência adquirida pela curvatura. A cobertura foi descarregada nas duas linhas de pilares junto às fachadas e nas extremidades, onde o risco de distensão foi evitado através da introdução de tirantes de aço abaixo do entrepiso.

Outro ângulo interno do Pavilhão, destacando a solução do corte e os tirantes que auxiliavam a liberação da planta superior [Acervo João Alberto Fonseca da Silva/ UniRitter]

Sob o aspecto volumétrico, o destaque fica por conta do reflexo das telhas onduladas metálicas predominantes, que cumpriam função de teto e paredes laterais simultaneamente. Constituíam uma oportuna apologia aos elementos industrializados na arquitetura, bem ao gosto da arquitetura Case Study Houses Program; um modelo em ascensão no País, naquele momento, como a obra de Oswaldo Arthur Bratke evidencia, ao lado de outros percursos prováveis menos explícitos. (5) Aliado à forma inusitada, o material dava o tom futurista ao Pavilhão-Ovni, lembrando a ficção científica de H. G. Wells e sua Guerra dos Mundos, filmada em 1953.

Como a apresentação antecipava, Hekman transcrevia a forma do auditório projetado por Oscar Niemeyer para Escola Estadual em Belo Horizonte (1951). Adotava aquela geratriz exclusiva de modo consciente e confesso (6), numa época de preconceitos exacerbados sobre a necessidade de originalidade e existência de supostos plágios. O auditório se inseria na vereda mais experimental de projetos de Niemeyer, inaugurada com o conjunto de prédios da Pampulha, no começo dos anos quarenta; uma arquitetura cujas free-forms produziram controvérsia junto à crítica estrangeira, também sendo associadas ao automatismo surrealista por David Underwood (7). Todavia a configuração não era reproduzida de modo literal: a própria limitação material do stand efêmero induzia o arquiteto a transformar as “formas livres” do projeto de Niemeyer em formas nem tão livres regidas pela geometria, a partir das limitações físicas impostas pela madeira e telhas metálicas onduladas. Mais que isto, a matriz espacial tornava-se reprodutível a partir do processo construtivo razoavelmente simples e econômico.

O Mata-borrão já evidenciava a influência dos novos ventos que sopravam no distante e conservador sul do País. Mas ainda mantinha caracteres essenciais da Escola Carioca, produção que assumiu uma posição hegemônica no Brasil, nas duas décadas posteriores ao projeto do Ministério de Educação. O êxito daquela arquitetura resultou da combinação de elementos autóctones depurados e matrizes corbusianas: fossem eles literais, como beirais, telhados, treliças e azulejos; ou semânticos, como a extroversão e sensualidade das formas barrocas recriadas pela arquitetura moderna de Niemeyer, como defendia Lucio Costa (8).

Visão aérea do stand entre os edifícios [Acervo João Alberto Fonseca da Silva/ UniRitter]

Conclusão

É fato reconhecido que a arquitetura moderna demonstrou surpreendente capacidade de utilizar recursos disponíveis e técnicas compatíveis para atingir as formas perseguidas. E isso contrariou aquela fantasia inicial da existência de um material universal indefinido presente nas “caixas brancas” – aparência que se tinha como denominador do primeiro Estilo Internacional –, bem como a falácia posterior brutalista, no pós-guerra, que via o concreto como material plástico ideal. A ampliação do formato inicial restritivo, a partir do exemplo-panfleto da Casa Errázuriz (1929) – ilustrada por Le Corbusier com paredes ciclópicas e troncos brutos – e da Casa Mandrot – envolta em pedras ásperas –, criou as fendas que permitiram a incorporação de outros materiais, meios e matrizes formais numa arquitetura moderna cada vez mais plural, como demonstravam as experiências de países periféricos como Brasil e México, e a própria costa oeste dos Estados Unidos. No caso do Pavilhão, a madeira foi a matéria-prima que deu forma ao artefato moderno.

Também merece destaque a inspiração do autor do “Mata-borrão” na forma do auditório projetado por Oscar Niemeyer para Escola Estadual em Belo Horizonte (1954). Estabeleceu-se a idéia ilusória de que a Arquitetura Moderna consagrava a tabula rasa como ponto de partida do projeto, ao reprovar procedimentos acadêmicos e, como conseqüência, a referência de possíveis arquétipos e cânones. Mas o retrospecto da produção moderna demonstra que ela se dividiu, grosso modo, numa gradação entre dois pólos contrastantes. Numa extremidade foram perseguidas configurações originais, como recurso para transmitir a monumentalidade necessária a alguns programas. No sentido oposto estavam as formas estandardizadas, cujos princípios geradores vinculavam-se ao conceito de produção serial da industrialização. A apropriação de arranjos originais por projetos com programas mais simples e limitações construtivas constituiu um problema recorrente na arquitetura moderna: o “Mata-borrão” enquadrou-se parcialmente nessa condição.

No entanto, a relação estabelecida entre os dois edifícios foi um pouco diferente, pois o trabalho original, de Niemeyer, não constituiu aquilo que podia ser considerado um projeto exemplar: era discutível quanto à eleição da matriz inadequada ao programa do auditório, apresentando também uma implantação deficiente sob aspectos técnicos e plásticos. Prova disso foi a carcaça de concreto repousada diretamente sobre o solo, resultando numa solução deselegante. O stand, por sua vez, obteve como resultado algo distinto da proposta original. A regência de uma geometria definida, associada aos materiais leves industrializados, teve como decorrência um edifício replicável, dotando a proposta de algum mérito. Mas é inegável que o exemplo em questão constitui uma exceção entre os casos daquela natureza.

Edifícios exemplares com matrizes “racionais”, como o Seagram Building de Mies, também sofreram este processo de cópia gerando edificações abastardadas. Entretanto, a adoção de formas incomuns como modelo causou danos maiores à arquitetura “corrente” que constitui o tecido das cidades, produzindo conseqüências indesejáveis freqüentes, como a incompatibilidade entre forma e programa, resultados estéticos questionáveis, soluções construtivas inadequadas – redundando na deterioração precoce de muitas obras –, entre outros problemas possíveis.

Um último aspecto destacável refere-se às questões semânticas intrínsecas, ao status do pavilhão como exemplo de arquitetura progressiva para a cidade e sua participação na construção do imaginário de Porto Alegre metrópole moderna. E isto inclui as questões relativas à sua condição promocional e efêmera que lhe transmitiu o tom experimental. Meio século mais tarde, a importância do Pavilhão permanece pelo inusitado, pela fertilização do imaginário local a respeito de uma modernidade e pelo experimentalismo. Pois grande parte de seu valor encontra-se na capacidade incomum de unir adjetivações tão disparatadas como ingenuidade e sofisticação, simplicidade e ousadia, singularidade e estandardização, entre outros atributos opostos simultâneos.

notas

1
LUCCAS, Luís Henrique Haas. O sul por testemunha: declínio da hegemonia corbusiano-carioca e ascensão da dissidência paulista na arquitetura brasileira anos 50. São Paulo: Pós – Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, v. 27, p. 46-65, 2010. http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/posfau/n27/04.pdf

2
Com as obras do Parque Zoológico, Hekman foi premiado no II Salão de Arquitetura Riograndense ocorrido em 1962, coincidentemente sediado no “Mata-borrão”.

3
Foi instituído o consenso de que a arquitetura moderna tinha o ineditismo como postulado ético, rejeitando a reutilização de precedências – modelos ou padrões – no enfrentamento do projeto. Um exame mais apurado daquela experiência ampla e plural, entretanto, demonstra que tal idéia é uma generalização. Além disso, não foram registradas manifestações, como textos e depoimentos dos protagonistas, que validassem aquela premissa tácita.

4
Universíade, ou Universíada, é uma versão universitária de Jogos Olímpicos. Ocorre anualmente em diferentes cidades do mundo, alternadamente no inverno e no verão.

5
Sua casa-ateliê à Rua Avanhandava foi a primeira obra brasileira publicada na revista Arts and Architecture, dirigida por John Entenza, confirmando o vínculo. A influência do Case Study Houses Program, ao lado de Marcel Breuer, é visível na organização e experimentação construtiva das casas de Bratke dos anos cinqüenta; e a posição referencial do arquiteto no momento era inegável (LUCCAS, Op. Cit.).

6
Conforme entrevista concedida ao autor em 01/07/2010.

7
UNDERWOOD, David. Oscar Niemeyer e o modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

8
COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro de Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962, p.113.

bibliografia complementarBOTEY, Josep Ma. Oscar Niemeyer. Barcelona: Gustavo Gili, 1996.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981.

LUCCAS, Luís Henrique Haas. Arquitetura moderna brasileira em Porto Alegre: sob o mito do “gênio artístico nacional”. Porto Alegre: PROPAR/UFRGS, 2004. (Tese doutoral em arquitetura)

LUCCAS, Luís Henrique Haas. A escola carioca e a arquitetura moderna em Porto Alegre. Arquitextos n. 73, 06/2006. http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp370.asp

MINDLIN, Henrique. Modern architecture in Brazil. Rio de Janeiro: Colibris, 1956.

PESAVENTO, Sandra/ SOUZA, Célia Ferraz de. Imagens urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: UFRGS, 2008.

Revista ESPAÇO-Arquitetura. Porto Alegre: Instituto dos Arquitetos do Brasil – RS, no2, 1959.

XAVIER, Alberto/ MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987.

Entrevista com o Arquiteto Marcos Davi Hekman, autor do projeto, em 01/07/2010.

sobre o autor

Luís Henrique Haas Luccas é Arquiteto graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1983), Mestre (1997) e Doutor (2004) em Arquitetura pelo Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura – PROPAR/UFRGS. Exerce a docência na mesma instituição desde 1992, dedicando-se ao ensino do Projeto Arquitetônico, na graduação, e ao ensino e pesquisa na linha da Arquitetura Moderna, na pós-graduação.

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