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architexts ISSN 1809-6298

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português
Este artigo investiga os elementos que compõem a obra "Jardim dos passos perdidos", do arquiteto Peter Eisenman, com o objetivo de relacioná-los diretamente às noções teóricas definidas pelo arquiteto no seu próprio discurso.

english
This paper investigates Peter Eisenman's "Garden of the lost steps", in order to relate the work with the architect's own theoretical speech.

español
Este trabajo investiga los elementos que componen la obra "El jardín de los pasos perdidos", arquitecto Peter Eisenman, con el objetivo de relacionar directamente a las nociones teóricas definidas por el arquitecto en su propio discurso.


how to quote

ANDRADE, Manuella Marianna. A presença da ausência do "Jardim dos passos perdidos". Uma análise interlocutora entre o discurso e a prática. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 193.02, Vitruvius, jun. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.193/6070>.

Castelvecchio, restauro do arquiteto Carlo Scarpa, 1959-1973.
Foto Thomas Nemeskeri [Flickr Creative Commons]

A reflexão do presente texto está pautada na dialética entre teoria e prática, entendendo que "se a competência prática permite traduzir as ideias em realidade, é a teoria que proporciona a bagagem conceitual necessária para conceber um projeto. Tal bagagem é um requisito prévio à liberdade criativa” (1). O objetivo é investigar a obra o "Jardim dos passos perdidos", do arquiteto Peter Eisenman, como um projeto referencial para o campo da arquitetura, por ser fruto de uma reflexão teórico-prática que introduziu na história da teoria da arquitetura "um sistema de pensamento por meio do qual se organizou um conjunto de proposições lógicas (...) [que se coloca como] uma poética, isto é, o enunciado de uma concepção particular de um arquiteto, a base de sua proposta, sua própria definição de arquitetura tal como pretende praticá-la" (2).

A escolha por esse arquiteto descende de um trabalho realizado em 2011 e publicado no Arquitextos, intitulado "Entre a crítica e a admiração: considerações sobre o discurso poético de Peter Eisenman"(3), o qual se consistiu em uma análise do discurso do texto O fim do clássico, o fim do começo e o fim do fim, de 1983. A obra de Eisenman é especulativa, questionadora e por vezes utópica, mas abrange uma discussão pertinente acerca da Arquitetura enquanto campo disciplinar e teórico arraigado em cinco séculos de tradição. Ele propõe, por meio de sua conjectura crítica, teórica e arquitetônica, uma mudança na maneira de pensar e conceber a arquitetura.

Eisenman é um arquiteto de muitos projetos e poucas obras executadas. Sem adentrar na discussão, interessa destacar que a produção teórico-prática desse arquiteto, no período de 1978 a 1997, representa um significativo exercício de reflexão acerca da práxis arquitetônica. Outras obras edificadas poderiam expressar a discussão que se pretende traçar, mas escolheu-se o "Jardim dos passos perdidos" inserido no Museu Castelvecchio em Verona, em 2003, por ser expressão de uma reflexão teórico-prática contundente e por representar a contemporaneidade no seu mais instigante espectro: a efemeridade.

O projeto do Jardim fez parte da Bienal de Arquitetura de Veneza em 2003 e, nesse sentido, se consistiu em uma instalação que, por natureza, tem como princípio existir apenas por um período de tempo. A obra que sintetiza a reflexão teórica do arquiteto não existe mais, o que a torna ainda mais expressiva, uma vez que a perenidade se esvaece, a solidez se dissipa pelo caráter de instalação e a arquitetura se contamina pela arte.

Também não se pretende entrar na discussão se a obra escolhida é arquitetura ou não é arquitetura. Essa questão mereceria um exercício reflexivo particular. A postura analítica entende o "Jardim dos passos perdidos" como fruto de um processo reflexivo teórico-prático realizado por um arquiteto e pretende aferir como essa reflexão se materializa na obra, ou seja, quais elementos existentes na obra podem ser relacionados diretamente às noções definidas no discurso escrito do arquiteto. A tentativa de interligar os elementos que compõem a obra edificada dar-se-á pelas noções teóricas de enxerto e traço, definidas na obra escrita, entremeada por outros termos como "dissimulação", "intemporal", "arbitrário" e "presença da ausência". Juntam-se às noções e aos termos, as estratégias projetuais denominadas de táticas livres por Eisenman, tais como grid e escavação.

A análise observará a obra como o próprio Eisenman expõe ser a arquitetura: um "texto em vez de objeto quando é concebida e apresentada como um sistema de diferenças e não como uma imagem ou uma presença isolada" (4). Sendo um texto, a análise terá como princípio regulador a noção apresentada por Foucault (5) de acontecimento, em oposição à noção de criação. Há um descompasso filosófico entre Foucault, utilizado como referência para a análise do presente trabalho, e Derrida, usado por Eisenman como referência para elaborar o seu discurso escrito. A tarefa de relacionar Eisenman à Derrida já foi elaborada e é referência para o presente texto, já que permitiu definir as noções teóricas do arquiteto que serão abordadas (6). O que está em análise agora é a obra textual arquitetônica edificada que, mesmo que se interligue com o discurso teórico do arquiteto, não é o discurso teórico. Isto é, se a obra constitui um texto, esse permite ser analisado por qualquer outro operador conceitual.

A transposição do princípio regulador proposto por Foucault para o âmbito da arquitetura dar-se-á sem pretensões filosóficas maiores, porém ciente de uma interpretação que seja adequada ao discurso arquitetônico. Sendo assim, a obra textual arquitetônica é entendida como acontecimento visto que "não é nem substância nem acidente, nem qualidade nem processo; o acontecimento não é da ordem dos corpos [ou seja, o acontecimento não é o arquiteto]. Entretanto, ele não é imaterial [então não é um pensamento]; é sempre no âmbito da materialidade que ele se efetiva, [o acontecimento é a própria obra edificada], que é efeito [de um pensamento]; ele possui seu lugar e consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação e seleção de elementos materiais.(...)[O acontecimento é descontínuo] trata-se de cesuras que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de funções possíveis" (7).

O "Jardim dos passos perdidos" é composto, basicamente, por quatro elementos materiais: o plano verde, o plano cinza, as linhas vermelhas e os diferentes prismas cinzas. Será a partir desses elementos que as noções de enxerto e traço e as táticas livres de grid e escavação serão apresentadas, considerando a relação que os elementos possuem entre si, a coexistência de elementos de outros projetos nesse projeto, a dispersão dos elementos em relação ao lugar, os recortes dos elementos no conjunto do museu e a acumulação de tempos existentes no projeto. A estratégia utilizada para a análise não é hierárquica, mas principia com a identificação dos traços. O que permitiu, com uma observação atenta, destacar o sistema de relações no acontecimento.

As noções de enxerto e traço

A reflexão realizada no texto Entre a crítica e a admiração está "entre o reconhecimento da distorção derridiana a favor da construção de uma poética-retórica e o entusiasmo na proposição de uma nova forma de ver e pensar a arquitetura" (8). O texto destacou a interessante maneira como Eisenman, com uma contradição inerente ao discurso, propôs pensar a arquitetura a partir de suas relações intrínsecas.

Eisenman defende que as figuras textuais da arquitetura como texto podem ser encontradas em toda sua materialidade, seja edificada ou idealizada. É a intrínseca relação entre os diferentes tipos de espaços urbanos e arquitetônicos que compõe a estrutura do texto arquitetura, e que deve ser lido na sua heterogeneidade e múltiplas camadas. Eisenman pretende com sua arquitetura produzir algo nada igual ou similar ao que o antecedeu. Pressupõe que esse algo seja intemporal, isto é, o começo originário, ainda sem um valor atribuído. Esse algo é fruto do arbitrário, ou seja, independe de leis e regras, e que resulta da própria consciência do pensamento. Ambos, o intemporal e o arbitrário, exprimem a própria dissimulação, que "(...) visa criar a possibilidade de outros valores que não sejam uma representação do espírito do mundo reinante na época, mas outra condição de conceber, ler, projetar e entender a arquitetura" (9).

Para esse fim, Eisenman utiliza duas noções: o enxerto e o traço. “Um enxerto é um local inventado, que possui menos a característica de um objeto que as de um processo”. Para ele, o enxerto é arbitrário porque provê uma opção de leitura que não introduz no processo nenhum valor extrínseco. O “enxerto não é necessariamente um resultado factível, mas somente um local que contem uma motivação para ação – isto é, o início de um processo”. A motivação para Eisenman “toma uma coisa arbitrária [retirada da leitura da arquitetura como texto e a insere como um enxerto no processo, que] (...) implica uma ação e um movimento concernentes a uma estrutura interna [à arquitetura] portadora de uma ordem inerente e de uma lógica interna” [grifo nosso] (10).

Essa motivação converte o processo em modificação. A modificação é uma tática livre de invenção da origem arbitrária, onde cada fazer arquitetônico pode se diferenciar, já que emana da ação de leitura da arquitetura. O “ato de dar a forma” é o “lugar de invenção”, a origem ficcional arbitrária. Quando Eisenman afirma que “a forma arquitetônica revela ser mais um ‘lugar de invenção’ do que uma representação a serviço de outra arquitetura ou como um artifício estritamente prático” (11), ele intenta demonstrar que todas as formas arquitetônicas existentes podem servir de informação textual para invenção de uma origem arbitrária, e que o processo do fazer arquitetônico como modificação não irá apresentar-se de maneira representacional e sim por seu vestígio. Surge assim o vestígio como sinônimo de traço.

O traço “é o registro da motivação”, uma marca de seus processos internos, “não uma imagem de outro objeto-imagem”. É o traço que estimula a leitura da arquitetura, visto que esse é a manifestação visual de um sistema de diferenças, um registro de movimento (sem direção) que nos induz a ler o objeto presente como um sistema de relações com outros movimentos prévios ou subsequentes. O traço é o elemento que interliga o “ler a arquitetura como texto” e “a ideia da arquitetura como ‘escrita’”.

Análise do acontecimento: o "jardim dos passos perdidos"

A tática livre da motivação, para o início do processo de projeto do Jardim, ocorreu em três "textos arquitetônicos": a intervenção de Carlo Scarpa no museu Castelvecchio, ao qual o jardim pertence; o próprio Castelvecchio histórico; e o projeto IBA Housing, em Berlim, do arquiteto Eisenman.

Os três "textos arquitetônicos" são em si, pelo discurso teórico exposto, o enxerto: o local que contem uma motivação para dar início ao processo. E isto ocorre de maneira não figurativa, mas metafórica. Os elementos intrínsecos à própria produção arquitetônica foram inseridos - enxertados - no projeto e só podem ser apreendidos enquanto traço de algo que não está presente, ou seja, a presença da ausência. Nesse sentido, as linhas vermelhas são o traço de IBA Housing, os planos cinzas e os prismas são os traços da intervenção de Scarpa no museu e o sistema de interação de dois eixos são os traços do antigo Castelvecchio. À motivação no enxerto, apreendida pelo traço, soma-se as outras táticas livres como a escavação e o grid para modificar o espaço inventando.

O enxerto e o traço de velho Castelvecchio

Traços do velho Castelvecchio [digitalização Edler Oliveira]

Com relação ao Castelvecchio, Eisenman manteve os elementos preexistentes como as fontes, os arbustos que limitam o jardim e uma escultura cinza composta por vários blocos empilhados.

Do velho Castelvecchio, Eisenman considerou como enxerto as espessas paredes que dividem o salão de exposição em cinco salas. O traço dessas paredes estão nos espaços planos entre as elevações artificiais do plano verde, demonstrado na imagem acima pelas linhas azuis inclinadas dispostas em paralelo. Eisenman também enxerta do Castelo dois eixos: um representa o antigo eixo de acesso da ponte ao castelo que foi alterado por Scarpa quando de sua intervenção (linha preta horizontal) e o outro eixo surge da simetria bilateral das torres do castelo e está representado pela linha preta em diagonal(12).

A partir de cada eixo pôde-se perceber a constituição de retângulos, que possuem uma largura aproximada à largura interna do grande salão de exposição do Museu. O retângulo gerado pelo eixo preto horizontal delimita o início das elevações artificiais. E o retângulo gerado pelo eixo azul em diagonal posiciona os cincos segmentos de planos cinzas com linhas brancas.

Entre a ponte e a intersecção dos dois eixos, os dois planos cinzas com linhas brancas são planos e contínuos e estão no nível do solo. O plano verde do Jardim sobreposto a esses dois segmentos de plano cinza configura quatro elevações artificiais. Duas dessas elevações, que estão abaixo do eixo horizontal preto, são as mais altas. Desse lado do eixo, as elevações artificiais de superfície convexa se prolongam por mais dois segmentos e vão gradativamente diminuindo de altura até chegar ao plano verde horizontal do jardim no último segmento da extremidade oposta. Do lado oposto, acima do eixo horizontal preto, as três elevações do plano verde são mais baixas e a superfície convexa é chanfrada do lado do plano cinza.

O enxerto e o traço da intervenção de Scarpa

Traços da intervenção de Carlos Scarpa no Castelvecchio [digitalização Edler Oliveira]

No Castelvecchio, o plano cinza contínuo com linhas brancas, seccionado em cinco salas pelas espessas paredes do velho Castelo, consiste no interior do grande salão de exposição concebido quando do projeto de Carlos Scarpa para o Museu. Da sala central, Scarpa prolonga o plano cinza com linhas brancas do salão de exposição para o exterior do Castelo. No interior do salão, os retângulos e quadrados cinza escuro de dimensões variadas são os pedestais das estátuas. O plano cinza com linhas brancas, as linhas brancas e os pedestais foram enxertados por Eisenman na proposta do Jardim, compondo os traços da intervenção de Scarpa.

Eisenman delongou as linhas brancas do plano cinza externo ao castelo no plano verde do jardim até o arbusto que o limita. Essas linhas seccionam as duas elevações artificiais do solo à frente desse plano em oito segmentos paralelos.

No Jardim, os cinco planos cinzas com linhas brancas, destacados pelo polígono laranja, são os traços do grande salão de exposição. Eisenman também trouxe para o jardim traços dos pedestais das estátuas, introduzindo prismas cinzas nos planos cinza e verde e cavidades no plano verde do jardim, os quais estão indicados pelas setas duplas. As cavidades exprimem a presença da ausência dos traços de alguns pedestais. 

O enxerto e o traço do projeto IBA

Traços do projeto IBA House de Peter Eisenman [digitalização Edler Oliveira]

O projeto IBA Housing Berlim, de 1981-85, foi o primeiro projeto a concretizar as táticas livres de escavação e grid, as quais emergiram enquanto pensamento reflexivo teórico-prático na proposta para Veneza, em 1978, conhecida como Cannaregio.

As linhas vermelhas do projeto de Eisenman são tanto o traço do IBA na configuração externa do Jardim, como também são o traço da própria proposta do Jardim devido a existência de vestígios das linhas vermelhas dentro do grande salão de exposição. As linhas vermelhas (traço do projeto IBA) e o plano cinza com linhas brancas e os pedestais (traços do projeto de Scarpa) configuram uma relação interior x exterior a partir da presença da ausência percebida pelo traço ou vestígio dos elementos dos projetos mencionados. A introdução autofágica de elementos precedentes dos projetos de Eisenman é uma recorrente na prática do arquiteto, que condiz com o seu entendimento de arquitetura como texto.

As linhas vermelhas configuram uma quadrícula, que não se apreende pela completude e sim pelos seus vestígios. No jardim, especificamente nos três segmentos descontínuos e inclinados do plano cinza com linhas brancas descritos anteriormente, as linhas vermelhas surgem abaixo destes e vão ascendendo, da esquerda para a direita,tendo como referência a linha horizontal vermelha mais contínua à percepção. Essa linha é interrompida por uma passagem de acesso ao Castelvecchio. Do lado do jardim, encontra-se o cume da inclinação da linha, enquanto do lado da fonte as linhas são planas e paralelas ao solo.

Assim, é no Jardim que a tática livre de escavação é apreendida pela artificialidade da justaposição das linhas vermelhas inclinadas e dos planos cinzas com linhas brancas com as elevações do plano verde. Esses três elementos configuram um jogo de planos inclinados, descontínuos e ascendentes decorrentes das duas táticas livres: o grid e a escavação.

O sistema de relações entre os traços

Sistema de relação dos traços que conformam o Jardim [digitalização Edler Oliveira]

Pela análise até agora exposta, é possível intuir que os traços destacados separadamente por uma questão didática, não se apresentam dessa maneira no Jardim de Eisenman. As táticas livres de motivação por meio do enxerto, em função dos três textos identificados, são articuladas como um palimpsesto. A motivação dá lugar à modificação que, com a tática da escavação, permite que os tempos históricos dos três textos arquitetônicos justapostos, se exponham por camadas estratificadas.

O entendimento da estratificação só é possível pela descontinuidade dos planos. Da intersecção dos eixos, representados pelas linhas pretas, é originado arbitrariamente dois perímetros que configuram a descontinuidade dos planos verdes elevados. À esquerda da intersecção, a elevação artificial configura uma abertura com um perímetro em losango que permite visualizar o plano cinza. E à direita, o plano verde se define por um perímetro triangular que permite visualizar o plano cinza e as linhas vermelhas.

No entanto, à direita, a descontinuidade dos planos cinzas com linhas brancas configuram uma elevação artificial do solo, pois são levemente inclinados e não contínuos. A linha preta em diagonal ao encontrar com o primeiro dos três segmentos inclinados do plano cinza dá início à descontinuidade dos planos a partir de uma fissura, ampliando a estratificação. A origem artificial e arbitrária dessa fissura é motivada pelo enxerto das linhas vermelhas (traços do IBA House), responsável pela secção em duas partes do último plano inclinado cinza que está abaixo do eixo preto diagonal.

A estratificação expressa o sistema de relação entre os traços, materializado pelo grid, que se amplia com o traço das espessas paredes do Castelo que configuram os cinco segmentos que compõem o jardim; com o traço do prolongamento das linhas brancas pelo plano verde; e com os traços dos pedestais representados pelos prismas ou cavidades.

No jardim, o piso mais antigo do Castelo se encontra no nível inferior, logo acima surge o plano cinza (traço do projeto de Scarpa) em convergência com as linhas vermelhas (traço do projeto IBA). Por fim, o plano verde finda o “ato de dar a forma”, como algo que se abre para que as camadas estratificadas sejam percebidas como o “lugar de invenção”, a origem ficcional arbitrária repleta de traços de enxertos arquitetônicos que juntos, num sistema de relações, configuram a materialidade da reflexão teórico-prática do arquiteto.

Considerações finais

O "Jardim dos passos perdidos" representa a retomada de importantes reflexões teóricas realizadas pelo arquiteto em sua práxis arquitetônica entre 1978 e 1997. Cannaregio é o marco inicial dessa arquitetura crítica que surge tanto para contestar os caminhos estilísticos que a arquitetura pós-moderna estava tomando(13) quanto para robustecer o exercício da reflexão que já caracteriza sua produção arquitetônica anteriormente, quando discutia a interioridade da arquitetura (14). Durante esse período, foram, aproximadamente, vinte projetos desenvolvidos, dos quais oito foram executados.

Curiosamente, a retomada não se apresenta como um retorno da reflexão antecedente, mas um registro, uma recordação talvez saudosista. Uma maneira de relembrar o que não existe mais a partir de uma intervenção que também não existirá, a própria figura da presença da ausência. A estratificação foi no projeto do "Jardim dos passo perdidos" a modificação enquanto invenção de um começo originário, arbitrário e intemporal advindo da noção de arquitetura que o arquiteto elaborou pela sua reflexão teórico-prática.

A escavação artificial com a elevação do plano verde que se replica no plano cinza e nas linhas vermelhas são em si exemplo de uma práxis não mais em vigor. O "Jardim dos passos perdidos" não é somente o passado de uma reflexão, como o presente e a constatação da mudança na práxis arquitetônica. O desvanecer-se da perenidade, tão distinto da arquitetura. Contraditoriamente, a presença da ausência de traços ou vestígios de outros tempos ou elementos materiais é, agora na contemporaneidade, o espectro da efemeridade, a ausência da presença de uma experiência material que, por um curto espaço de tempo, existiu. É o próprio acontecimento.

E é inserido nessa conjuntura que o "Jardim dos passos perdidos" se apresenta como um projeto referencial contemporâneo para o estudo da teoria da arquitetura.

notas

NE – O presente texto foi elaborado para a disciplina Projetos referenciais da Arquitetura Contemporânea, ministrada pela professora Dr. Ruth Verde Zein do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A autora agradece ao arquiteto e mestre Edler Oliveira pela gentileza em digitalizar os croquis analíticos que ela realizou para a elaboração do presente texto.

1
HEARN, Fil. Ideas que han configurado edificios. Barcelona, GG, 2006, p.35.

2
WAISMAN, Marina. O interior da história. São Paulo, Perspectiva, 2013, p.32-31.

3
ANDRADE, Manuella. Entre a crítica e a admiração: considerações sobre o discurso poético de Peter Eisenman. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n.131-6, Vitruvius, Abr. 2011. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3839>.

4
EISENMAN, Peter. O fim do clássico: fim do começo, o fim do fim (1984). In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo, Cosac Naif, 2006, p.251.

5
FOUCAULT, Michel. A origem do discurso. 17ed. São Paulo, Edições Loyola, 2008.

6
ANDRADE, Manuella. Entre a crítica e a admiração: considerações sobre o discurso poético de Peter Eisenman. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n.131-6, Vitruvius, Abr. 2011. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3839>.

7
FOUCAULT, Michel. A origem do discurso. 17ed. São Paulo, Edições Loyola, 2008, p.57-58.

8
ANDRADE, Manuella. Entre a crítica e a admiração: considerações sobre o discurso poético de Peter Eisenman. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n.131-6, Vitruvius, Abr. 2011. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3839>.

9
HUCHET, Stéphane. Paradigmas arquiteturais e seus devires: Durand, Duchamp e Eisenman. In Desígnio Revista de História da Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, n. 1, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP, março, 2004, Annablume, p.79.

10
ANDRADE, Manuella. Entre a crítica e a admiração: considerações sobre o discurso poético de Peter Eisenman. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n.131-6, Vitruvius, Abr. 2011. <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.131/3839>.

11
EISENMAN, Peter. “Visões que se desdobram: a arquitetura na era da mídia eletrônica”. In NESBITT, Kate (org). Uma nova agenda para a arquitetura. Antologia teórica (1965-1995). São Paulo, Cosac Naify, 2006.

12
EISENMAN, Peter.  Il Giardino de passi perduti: una installazione al Museo de Castelvecchio. Verona, Marsilio, 2004.

13
Idem

14
EISENMAN, Peter. Diagram Diares. London, Thames&Hudson, 1999.

sobre a autora

Manuella Marianna Andrade é arquiteta, mestra e doutoranda pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, bolsista Fapesp, professora assistente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas.

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