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architexts ISSN 1809-6298

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O Complexo Hospitalar do Juquery, tendo em vista as novas normas de acolhimento de pacientes, tem buscado revitalizar seu espaço construído, transformando sua ambiência hospitalar e suas opções de serviços de saúde afim de humanizá-las.


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PIZZOLATO, Pier Paolo. O projeto do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física do Complexo Hospitalar do Juquery. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 193.07, Vitruvius, jun. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.193/6111>.

O Complexo Hospitalar do Juquery, tendo em vista as novas normas de acolhimento de pacientes, tem buscado revitalizar seu espaço construído, transformando, a fim de humanizar, sua ambiência hospitalar e suas opções de serviços de saúde [Biblioteca Central Poli USP]

A reforma psiquiátrica em curso a três décadas no Brasil exigiu várias alterações no perfil de atendimento das instituições hospitalares especializadas em doenças mentais, obrigando-as à diversificar os serviços e adaptar a antiga vocação dentro das novas normas de acolhimento dos pacientes. O Complexo Hospitalar do Juquery, tendo em vista estas normas, tem buscado revitalizar seu espaço construído, transformando, para humanizar (1), sua ambiência hospitalar e suas opções de serviços de saúde.

A escolha para a implantação do serviço de Retaguarda e Reabilitação Física nos edifícios do antigo asilo de alienados do Juquery surge desta revisão e da implementação de várias ações de modernização nas atividades médicas existentes.

Retrocedendo no tempo no intuito de mapear a evolução arquitetônica e os tratamentos de saúde utilizados, desde a fundação do asilo de alienados, em 1898, a instituição tratou de pacientes psiquiátricos de todo o estado de São Paulo, chegando a se tornar um dos maiores centros de internação de doentes mentais da América Latina, rivalizando em número de pacientes com o Hospício de Barbacena, em Minas Gerais, e, desde os anos 1980, deixou de lado seu passado de especialização em doenças mentais, permitindo a instalação de novos serviços como prontos socorros (adulto e infantil), maternidade, centro cirúrgico, ambulatório de especialidades, tornando-se, assim, a mais importante referência de saúde da região norte da grande São Paulo (2).

É bem verdade que essas mudanças, na maioria das vezes, não acarretaram em melhorias físicas e no respeito ao projeto executado por Ramos de Azevedo (1898-1905) e ampliado pelo engenheiro Ralph Pompeo de Camargo (a partir dos anos 1930), causando bastantes degradações nas construções pavilhonares existentes, sucateando-as a tal ponto de deixarem de ser capazes de receber novos usos sem uma intervenção contundente em seu espaço.

A "crise de identidade" apontada no tratamento psiquiátrico no Juquery é verificada desde o fim da administração de Pacheco e Silva (1923-1937), quando os métodos utilizados se estagnaram tornando o antigo asilo um grande depósito de pessoas (3). Em poucas décadas após a saída do segundo diretor - que já reclamava da superpopulação de pacientes - o número de internos do Juquery chegou a preocupantes 14.000 (1960) - quantidade de pessoas relativamente próxima à cidade de Mairiporã no mesmo período (20.000 habitantes) (4). A evolução dos prédios do Complexo Hospitalar do Juquery não acompanhou o crescimento no número de leitos ofertados pela psiquiatria e, consequentemente, a falta de manutenção e desgaste do espaço físico acabaram por se tornar evidentes.

A situação se agravou pela dependência generalizada do município de Franco da Rocha da Instituição, sendo que só recentemente em o atendimento público foi plenamente municipalizado, mesmo com grandes problemas a serem resolvidos em relação às atividades prestadas para a população. Com isso foi possível fazer uma análise mais minuciosa sobre a vocação do Complexo Hospitalar do Juquery tanto no âmbito da saúde pública quanto nas outras vocações inerentes ao espaço construído.

Dentro deste panorama, o Juquery, para encontrar novo rumo dentro dos serviços de saúde ofertados para a população, há algum tempo vem se utilizando de um Plano Diretor (5) desenvolvido para traçar um novo horizonte e balizar as suas decisões de mudança de uso e abertura de novos serviços de saúde.

Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física (HRR)

Os leitos de Retaguarda Clínica são os que se destinam às internações hospitalares clínicas por período superior a 45 dias. São, portanto, leitos destinados à continuidade do tratamento de pacientes que não mais necessitam do acompanhamento proporcionado pelo hospital comum (que, por suas características, necessitam ter alta rotatividade), mas que, necessitando de assistência médica e cuidados de enfermagem, têm que permanecer por mais tempo em seus leitos.

A clientela deste serviço se caracteriza pela heterogeneidade – são pacientes crônicos (portadores ou não de transtornos mentais), convalescentes e terminais, em situação de agravo clínico não crítico (convalescentes, pós-cirúrgico) e/ou acamados, que necessitam de cuidados médicos, de enfermagem, e de intervenção em reabilitação física e psicossocial. Devido a processos de cronicidade das mais diversas patologias, somado a dificuldades sociais e familiares na manutenção do paciente clínico no domicílio, este leito futuramente atuará na composição da rede dos serviços de saúde, servindo como referência e contra-referência aos Hospitais Gerais da região.

O conjunto construído é formado por dois pavilhões de internação (masculino e feminino) edificados em 1902 e 1905, respectivamente, e a antiga lavanderia do asilo central (todos projetados pelo arq. Ramos de Azevedo); ampliação da lavanderia e de duas enfermarias edificadas na década de 1930 (6) (projeto de Ralph Pompêo de Camargo) e do edifício anexo construído em 1986 que abrigou os serviços de apoio do hospital de clínicas. Como se pode perceber, por ser este um local caracterizado por receber sucessivas intervenções ao longo das décadas, sofreu constantemente alterações que causaram a descaracterização do patrimônio histórico.

Estudo de implantação com a destinação de cada uma das construções existentes no perímetro, além dos edifícios novos [Pier Paolo Pizzolato]

Diferentemente das atuações anteriores, a atual adaptação tem o mérito de respeitar as construções tombadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) intervindo mais contundentemente nos anexos edificados posteriormente e que não tem valor histórico significativo. As construções a serem demolidas terão o seu perímetro preservado por meio da criação de uma diferenciação no piso nas novas áreas externas, que servirão de praças para interação entre pacientes e banho de sol. A eliminação de alguns anexos para a criação de espaços de praças ao ar livre tem como principal motivação a recuperação dos "vazios" tão necessários para a leitura das fachadas históricas, além de amenizar a sensação de aprisionamento e impessoalidade que um grande hospital em monobloco oferece.

Piso intertravado colorido indicando a localização das construções antigas que serão demolidas ao longo das obras [Pier Paolo Pizzolato]

Como o conceito e o programa de necessidades de tais serviços são questões ainda pouco exploradas no Brasil, verificamos em nossas pesquisas a existência de poucas unidades que tem como função abrigar, recuperar e proporcionar convívio social. São elas: o hospital de retaguarda Arnaldo Pezzuti em Mogi das Cruzes (7), a rede Sarah Kubitschek (8), além de algumas clínicas geriátricas particulares (mas que não contemplam totalmente o amplo espectro de atuações que acreditamos serem necessários para esta tríplice função).

Após visitas técnicas e estudos mais centrados nestas unidades e alguns exemplos internacionais (9), além de entrevistas com a equipe médica responsável pelos pacientes crônicos internados, verificou-se a possibilidade de se utilizar o conjunto de edificações que haviam sido até recentemente o Hospital Estadual de Franco da Rocha ou, como era conhecido oficialmente, a Diretoria de Saúde de Pacientes Internos (DSPI), que fora desativado em 2010 para a inauguração do Hospital da OSS - Albano da Franca Rocha Sobrinho.

A decisão foi, em um primeiro momento bastante questionada, pois um dos principais motivos para a desativação da DSPI e da construção do hospital novo foi  a "obsolescência" da antiga estrutura e a dificuldade de se manter um serviço moderno adaptado em espaços mal articulados e com sérios problemas de manutenção (principalmente no período das chuvas). A questão toda estava em como encarar essa demanda: por um lado como hospital tecnológico (10), o conjunto de prédios era de manutenção custosa e com problemas em sua configuração espacial; porém, se optássemos por um projeto de hospital terapêutico (11), o local tinha boa parte dos elementos necessários para um espaço bastante favorável para a intervenção.

O projeto do HRR propôs a recuperação de espaços perdidos através de construções de anexos equivocados, além de criar novas adições mais condizentes com um Hospital Terapêutico.

Elevação frontal do conjunto que o projeto de Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física irá ocupar. O primeiro é a proposta em si, enquanto o de baixo é representa a situação atual [Pier Paolo Pizzolato]

Desenhos representando a elevação frontal do conjunto que o projeto de Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física irá ocupar. O primeiro é a proposta em si, enquanto o de baixo é representa a situação atual. Fonte: P. P. Pizzolato. 

A partir de agora iremos elencar alguns elementos importantes para o desenvolvimento de um projeto de hospital terapêutico nos moldes necessários para o Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física (não só no contexto do Complexo Hospitalar do Juquery, mas também para outros serviços com o mesmo caráter).

Janelas: iluminação e ventilação naturais

Comecemos por verificar as alterações das janelas existentes, por exemplo, importantes para o uso da iluminação e ventilação naturais que foram alteradas ao longo do tempo. Sobre a solução adotada nos caixilhos de todas as edificações envolvidas, ressalta-se que os atuais não são originais - os caixilhos instalados nos pavilhões e na área da antiga lavanderia eram de madeira com aberturas de abrir e em guilhotina, respectivamente, e que a partir da década de 1960 foram trocadas por caixilhos metálicos com abertura basculante (tipo banheiro), o que alterou substancialmente as fachadas.

Portanto, os caixilhos propostos têm a pretensão de recuperar o desenho original das janelas, apesar do uso do alumínio como solução estrutural. As aberturas se darão respeitando os vãos originais em quase todos os edifícios tombados, onde apenas na antiga lavanderia (para atender as exigências de ventilação e iluminação em cada enfermaria) os vãos serão alterados, mas seguirão modenatura semelhante aos outros prédios. Evitamos criar um falso histórico utilizando para isso uma solução de marcação tanto na argamassa quanto na cor escolhida para o local.

Ainda sobre os caixilhos instalados nas enfermarias, serão mantidos fechados por causa do uso de ar-condicionado. Para manter o local na penumbra (se o paciente quiser ou houver necessidade da equipe de enfermagem), serão instalados blackout em cada janela.

Ar-condicionado: onde usar?

É de senso comum que em serviços de saúde é bastante disseminado o uso de ar-condicionado, principalmente nos hospitais tecnológicos. Seguimos a lógica de um espaço hospitalar mais "humanizado", muito parecido com os projetos da rede Sarah Kubitschek de Lelé, onde o uso desse sistema de insuflamento e controle do ar se dá apenas nos locais em que a permanência dos pacientes e o tipo de serviço ali alocado não consiga ser controlado a contento pelos métodos mais sustentáveis.

O recurso de utilização do ar condicionado foi ponderado apenas nas áreas em que a face norte predomina. A implantação original de Ramos de Azevedo priorizou um eixo de simetria que dividiu os prédios no sentido leste-oeste e as maiores fachadas acabaram por receber a insolação norte-sul, criando um problema para a melhor eficácia da insolação dentro das enfermarias.

Sabendo disso, optamos pelo uso de troca de ar mecânica nas enfermarias, pois elas foram inseridas na fachada norte, enquanto os outros serviços foram alojados no lado sul e, portanto, receberão apenas a troca de ar de forma natural.

Praças de convívio e jardins

Como referimos anteriormente, o conjunto edificado sofreu sucessivas levas de intervenções entre reformas e ampliações, descaracterizando bastante o partido arquitetônico adotado por Ramos e posteriormente por Ralph. Para a nova intervenção, optamos pela demolição de alguns anexos que impediam a leitura das construções relevantes e aproveitamos para criar praças/jardins de convívio com o intuito de incentivar a interação e a locomoção dos pacientes.

Três estudos para as praças/jardins do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física. Podemos perceber a preocupação da proposta em dotar espaços de convívio voltados à natureza, convidando o paciente a interagir com os outros usuários ou visitantes em loc [Pier Paolo Pizzolato]

O mobiliário, rampas, laje de ligação e pérgulas configurarão a ambiência das praças, gerando um espaço de transição entre os edifícios que serão utilizados para o hospital de retaguarda. As rampas garantem a acessibilidade, atendendo à norma técnica ABNT NBR 9050.

Conjuntamente com a instalação das novas rampas, as escadas originais também serão restauradas e servirão de acesso alternativo para as novas praças. Os bancos inseridos no local terão desenho contemporâneo, de material resistente a intempéries (concreto armado) e estarão distribuídos de forma a criar um espaço convidativo para um relacionamento social entre os pacientes, além de criar "pontos visuais" para a contemplação dos prédios restaurados.

Três estudos para as praças/jardins do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física. Podemos perceber a preocupação da proposta em dotar espaços de convívio voltados à natureza, convidando o paciente a interagir com os outros usuários ou visitantes em loc [Pier Paolo Pizzolato]

As pérgulas serão executadas em estrutura metálica e protegidos com pintura na cor cinza. Foi desenvolvido um desenho moderno, porém neutro, para não causar enfrentamento com as edificações históricas.

Por fim, enfocaremos na construção de uma laje de ligação entre o bloco central (antiga lavanderia) e o bloco dois (4.º pavilhão feminino) que será edificada no local que a galeria original foi edificada. Em alterações posteriores, tal galeria foi demolida para dar lugar ao serviço de imagem do hospital de clínicas e, como tal serviço não será necessário dentro do hospital de retaguarda e reabilitação, optou-se na reconstituição da ligação.

A solução adotada respeita a morfologia original mas estabelece um desenho contemporâneo neutro (artifício utilizado nas pérgulas) e utiliza o ritmo original das colunas metálicas para criar a sensação de continuidade e harmonia entre o velho e o novo.

Ambiência hospital x patrimônio histórico

Apesar do conjunto edificado ter sido construído com função hospitalar desde seu princípio e as reformas sucessivas sempre privilegiarem a questão de saúde, o aspecto atual destoa bastante dos hospitais contemporâneos, principalmente por sua tipologia pavilhonar que favoreceu a implantação de construções horizontais. Estas aumentam as distâncias percorridas pela equipe médica e de enfermagem, além de exigir a duplicação de vários serviços de apoio. Entretanto, longe de ser um inconveniente, essa tipologia é ideal para o tipo de serviço de saúde que queremos implantar, pois a existência de espaços abertos, ricos em potencialidade de contato com a natureza, insolação e ventilação naturais são pontos importantes que um conjunto verticalizado dificilmente pode oferecer.

Optamos em ressaltar a arquitetura eclética dos dois conjuntos arquitetônicos: os dois pavilhões e lavanderia da era Ramos de Azevedo e as enfermarias e centro cirúrgico de Ralph Pompêo de Camargo, mesmo que as construções de Ralph tenham sido executadas já no surgimento da arquitetura moderna no Brasil.

Existe também na área de atuação do projeto do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física dois edifícios executados mais recentemente, projeto do arquiteto Siegbert Zanettini, que por seguir no conceito de "harmonização" da arquitetura eclética da Instituição acabou por criar um falso histórico questionável perante o conjunto existente. Posto isto, levamos a cabo um estudo de modernização das fachadas do local, trazendo para a superfície as qualidades existentes no projeto de Zanettini, além de separar visualmente com clareza os conjuntos edificados.

Estudo para a interligação com projeto conteporâneo entre duas edificações desenvolvidas por Ralph Pompêo de Camargo. Atentar para a intervenção em segundo plano na construção executada nos anos 1980 pelo arquiteto Siegbert Zanettini [Pier Paolo Pizzolato]

Todas as modenaturas e ornamentos ecléticos feitos na década de 1980 serão retirados e a edificação se abrirá através de grandes vãos (12) que receberão vidro blindex para a que o prédio desenvolva transparência e opacidade em relação ao conjunto histórico, necessários para o valorizar. Além disso, optamos em utilizar o artifício de "horizontalizar" toda a fachada voltada para o norte (além de partes da fachada oeste) com brises soléil que, além de proteger as dependências dos serviços ali instalados da radiação direta dos raios solares, também serviu para organizar as aberturas de caixilhos que não conseguiram ser reenquadradas dentro do novo desenho geometrizante da modernização desse edifício.

Por fim, ambos os edifícios serão pintados na cor branca para evidenciar a volumetria, que é uma das qualidades do projeto de Zanettini, sem chamar demasiada atenção para si. Apenas os brises receberão cores "quentes" para que o efeito "horizontalizador" seja percebido pelos usuários e internos.

Outro local que será amplamente alterado em nossa intervenção é o edifício projetado por Ralph e que por décadas foi utilizado como centro cirúrgico, clínica médica, pronto-socorro adulto, clínica cirúrgica e unidade de terapia intensiva adulta. Este local em especial sofreu com sucessiva alterações e ampliações ao longo dos anos e pretendemos recuperar para o serviço de retaguarda e reabilitação física o seu espaço original.

A solução adotada para a fachada sul do bloco central foi a de evidenciar que a mesma sofreu bastantes intervenções ao longo desses anos. Optamos, então, em deixá-la sem revestimento para que as reformas ficassem mais visíveis, integrando esse "limite" do bloco central com o novo anexo que é ligado por uma laje de cobertura, no local da antiga porta. O restauro da ornamentação do arremate do telhado ficará condicionado a prospecções que serão realizadas no período das obras de demolição do anexo que interviu diretamente nessa fachada.

É importante frisar que a demolição de todo um pavilhão – que se encontra em processo de ruína (13) (o antigo pavilhão Japonês inaugurado em 1959) – para dar lugar a um estacionamento para cinquenta  carros, além de criar um mirante capaz de descortinar a visão de todo o conjunto do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física de um ponto mais alto, valoriza toda a paisagem da mesma forma que o faz o deck de madeira da Maggie's Centre de Dundee, projetado por Frank Gehry.

Ruído

Como as construções históricas que fazem parte do projeto do HRR apresentam paredes de alvenaria grossas (entre 35 a 50 centímetros de espessura), o conforto acústico entre o exterior e as dependências internas dos serviços ali alocados será bastante apropriado, pois a espessura das paredes será capaz de absorver os ruídos externos sem transferir para dentro tal incomodo. As paredes novas projetadas serão executadas em sua maioria com drywall com alta capacidade de absorção acústica. Segundo vários fornecedores desse tipo de revestimento, o drywall simples com 12,5 milímetros de espessura é capaz de absorver o som ambiente na mesma capacidade de uma parede de tijolos maciços de 9 centímetros de largura, ou seja cerca de 35 à 40 dB.

Nas áreas comuns, como salas de estar, salas de grupo e terapia ocupacional, por exemplo, haverá sistema de som ambiente com músicas condizentes com a terapêutica de relaxamento que servirá para fornecer conforto e estímulo, evitando estresse, depressão e acelerando a recuperação dos pacientes. Nos quartos, esse sistema será controlado pela equipe de enfermagem ou pelo próprio paciente (se ele apresentar capacidade física ou discernimento de relacionamento social com o(s) vizinho(s) de leito), pois o estímulo para a autossuficiência do paciente internado é importantíssimo para que não se sinta destituído de sua identidade, evitando assim depressão.

Exemplo de ambiência para a área de estar comum a todos os pacientes. Localizado em um ponto central em relação aos edifícios existentes, este salão concentra consultórios e salas de terapia ocupacional. [Pier Paolo Pizzolato]

Estudo para a ambiência do refeitório de pacientes localizado no térreo do bloco de apoio [Pier Paolo Pizzolato]

Quantidade de leitos por dormitórios

A diminuição do número de leitos contribui para a recuperaçao na medida em que resguarda a intimidade do paciente e  incentiva a autossuficiência.

Os dormitórios serão equipados com réguas hospitalares de fornecimento de gases medicinais, luz artificial direcional própria e banheiro comum ao apartamento vizinho (até 4 leitos por sanitário), sendo que o espaço do sanitário foi dimensionado com as medidas mínimas necessárias para o uso de cadeirantes e/ou pessoas com dificuldade de locomoção.

Como já comentado no item sobre o uso de ar-condicionado, todos os dormitórios foram alocados aproveitando a melhor insolação que os edifícios históricos puderam fornecer. Sabemos que a direção ideal para os dormitórios, perante o movimentação solar, é a leste, pois a incidência dos raios solares nesta posição é a mais sadia, aliada à melhor sensação de "frescor" que o Sol da manhã fornece aos cômodos.

A vista dos dormitórios proporcionada pelas janelas históricas é voltada para os outros edifícios que compõem o conjunto do antigo asilo de alienados e, por sua arquitetura harmônica com a natureza, acreditamos que terá efeito tranquilizador e servirá de estímulo para a recuperação dos pacientes internados. Onde não houver vista para as construções, haverá a valorização dos jardins e praças comuns para incentivar o usuário a se movimentar em direção ao exterior e se relacionar socialmente com outros indivíduos (tanto da enfermagem quanto familiares e outros doentes).

Segue abaixo todos os desenhos do projeto do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física:

Duas perspectivas "vôo de pássaro" do conjunto proposto [Pier Paolo Pizzolato]

Buscamos aqui apresentar  brevemente o partido arquitetônico e os desenhos da proposta da intervenção do Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física.

Esta apresentação é fruto da analise de qual seriam os serviços de saúde necessários para compor um hospital de retaguarda, realizada por meio de visitas a hospitais e pesquisa de exemplos brasileiros (no caso o Hospital Arnaldo Pezzuti) e estrangeiros (Maggie's Centres e Hospital Psicogeriátrico de Palma de Maiorca).

Além disso, estudos de pesquisadores como Ulrich (14), Antunes (15), Clemesha (16), Do Rego (17), Miquelin (18), Toledo (19), entre outros, e os projetos de Lelé (20), Frank Gehry (21), Zanettini (22), SV60 Arquitectos (23), Aires Mateus (24) e CMV Architects (25), forneceram subsídios para definir os elementos arquitetônicos que imprescindíveis para um projeto hospitalar capaz de atender à demanda terapêutica.

O HRR, um serviço complexo e relativamente novo em São Paulo, pretende incorporar as novas teorias de como a arquitetura pode contribuir para a terapêutica. Não entendemos que o ambiente hospitalar seja apenas  um catalizador de cura, em oposição a um lugar em que a cura ocorre, mas um ambiente em que mesmo que a cura não ocorra, o paciente possa nele encontrar dignidade e ter uma convivência mais humanizada com todos aqueles que estão comprometidos com seu bem-estar.

notas

NE – Este artigo resulta de minha tese de doutorado intitulada O espaço arquitetônico como elemento terapêutico: a função da ambiência na recuperação e na qualidade de vida do paciente internado, defendida na FAU-USP em maio de 2014.

1
O termo "humanização" vem sendo utilizado em vários programas de intervenção administrativa ou mesmo terapêutica em serviços de saúde. Neste texto será utilizado para designar os espaços respeitosos ao usuário, apesar de não concordarmos muito com a palavra (pois demonstra quase um "pleonasmo" em termos de semântica - oras se o hospital trata de seres humanos, logo ele já é voltado para a humanidade). Segue citação que corrobora com a nossa opinião: "Falar de arquitetura humanizada é cometer no mínimo um pleonasmo, já que uma arquitetura de qualidade tem como objetivo fundamental é atender às necessidades do homem, sejam elas materiais ou psicológicas. Entre as primeiras, consideramos a orientação do edifício, a facilidade e clareza de acessos, o dimensionamento adequado dos espaços, a relação entre as diferentes áreas funcionais, a correta utilização dos materiais, a facilidade de manutenção através da previsão de visitas a todas as instalações, o conforto ambiental, entre outros aspectos a serem cuidados. Das necessidades psicológicas destacamos o respeito à privacidade dos usuários, a criação de espaços de convívio, o acesso à paisagem envolvente e a jardins, a presença de obras de arte e de outras manifestações culturais, a música e o silêncio dependendo da escolha do paciente e, finalmente, o caráter simbólico e o sentido de lugar que toda a boa arquitetura deve proporcionar".

BREITIMAN, Irineu. Apud: DO REGO, Daniel. A arquitectura como instrumento medicinal: O papel terapêutico dos espaços da saúde na sua missão de curar e cuidar, dissertação de mestrado. Técnico de Lisboa, 2012, p. 26.

2
Pelo menos 5 municípios utilizaram seus serviços como única opção de saúde pública até a década de 1990. São eles: Franco da Rocha, Caieiras, Mairiporã, Francisco Morato e Cajamar.

3
A terapêutica voltada à psiquiatria evoluiu bastante a partir dos anos 1960 através do desenvolvimento de medicamentos cada vez mais eficientes contra as crises agudas da maioria dos pacientes, dispensando assim a necessidade de grandes períodos de internação. No Juquery, as antigas práticas de isolamento se misturaram com a degradação da equipe de enfermagem que demorou muito para assimilar o uso efetivo desses medicamentos.

4
Informação retirada dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pela prefeitura municipal de Mairiporã para a confecção do Plano Municipal de Saneamento Básico da cidade. Cf. <http://www.camaramairipora.com.br/docs_downloads/plano_saneamento_basico/saneamento_vol1/1)  Plano Municipal de Saneamento Básico de Mairiporã - Vol I.pdf>.

5
O Plano Diretor foi realizado pela diretoria técnica de departamento no ano de 2006, e iniciado logo após o incêndio que destruiu parte significativa do edifício histórico da administração em dezembro de 2005. O tripé vocacional da Instituição formou-se através da valorização das atividades de Saúde, Educação e Cultura - sendo que algumas destas ações foram postas em prática dentro dessa lógica, como, por exemplo, a construção do Hospital Albano da Franca Rocha Sobrinho em terreno e especialidades definidos anteriormente pelo próprio plano. Ainda sobre o Plano Diretor, verificamos que o mesmo permitiu um leque maior de usos dentro das ações já existentes na Instituição: a percepção do espaço voltado ao tratamento psiquiátrico deixou de "olhar para atrás" - com nostalgia de um passado duvidoso (perante a ótica terapêutica) e que não pode mais voltar - para propor usos e espaços de vanguarda como o Centro de Atenção Integral à Saúde Mental (CAISM), a Vila Terapêutica e o próprio Hospital de Retaguarda e Reabilitação Física (HRR).

6
A reforma realizada por Ralph Pompêo de Camargo na área da primeira lavanderia transformou o local em salas para ciruia e clínicas de internação de pacientes psiquiátricos com outros tipos de intercorrências, unindo o edifício original de Ramos de Azevedo com duas construções executadas para esse fim (utilizando para isso um estudo de Ramos de Azevedo que não chegou a ser executado).

7
Conforme o site do serviço o hospital oferece assistência de saúde físico-psicossocial a pacientes de longa permanência nos âmbitos hospitalar e de reabilitação. Também é referência estadual para internação de longa permanência de pacientes portadores de patologias crônicas com necessidade de reabilitação, assim como para portadores de moléstias infecto-contagiosas (HIV e TB). Entre seus serviços voltados à saúde podemos destacar: UTI adulto - para demanda interna dos pacientes internados neste Centro; UTI infantil - para pacientes crônicos de longa permanência; dependência química; assistência hospitalar e ambulatorial aos pacientes ex-hansenianos; serviço de atendimento a colônia (SAC) aos moradores da colônia e ambulatório de especialidades para atendimento da população do Alto Tietê

8
A rede de hospitais de reabilitação física foi criada em 1960 em Brasília pelo presidente Juscelino Kubitschek para atender os casos que necessitem de recuperação motora com amplo investimento de tecnologia e de espaço de atendimento. O arquiteto João Filgueiras Lima - conhecido como Lelé - torna-se principal responsável pelos projetos dos hospitais especializados, desenvolvendo protótipos que foram desde o mobiliário até as dimensões corretas para os serviços de saúde.

9
Hospital psicogeriátrico em Palma de Maiorca; restauração do Hospital de São Jerônimo em Sevilha; residência de idosos de Alcácer do Sal, residência de idosos De Drie Hoven em Amsterdam e os centros Maggie's Centre na Europa.

10
Modelo de hospital que surgiu no começo do século XX que, a partir da sobreposição de andares, privilegia a utilização de equipamentos eletromédicos de última geração em detrimento do conforto do paciente ali internado, muitas vezes negligenciando ventilação e iluminação naturais (que são extremamente importantes para a recuperação) e permitindo uma "desconstrução" da personalidade do doente, tornando-o um mero dado estatístico do atendimento da unidade.

11
O Hospital terapêutico surge na esteira da revisão da arquitetura hospitalar no século XVIII que causou uma cisão entre o desenvolvimento de novas tipologias para os hospitais. O surgimento do sistema pavilhonar será o principal campo de testes para aprimorar o espaço terapêutico mais positivo para os tratamentos a serem usados na recuperação dos pacientes internados. Com a valorização da tipologia monobloco vertical no começo do século XX nos Estados Unidos, o hospital pavilhonar caiu em rápido desuso, retornando apenas nos anos 1970 em alguns pontos esparsos na Europa e nos EUA. No Brasil, destacamos o trabalho de Lelé na produção de hospitais que seguem os preceitos da aproximação do paisagismo, iluminação e ventilação naturais nos leitos da rede Sarah Kubitschek.

12
Como a construção do edifício data de meados da década de 1980, as plantas de estrutura da intervenção encontram-se ainda em posse do Grupo Técnico de Edificações da Secretaria de Estado da Saúde e foram verificadas para que pudéssemos tirar proveito de todas as alvenarias de vedação que permitissem aumentar os vãos entre os pilares estruturais.

13
O edifício em questão já foi avaliado pelo órgão de proteção ao patrimônio histórico estadual (CONDEPHAAT) e recebeu liberação para a sua já que com a reforma ocorrida na década de 1980 a referida construção foi descaracterizada e sofreu uma "torção" estrutural por sobrepeso de uma laje executada sem levar em conta o reforço em sua fundação.

14
ULRICH, Roger. Evidence based environmental design for improving medical outcomes. Proceedings of the conference, Healing By Design: Building for Health Care in the 21st Century. Montreal, McGill University Health Centre, 2000: 3.1-3.10.

15
ANTUNES, José. Por uma Geografia Hospitalar. Tempo Social I, Revista Sociol. USP. São Paulo, 1989.

16
CLEMESHA, M. R. A nova imagem do hospital: subsídios e diretrizes para o projeto arquitetônico. Dissertação de Mestrado, FAU-USP, 2003.

17
DO REGO, Daniel. A arquitectura como instrumento medicinal: o papel terapêutico dos espaços da saúde na sua missão de curar e cuidar. Dissertação de mestrado. Técnico de Lisboa, 2012.

18
MIQUELIN, Lauro. Anatomia dos edifícios hospitalares. São Paulo, CEDAS, 1992.

19
TOLEDO, Luiz. Do hospital terapêutico ao hospital tecnológico: encontros e desencontros na arquitetura hospitalar. In: SANTOS, Mauro; BURSZTYN, Ivani. Saúde e arquitetura: caminhos para a humanização dos ambientes hospitalares. Rio de Janeiro, Editora Senac Rio, 2004 e TOLEDO, Luiz. Feitos para curar. Arquitetura hospitalar e processo projetual no Brasil. Rio de Janeiro, ABDEH, 2006.

20
Conjunto de hospitais da rede Sarah Kubitschek de reabilitação física.

21
Centro Maggie's Centre no Hospital oncológico de Dundee - Escócia.

22
Entrevista sobre a produção de edifícios hospitalares do arquiteto realizada em setembro/2013.

23
Reforma do Hospital de San Jerònimo em Sevilha.

24
Residências de Idosos em Alcácer do Sal em Portugal.

25
Hospital Psicogeriátrico de Palma de Maiorca.

sobre o autor

Pier Paolo Bertuzzi Pizzolatto é  doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade Paulista e na Universidade Bandeirante de São Paulo.

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A presença da ausência do "Jardim dos passos perdidos"

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Manuella Marianna Andrade

193.03 projeto

Auto Posto Clube dos 500

excepcionalidade de uma linguagem Niemeyeriana no pré-Brasília

Rolando Piccolo Figueiredo

193.04 urbanismo

A cidade dos centros excêntricos

Lineu Castello

193.05 cultura

"A origem do mundo" e o “Foda-se o conceito"

A história viva nas (i)maculadas paredes de Jorge Moreira

Luiz Felipe da Cunha e Silva

193.06 urbanismo

Ecorregiões e gestão do planejamento urbano-regional

Desafios da aplicação da técnica de ponderação na região metropolitana de Medellín

Eunice Abascal and Carlos Abascal Bilbao

193.08 patrimônio

Se o nosso Land Rover falasse

Os primeiros automóveis que trabalharam na preservação do patrimônio em São Paulo

Mauro Bondi

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