Talvez a obra de arte mais censurada da história seja L’Origine du Monde ("A origem do mundo"). Foi pintada em 1866 pelo realista Gustave Courbet, a pedido do diplomata turco otomano Khalil-Bey, colecionador de imagens eróticas.
A obra tem uma história tumultuada e dramática. Foi inicialmente comprada por um antiquário. Este a escondeu por trás de um outro quadro de Courbet. No início do século 20, pertenceu a Émile Vial, um cientista e colecionador de arte japonesa. Foi adquirida em 1913 por um aristocrata e colecionador húngaro, o barão Hatvany, que levou-a para Budapeste. A pintura foi expropriada pelo Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, mas posteriormente recuperada. Seu último proprietário foi o psicanalista francês Jacques Lacan, que a ocultou sob uma pintura de madeira do seu cunhado André Masson. Em 1994 a família doou a obra para o Estado francês. Em um indiscutível marco de avanço civilizacional, a obra foi exposta publicamente pela primeira vez em 1995 no Musée d'Orsay onde ainda se encontra (1).
Em junho de 2014 a artista luxemburguesa Deborah de Robertis ganhou fama mundial ao realizar uma controversa performance perante a obra. Ela sentou-se no chão em frente ao quadro e, voltada para o público que o observava, abriu as pernas, levantou o vestido e exibiu ostensivamente sua vagina. A performance pode ser encontrada no YouTube (2). É realmente engraçado assistir aos desesperados esforços dos seguranças do museu, para ocultar a escancarada e peluda vagina da artista, que sorri simpaticamente para uma platéia que a aplaude efusivamente.
Em setembro de 2012, em uma palestra exibida ao vivo no site da Academia Brasileira de Letras, o professor Jorge Coli da Unicamp discutia o sexo e a pornografia no contexto do atual avanço do moralismo e do conservadorismo. As transmissões foram cortadas quando foi exibido o quadro de Courbet (3). Em 2009, na lusitana cidade de Braga, “a “idolátrica” e “episcopal”, como lhe chamou um dia Luís Pacheco, a PSP encheu-se de brios, irrompeu feira do livro adentro e confiscou vários exemplares” de um livro que continha estampada na capa uma imagem do L’Origine du Monde (4).
Para não me alongar, ainda em 2012 o artista dinamarquês Frode Steinicke postou L’Origine du Monde em seu perfil do Facebook. O “post” foi censurado e o seu perfil eliminado. Segundo o Facebook, tal atualização do perfil foi censurada devido ao violamento (sic) de regras internas, que de forma explicita caracterizam qualquer nudez como indevida. O fato causou forte repercussão mundial e o perfil foi reaberto, mas sem o quadro de Courbet (5). Imediatamente, deu-se a propagação viral por todo o planeta de diversos “memes” do quadro, onde a vagina era encoberta por outras imagens, de modo a burlar o sistema de classificação de imagens desta rede social. Em um dos mais notáveis e difundidos a vagina era encoberta por uma fotografia onde o proprietário do Facebook aparece sorridente.
No decorrer deste primeiro semestre de 2015 surgiram nas paredes das escadarias da FAU da UFRJ, pela primeira vez em sua história, uma significativa quantidade de pixações (6). Trata-se de um dos espaços de mais intensa circulação pública do edifício. Este edifício, que leva o nome do autor de seu projeto, um dos mais respeitados modernistas brasileiros, o arquiteto Jorge Machado Moreira, é um dos ícones da arquitetura moderna brasileira. Embora esteja em estado de franca decadência por falta da mínima manutenção, emana a aura (7) das obras primas, comove e é amado por todos, embora também criticado por muitos, por seu sistema de distribuição de circulações e compartimentos não favorecer a vida social.
Não é de espantar, portanto, que o fato tenha causado grande celeuma – quando não perplexidade e consternação – e tido enorme repercussão. No Faubonacci, grupo fechado do Facebook com aproximadamente três mil membros, intensamente freqüentado pela comunidade da FAU, um “post” com uma foto das pixações suscitou até o momento quase trezentos comentários, o que o coloca como um dos mais comentados da história do grupo.
Em um clima que oscila da franca e deselegante hostilidade à mais séria, profunda e mesmo fundamentada discussão, vários temas se sucedem. Alguns dos mais interessantes são: tratam-se os pixos de obras de arte?; o que é a arte?; é lícito que uma obra de arte interfira e se sobreponha a outra pré-existente?; é autoritária a imposição de uma obra de arte ao espaço público? – e considerando que muitos sequer a consideram arte, pelo contrario, a vêem como vandalismo; sendo ou não arte, é vandalismo?
Nenhuma destas questões move este artigo e não haveria razão alguma para cotejar estes temas com a história do quadro de Courbet. Mas a principal delas parece já resolvida: se o que a obra de arte faz, como diz Martim Heidegger em “A origem da obra de arte” (8) é desocultar a verdade de um ente, revelando o seu ser e abrindo um mundo que inquieta o observador, levando-o ao conhecimento e produzindo história (9), então as pixações são obra de arte. São indiscutíveis a inquietação e as discussões que provocaram. Corações e mentes foram mobilizados pelo pixo nesta escola. Na história da FAU elas são um marco. Pela primeira vez as imaculadas (nem tanto...) paredes de Jorge Moreira conheceram a cidade real. A arte marginal urbana, com todo o seu agressivo questionamento, trouxe para as suas puras superfícies a poesia concreta da cidade viva, feita por seus habitantes anônimos na calada da noite.
Sobre o pixo, a arte urbana e sua poética, sobre a poética do vandalismo e sobre celacanto provoca maremoto e lerfamu humildemente remeto a discussão à brilhante e genial palestra de nosso inquieto poeta Leminski, que pode ser achada no YouTube (10). Sobre o “Pixo”, em particular, há o excelente e tenso documentário de João Wainer e Roberto T. Oliveira, “Pixo”, que também pode ser localizado no YouTube (11).
Uma das primeiras e mais destacadas, dentre as pixações na escadaria da FAU, continha os seguintes dizeres: “foda-se o conceito!” É desenhada com jato de tinta (Color Jet) com boa letra de arquiteto e chamou-me imediata e fortemente a atenção. Não era pouco o que estava sendo dito e colocado em discussão por estes dizeres. Na verdade, eles se confrontam com o mais essencial na arquitetura erudita; com o seu próprio ser.
É necessário contextualizar: há um texto de Bernard Tschumi, amplamente difundido entre a comunidade da FAU (12) Trata-se do “Conceito, contexto e conteúdo”, publicado na seção Analisis da revista Arquine no numero de inverno de 2005. A partir deste texto, a palavra “conceito” adquiriu forte significado nesta comunidade. Durante bastante tempo – e em muitos casos até hoje – eram exigidas pranchas conceituais nas disciplinas integradas de atelier. Nelas, o estudante deveria, através de croquis, texto e outro recursos, explicitar o conceito de sua proposição. Muitas vezes, o problema do conceito foi vivamente discutido nas bancas e a construção de um conceito sólido e bem fundamentado foi objeto de rigorosas avaliações.
Neste texto, em seu primeiro Parágrafo, Tschumi diz o seguinte:
“Não há arquitetura sem conceito – uma idéia geral, um diagrama, ou um esquema que dá coerência e identidade a um edifício. O conceito, não a forma, é o que distingue a arquitetura da mera construção” (13).
A forma não seria, segundo ele, mais do que a expressão do conceito.
Ao longo da história da arquitetura, alguns arquitetos – singulares por sua produção teórica – produziram paradigmas, buscando definir o caráter mais essencial de nossa arte. Estes paradigmas são muitas vezes apresentados sob a forma de tríades. São muito conhecidos os de Vitruvius (venustas, firmitas, utilitas) (14), Alberti (necessitas, commoditas, delectatio) (17), Le Corbusier (planta, volume, superfície) (16). O esforço de Tschumi em produzir o seu (conceito, contexto, conteúdo) causou sobre esta geração de professores e estudantes significativo impacto.
Não creio que possa restar qualquer dúvida que a discussão proposta pelos dizeres “foda-se o conceito” era realmente devastadora. Era, por assim dizer, foda. Uma discussão fodástica, poderiam dizer alguns alunos de poucos anos atrás.
Para que se compreenda melhor a extensão do abalo que pode ser causado por esta discussão, deve-se perceber que, no paradigma de Tschumi, ficaria o arquiteto ao favor exclusivamente do conteúdo – o programa de necessidades (o mero uso) – e do contexto (o lugar em toda a complexidade deste conceito, que inclui a cultura que constitui o usuário e, por este meio, este mesmo como o indivíduo que encomenda: o cliente). Sem o conceito “que dá coerência e identidade ao edifício” ficamos também sem a identidade e a coerência do autor: o arquiteto.
Pois é justamente esta a discussão proposta pelo “foda-se o conceito” (perceba isso ou não o autor): uma arquitetura desprovida da identidade do arquiteto. Em palavras mais claras, significa um retorno ao vernacular. A construção não erudita fundada no saber popular que se transmite através das gerações no seio de uma cultura.
Não pode haver qualquer dúvida que com o lugar e com o programa a construção vernacular vem lidando com competência e muitas vezes com grande poesia ao longo dos séculos. É indiscutível que a construção vernacular das favelas cariocas molda-se aos morros do Rio de Janeiro com grande engenhosidade, utilizando-se dos mais escassos e provisórios recursos. É igualmente indiscutível que há nelas grande poesia. São o foco de pintores, cineastas, fotógrafos, músicos. Para elas, dirige-se a atenção estética de turistas e de todos que vem a esta cidade para tomar contato com sua poesia e sua arte.
O mesmo não se pode dizer da arquitetura erudita. É absolutamente monstruosa a maior parte dos espaços urbanos do Rio de Janeiro. Do ponto de vista estético – bem o sabem os cariocas – o que faz desta uma cidade maravilhosa é sua geografia, não sua arquitetura, embora hajam honrosas exceções.
Certamente, grande parte desta monstruosidade decorre das legislações urbanística e edilícia e da história dos confrontos e articulações políticas que as instituíram. Outro tanto vem indiscutivelmente das pressões econômicas que marcaram esta história. Quando um edifício é mercadoria e objeto de especulação comercial; quando o projeto visa maximizar o lucro frente ao bem estar estético produzido pela obra é realmente muito difícil que dele emane a aura que caracteriza as obras de arte.
Mas em todo este contexto participaram os arquitetos e mesmo nas obras em que puderam atuar de modo mais autônomo são desastrosas as conseqüências que estas produzem sobre a estética urbana e sobre o bem estar nos espaços da cidade. Salvo exceções, são realmente grotescos alguns dos edifícios e obras urbanísticas mais significativos construídos no Rio de Janeiro nas últimas décadas.
O “foda-se o conceito” impõe-nos, portanto, não só uma discussão que toca ao coração dos paradigmas de nossa arte, como uma outra e muito séria e grave discussão: o conceito, tal como o pensamos e como a partir dele ensinamos a arquitetura, parece falir. O pixo nas escadarias da FAU berra em nossa face, como “O grito” de Munch, que tal educação não responde poeticamente à cidade na qual vivemos. Pior, que a arquitetura e o urbanismo eruditos tem sido a materialização espacial do mal-estar. Que eles atrapalham, agridem, conspurcam e virtualmente vandalizam nossas paisagens e as perspectivas e ambiências urbanas nas quais vivemos.
O conflituoso ambiente da vida urbana parece ter sido levado para as imaculadas paredes de Jorge Moreira porque, entre as paredes desta escola até agora, salvo notáveis exceções, estes conflitos tem sido tratados como abstrações eruditas, quando não simplesmente ignorados. A marginal arte urbana impressa pelo pixo nas paredes da FAU nos proveu do necessário contato com a cidade na concretude de sua dura realidade. Ou na poesia concreta das superfícies de suas esquinas, como poderia dizer Caetano.
O que eu vejo nas paredes das escadarias da FAU hoje é que esta escola está tensa, insatisfeita, borbulhante de inquietação. Está havendo uma mudança geracional. São muito diferentes os estudantes de hoje. Eles tem outra origem. Vem de distintas partes desta cidade. Partes que antes não levavam seus filhos a uma universidade. Partes mais duras, mais diretas, demandantes de sonhos mais reais e realidades mais concretas. Partes mais próximas do vernáculo de nossa cultura urbana. O pixo é isso: uma forma vernacular de expressão poética, a poesia do protesto e da insatisfação. Ele não se pretende belo, segue regras estéticas que não são objeto da tradição acadêmica, mas expressa a beleza das coisas vivas, gestadas na marginal ebulição que produz a história de um povo histórico, como poderia dizer Heidegger (17).
Diante desse quadro, não é de espantar que uma das discussões que emergiram no “post” do Faubonacci tenha girado em torno da questão da remoção das pixações. Opiniões apaixonadas foram expressas sob os mais diversos argumentos. Os anônimos autores da obra foram objeto de severas criticas, dentre outros motivos por resultar a remoção em trabalho extraordinário e difícil para os terceirizados funcionários da limpeza, já tão sacrificados pelas abjetas condições que caracterizam tal forma de relação trabalhista.
De fato, logo surgiram nos comentários fotografias de um funcionário da limpeza trabalhando na remoção de um pixo. Tratava-se justamente daquele que trazia os dizeres “foda-se o conceito”. No dia subseqüente, devo ir à FAU. Subo aflito as escadarias para observar o que havia resultado do trabalho de remoção. Para meu espanto e surpresa, a remoção havia-se limitado à palavra “foda”. Permanecia “-se o conceito”, além de todos os outros pixos que cercavam estes dizeres em uma parede densamente pixada.
Explodiu resplandecente, diante de meus olhos interiores, a crua vagina de Courbet! Havíamos, na FAU, finalmente chegado à origem do mundo! E ela era insuportável! A “foda” precisava ser, e de fato foi, apagada, removida, excluída da percepção!
Engana-se no entanto o leitor que neste momento imagina que o aspecto moral – ou moralista – da questão é a razão de meu espanto. Em “O mal-estar na cultura” (18) Freud já havia explicado em suas geniais linhas o quanto esta deve à repressão e à sublimação da sexualidade (19). A palavra “foda” e a vagina estão naquele âmbito dos signos tão bem descrito por Foucaut nos três tomos (outra tríade) de sua “História da sexualidade”, em particular no terceiro “O cuidado de si” (20), publicado em 1984. Basta que lembremos a repugnância com a qual Sto. Agostinho aceita o fato de que “Inter faeces et urinam nascimur” (21) (nascemos entre fezes e urina), para entendermos o repúdio de nossa cultura à sexualidade em sua manifestação mais concreta: o corpo que goza o prazer.
Esse caráter doentio de nossa cultura, que relega ao âmbito do abjeto, do repugnante e mesmo do desprezível e moralmente inaceitável aquilo que é a manifestação mais concreta do que a poesia designou como amor e a religião chamou de o milagre da reprodução da vida é do conhecimento geral. Não é por acaso que o quadro de Courbet intitula-se “A origem do mundo” e que até hoje cause as reações que descrevi. A sexualidade só é suportada em nossa civilização quando expressa através do sublimador véu da metafísica.
O que espantou-me é que a situação fez emergir também a denegação do aspecto mais propriamente arquitetônico da questão, oculto à primeira vista pela questão moral. A foda, a vagina, o corpo nu exposto dizem respeito à arquitetura diretamente através de princípios de suas tríades paradigmáticas mais fundadoras: a venustas vitruviana (Venus/Afrodite) e o delectátio albertiano. O prazer estético está, desde sempre, na arquitetura e em suas teorias, associado ao prazer erótico. É por meio da eroticidade, enquanto coisa concreta, que explica-se, ao nível abstrato, o metafísico sentimento humano diante da beleza arquitetônica. Em seu “A regra e o modelo” (22) Françoise Choay esclarece de modo brilhante que a beleza, “numa acepção mais sexualizada” corresponde, “ao ‘desejo’ (cupiditas) que leva realmente ao ‘prazer’ (voluptas) que, tal como o belo corpo, o edifício belo proporciona ao espectador” (23). “O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro (...) no corpo da mulher preferida” (24) dizia Oscar Niemeyer. Em “O prazer na arquitetura” (25), Tschumi traça uma muito interessante metáfora entre as regras da composição arquitetônica e as adotadas pelo Marquês de Sade em suas práticas eróticas (26).
Não pode haver qualquer dúvida de que é na “Origem do mundo” de Courbet e na “foda” do artista anônimo do pixo da parede da FAU, como na sexualidade em geral, que se constituiu a idéia metafísica – os ideais –, de que a beleza é um dos fundamentos da arquitetura. O prazer proporcionado pela beleza é um prazer erótico e é no erotismo que encontramos o modelo mais original de beleza.
Mas onde encontramos a beleza, quando a buscamos na tríade de Tschumi? Certamente, por mais que seja belo o contexto, não é nele que o princípio da beleza do edifício está contido. O edifício pode compor a beleza do contexto, mas este não compõe a beleza do edifício. Tampouco é no conteúdo, por mais que o programa seja o de um museu ou galeria de artes. Os conteúdos – ou os usos – mudam com o tempo, mas os belos edifícios assim permanecem. Palas Atenas nem é mais uma deusa cultuada e, apesar de em ruínas, a beleza do Partenon resplandece. Não podem haver dúvidas: é no conceito!
Relembro a definição de Tschumi: o conceito é “uma idéia geral, um diagrama, ou um esquema que dá coerência e identidade a um edifício”. A identidade é aquilo que revela o que uma coisa é. Retomo Heidegger: O que a obra de arte faz é revelar a essência de um ente, aquilo que ele é: o seu ser. Isso, segundo ele, é aleteia (27): a verdade. A beleza, ainda segundo ele, é um modo de ser da verdade (28). Não podem haver dúvidas: se o conceito é aquilo que dá identidade ao edifício; e se a beleza é um modo de ser da verdade que emana desta identidade, então novas leituras se abrem para os dizeres do pixo “foda-se o conceito”.
Sendo a foda uma manifestatação concreta da idéia abstrata de beleza, poder-se-ia ler, por exemplo, “embeleze-se o conceito”. No âmbito teorético de Tschumi, poder-se-ia dizer simplesmente “conceitue-se o conceito” ou mesmo “embeleze-se a beleza”.
Por outro lado, pelos processos de deslizamento que caracterizam a infusão dos valores morais das culturas nas relações de significação da linguagem, também outras leituras podem ser realizadas. Nestes processos de inversão o mais belo e sublime sempre também é o mais feio e perverso. Neste âmbito, o “foda-se” pode ser lido como “dane-se”, “despreze-se”, “desconsidere-se” etc. O “foda-se” apenas dá um tom mais radical e ignóbil à negação do conceito e de sua nobreza e, através dele, da identidade e, por esta, da beleza. O foda-se só aproxima um pouco mais tudo isso das fezes e da urina. Mas, neste caso, de uma concepção muito particular de beleza: aquela determinada pelo saber fundado no conceito abstrato, isto é, a beleza acadêmica.
Em ambas as linhas de leitura há um questionamento da academia. Tanto a exigência de conceituar o conceito, quanto a de negá-lo levam, junto com as maculadas paredes de Jorge Moreira, a academia de arquitetura ao limite do entendimento de seu momento histórico.
Cabe perscrutar o futuro da academia no pixo das escadarias da FAU, ou esperar que nele a história explique o momento em que vivemos. Apenas uma coisa parece ser certa, quando vemos o templo profanado pela revolta das ruas: mais uma vez em nossa história assistimos a morte dos velhos deuses.
Que morram em paz, para que os novos possam ocupar o seu lugar!
notas
NA – Agradeço à minha aluna Paula Gonçalves por haver, corajosa e pacientemente, me conduzido ao entendimento.
1
Informação disponível no portal Wikipedia, sob <https://fr.wikipedia.org/wiki/L%27Origine_du_monde>.
2
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Z0Gt_31vUmY>.
3
Ver na seção Cultura de O Globo de 14/9/12 disponível em <http://oglobo.globo.com/cultura/abl-censura-transmissao-de-palestra-do-ciclo-mutacoes-sobre-sexo-6102247>.
4
Ver o blog “Palhaça Cívica” de 1/3/2009, disponível em <http://palhacacivica.blogspot.com.br/2009/03/courbet-e-origem-do-mundo-censura.html>.
5
Ver o site do Museu de Arte Moderna da Bahia na seção notícias. <http://mambahia.com/facebook-censura-a-origem-do-mundo-de-courbet/>.
6
A grafia correta em português é pichação. Adotei a grafia utilizada pelas comunidades que praticam esta forma de arte.
7
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, trad. Maria Luz Moita In: Sobre arte, técnica, linguagem e política. Lisboa, Ed. Relógio D’Água, 1992, pgs. 93-114.
8
HEIDEGGER, Martin. El Origen de la Obra de Arte, In: Arte y Poesia: trad. y pról. de Samuel Ramos, 2ª ed. México, FCE, 1973.
9
“A arte como por-em-obra-a-verdade é Poesia. Não somente é poética a criação da obra como também o é, a sua maneira, a contemplação da obra; pois uma obra só é real como obra quando nos arranca da habitualidade e nos insere no aberto pela obra, para fazer morada nossa essência mesma na verdade do ente”.
Ibidem, p. 114.
10
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=tXZ8QCa-lsg>.
11
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=skGyFowTzew>.
12
TSCHUMI, Bernard. Concepto, Contexto, Contenido. Arquine, Revista Internacional de Arquitectura y Diseño, Bercelona, 2005, n. 34. p. 78-89. <http://nova.fau.ufrj.br/material_didatico/FAW240-Txt2.pdf>.
13
Idem.
14
PÓLIO, Marcos Vitrúvius. De Achitectura. Livro I, Cap. III seção 3. Também Livro VI, Cap. VII seção 7.
15
ALBERTI, Leon Batista. De Re Aedificatoria Apud: CHOAY, Françoise, A Regra e o Modelo. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1985, p. 78.
16
LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. São Paulo, Ed. Perspectiva 6ª edição, 2000, todo o primeiro capítulo.
17
HEIDEGGER, M. El Origen de la Obra de Arte, In RAMOS, Samuel. Arte y Poesia: trad. y pról. 2ª ed. México, FCE, 1973. p, 117 e 118.
18
FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização In Obras Completas vol. 18. São Paulo, Companhia das Letras, 2010.
19
Ibidem, pgs. 35 e 60.
20
FOUCAULT, MICHEL. História da sexualidade. 3: o cuidado de si, tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1985.
21
Tal locução Latina é normalmente atribuída a Agostinho de Hipona (354-430), mas, segundo Martha Nussbaum deriva de uma homilia de Bernardo di Chiaravalle. In: Desgosto e humanidade – Roma: Il Saggiatore, 2011.
22
CHOAY, Françoise, A Regra e o Modelo. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1985.
23
Ibidem, pgs. 103 e 104.
24
<http://www.avidaeumsopro.com.br/pt/niemeyer_depoimentos.php>
25
The Pleasure of Architecture foi publicado originalmente em Architectural Design 47, n. 3, 1977, pp. 214-218. Aqui está citado a partir da tradução em português constante em: NESBIT, Kate (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965 – 1995). São Paulo, Cosac Naify, 2006, pp. 573 - 584.
26
“O jogo da arquitetura é igualmente intrincado, com regras que podem ser aceitas ou rejeitadas. (...), essa trama onipresente de leis articuladas constrange o projeto arquitetônico. (...), essas regras (...), quando bem manejadas, tem a significação erótica do cativeiro” (pg. 579).
27
TSCHUMI, Bernard. Concepto, Contexto, Contenido. Arquine, Revista Internacional de Arquitectura y Diseño, Bercelona, 2005, n. 34. p. 63. <http://nova.fau.ufrj.br/material_didatico/FAW240-Txt2.pdf>
28
Assim se ilumina o ser que se auto-oculta. A luz deste tipo põe seu brilho na obra. Este brilho posto na obra é o belo. A beleza é um modo de ser da verdade” Idem, pg. 90.
sobre o autor
Luiz Felipe da Cunha e Silva é arquiteto pela Universidade Sta. Úrsula, mestre em saúde pública pela ENSP-Fiocruz e doutor em psicologia pela PUC Rio, doutor em Urbanismo pela FAU UFRJ. Professor Adjunto DPA / FAU / UFRJ.