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research

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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Esta pesquisa demonstra a aplicação da NBR 15.575-1:2013 no projeto de iluminação natural para a Torre 4 da PPP Júlio Prestes, ilustrando sua relevância para o entendimento das incertezas que fazem parte das simulações computacionais.

english
This research demonstrates the application of NBR 15.575-1: 2013 in the natural lighting project for Tower 4 of PPP Júlio Prestes, illustrating its relevance for understanding the uncertainties that are part of computer simulations.

español
Esta investigación demuestra la aplicación de NBR 15.575-1: 2013 en el proyecto de iluminación natural para la Torre 4 de PPP Júlio Prestes, ilustrando su relevancia para comprender las incertidumbres que forman parte de las simulaciones por computadora.


how to quote

FIGUEIREDO, Erika Ciconelli de; PISANI, Maria Augusta Justi; BISELLI, Mario. Aplicação dos métodos de avaliação indicados na NBR 15575-1:2013. Demonstração de conformidade em relação ao desempenho da iluminação natural da PPP Júlio Prestes. Arquitextos, São Paulo, ano 20, n. 236.04, Vitruvius, jan. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/20.236/7617>.

Complexo Habitacional Júlio Prestes, São Paulo SP Brasil, 2016. Arquitetos Mário Biselli e Artur Katchborian/ Biselli Katchborian Arquitetos Associados
Imagem divulgação [Biselli Katchborian Arquitetos Associados]

A sustentabilidade das construções está diretamente relacionada ao consumo energético de todas as etapas do ciclo de vida das edificações, que são: o projeto, a construção, o uso e a manutenção e a demolição. Esta pesquisa investiga a fase de projeto e uso dos edifícios habitacionais sociais, onde são consumidas as maiores quantidades de energia de todo o ciclo de vida, devido ao tempo de duração do imóvel. Destaca-se que, qualquer parcela de economia de energia que se obtenha representa ganhos significativos de recursos para a população de baixa renda.

Até meados do século 20 acreditava-se que a matriz energética brasileira era inesgotável pelo fato de ser predominantemente hídrica, porém as mudanças climáticas e os efeitos da ocupação antropogênica intensiva do nosso território desencadearam a atual crise de energia, que só não é mais impactante devido à crise econômica que o país atravessa.

O consumo de energia tem apresentado um aumento progressivo em todos os setores ao longo dos anos. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética – EPE (1), dos setores residencial, comercial e industrial, o setor residencial brasileiro registrou o maior aumento no consumo de energia.

A EPE explica que

“Parte do crescimento observado no setor residencial ao longo do tempo se deve à inclusão de consumidores de baixa renda no âmbito do Programa Luz para Todos (LpT). O Programa, ao longo de seus 10 anos de existência, acumulou mais de 3 milhões de ligações, representando 5% do total de consumidores residenciais do País, e totalizando cerca de 15 milhões de pessoas beneficiadas pelo acesso à energia elétrica” (2).

Gráfico do consumo de energia no setor residencial brasileiro
Imagem divulgação [EPE, Anuário Estatístico de Energia Elétrica, ano base 2016]


A Empresa de Pesquisa Energética indica que o maior aumento no consumo de energia ocorreu nas famílias de baixa renda, de 0 a 30kWh, pois registrou-se um aumento de 85,7% de 2012 para 2013. Em 2016 houve expansão do consumo do setor residencial em 1,3% em relação à 2015 (3).

Segundo a Companhia Piratininga de Força e Luz – CPFL (4), o consumo residencial com iluminação artificial varia de 15% a 25%. Parte dos consumidores de baixa renda residem em habitações de interesse social, o que aponta a necessidade do desenvolvimento de projetos que contemplem o uso de recursos naturais, como a iluminação natural, na tentativa de reduzir ou estabilizar o consumo.

Como a arquitetura tem impacto direto no aquecimento global, os projetos que não são adequados ao clima, e não contemplam o uso de recursos naturais, demandam do emprego contínuo de estratégias ativas (ar-condicionado e iluminação artificial).

Devido à necessidade de demonstrar conformidade em relação à Norma de Desempenho NBR 15.575:1, muitos escritórios de arquitetura têm utilizado recursos de simulação computacional para desenvolver estratégias de projeto e comprovar o desempenho dos edifícios habitacionais, como foi o caso do conjunto habitacional da Parceria Público-Privada – PPP Júlio Prestes.

O projeto de arquitetura da PPP Júlio Prestes foi desenvolvido pelo escritório Biselli Katchborian Arquitetos Associados, contratado após um concurso fechado organizado pela construtora mineira Canopus, que venceu a concorrência por um dos lotes da PPP da Habitação, uma iniciativa do Governo do Estado de São Paulo (5).

A área central da cidade de São Paulo apresenta significativos desafios a qualquer tipo de intervenção. O projeto desenvolvido para a região da Praça Júlio Prestes foi feito no contexto da vigência do novo Plano Diretor e serviu-se das recomendações urbanísticas por ele propostas. Desde as primeiras decisões do partido arquitetônico, o projeto articula-se por uma estratégia urbanística e considera o contexto histórico como referência inequívoca.

Desse modo, dois principais aspectos emergem como definidores da forma arquitetônica e da morfologia urbana proposta, em função da escala do projeto:

1. Consideração dos espaços públicos como prioridade, estabelecendo também os espaços semipúblicos e espaços privados com segurança e privacidade, e propor permeabilidade urbana no térreo, de forma que estes edifícios possam ser permeados pelos pedestres;

2. Observação dos eixos urbanos e das faixas visuais para monumentos, edifícios históricos e de reconhecido valor arquitetônico, como por exemplo a Igreja do Largo Coração de Jesus e a Estação Júlio Prestes, e composição do conjunto arquitetônico de cada quadra urbana, trabalhando com as empenas cegas dos edifícios existentes.

Complexo Habitacional Júlio Prestes, croqui inicial do projeto, São Paulo SP Brasil, 2016. Arquitetos Mário Biselli e Artur Katchborian/ Biselli Katchborian Arquitetos Associados
Imagem divulgação [Acervo Biselli Katchborian Arquitetos Associados]

Os croquis iniciais das quatro torres voltadas para a alameda Barão de Piracicaba, vizinha ao quartel dos bombeiros, já indicavam a intenção inicial do arquiteto de projetar átrios para resolver as questões da iluminação natural. Os demais edifícios, que possuem forma em “H” e “L”, tiveram outras condicionantes, além da iluminação natural, na definição do partido de cada torre. O projeto envolve outros equipamentos culturais, como uma Escola de Música de fronte à antiga estação de trens, que hoje abriga a Sala São Paulo, sendo que a maior parte do território é destinado ao âmbito residencial, resolvido em torres de escalas diversas segundo a condição de cada quadra.

A demanda por unidades habitacionais e as dimensões do território em questão conduziram à concepção do projeto como uma pequena cidade. Todo o complexo arquitetônico se desenvolve principalmente ao longo de um eixo verde, desenhado como uma praça de dimensões proporcionais à escala do complexo. Como este eixo é a extensão natural da rua Santa Ifigênia, esta praça é dotada de espaços comerciais com fachadas ativas.

As torres residenciais, por diversos motivos, desenvolveram-se em dois tipos de configuração: lineares em barras paralelas ou torres de planta quadrada com vazio central. Estas configurações foram motivadas em parte pelo projeto de iluminação natural e em parte determinadas pela legislação de combate a incêndios.

Complexo Habitacional Júlio Prestes, São Paulo SP Brasil, 2016. Arquitetos Mário Biselli e Artur Katchborian/ Biselli Katchborian Arquitetos Associados
Imagem divulgação [Acervo Biselli Katchborian Arquitetos Associados]

Cada uma das torres de 1 a 4 possuem quatro blocos, sendo que seus respectivos átrios foram pintados de cores distintas. A Torre 4 foi escolhida para o estudo, pois seu átrio foi pintado na cor marrom, a mais escura em relação às demais torres. As simulações computacionais iniciais constataram que as distâncias entre os blocos solicitadas inicialmente pela construtora eram insuficientes.

O objetivo desta pesquisa é demonstrar a aplicação da NBR 15.575-1 no processo projetual de iluminação natural para a Torre 4 da PPP Júlio Prestes, utilizando simulações computacionais durante a fase de projeto e medição in loco após a sua finalização.

Fundamentação

A importância da luz natural vai além das questões de economia de energia ou reprodução de cores, quando comparada à iluminação artificial. A exposição à luz natural por longos períodos proporciona sensação de bem-estar e aumento da produtividade, e está ligada à variação na produção de hormônios.

Esta variação pode ser observada no ritmo circadiano, isto é, no ciclo do dia e da noite (claro e escuro), que mantém e regulam muitos aspectos da fisiologia, do metabolismo e do comportamento. Como este ritmo dura aproximadamente 24h, são necessários estímulos externos para regulá-lo, sendo que a luz natural é a principal deles (6).

A sensação de bem-estar e o aumento da produtividade está relacionada ao equilíbrio do ritmo circadiano, isto é, à quantidade dos hormônios reativos à luz presentes no organismo: o cortisol e a melatonina. Estes hormônios, que funcionam de modo complementar, são secretados de acordo com a quantidade de luz recebida pelos olhos. O centro da cronobiologia dos mamíferos é o núcleo supraquiasmático – NSQ do hipotálamo, onde recebe as conexões dos fotorreceptores presentes na retina, informando o sistema sobre a existência da luz. A exposição à luz intensa no fim da tarde ou luz intensa no início da manhã pode trazer alterações ao ritmo circadiano. Transtornos do sono, como insônia ou sonolência excessiva, por exemplo, se manifestam por desalinhamento entre o período do sono e o ambiente físico e social de 24h (7).

A melatonina, também conhecida como hormônio do sono, tem o início da sua produção por volta das 20h, sendo o seu pico em torno da meia-noite, em indivíduos com ritmo circadiano regular. A redução da produção da melatonina coincide com o aumento da produção do cortisol, conhecido também como hormônio do stress. A supressão aguda na produção da melatonina é resultado da exposição à luz natural (intensidade e composição espectral).

De acordo com a psicologia, o transtorno afetivo sazonal – SAD é, provavelmente, o melhor exemplo de como o comportamento e o humor são afetados pela luz. A principal hipótese para a causa deste distúrbio é o padrão de secreção anormal de melatonina. Os efeitos visuais da luz são comumente relacionados ao desempenho visual, no entanto são os seus efeitos não visuais e psicobiológicos que envolvem saúde e bem-estar (8).

De acordo com pesquisas com quase duzentos projetistas, entre eles arquitetos e engenheiros, a simulação de iluminação natural é a ferramenta mais importante durante o desenvolvimento do projeto (9). Isso porque a distribuição da luz natural no interior dos edifícios é resultante da forma da edificação, das dimensões das aberturas, do pé-direito e da transmissão luminosa dos vidros (10).

As normas de iluminação, de um modo geral, indicam a quantidade de luz necessária para atividades específicas, mas nunca diferenciam os tipos de luz: se natural ou artificial. Um ponto positivo da NBR 15.575-1 é a orientação da quantidade de luz natural e artificial para edifícios habitacionais, pois a maior parte das normas visam apenas as áreas de trabalho, em relação à iluminação artificial. Embora a iluminância mínima recomendada para os ambientes internos de uma edificação habitacional (60lux) seja questionável, ela é o primeiro passo para que os projetos contemplem questões fisiológicas fundamentais para o bem-estar dos usuários, assim como a economia de energia.

A forma de demonstrar conformidade em relação à NBR 15.575, em relação à iluminação natural, pode ser feita por meio de dois critérios: simulação computacional ou medição in loco (Fator de Luz Diurna – FLD). O método de avaliação por simulações computacionais traz contribuições para as pesquisas em iluminação natural e para o processo de projeto, pois o arquiteto pode dimensionar as aberturas durante as etapas do projeto, simular os resultados da iluminação natural, até atingir os resultados desejados. Para atender a NBR15.575, em relação à iluminação natural, foram elaboradas simulações estáticas, nos dias 23/04 e 23/10 às 9h30 e às 15h30, com céu com nebulosidade média (índice de nuvens de 50%). Embora a norma não explicite o modelo de céu da Commission Internationale de l’Éclairage (CIE) a ser utilizado, ela contempla uma condição mais próxima da realidade nacional. A medição in loco deve ser realizada:

  • Em dias com cobertura de nuvens maior que 50%, sem ocorrência de precipitações;
  • No centro dos ambientes, a 0,75m do nível do piso;
  • Com a iluminação artificial desativada, sem a presença de obstruções opacas;
  • Sem incidência de luz solar direta sobre o luxímetro (11).

A Norma de Desempenho indica que as simulações não devem considerar a luz solar direta, a não ser quando há obstruções próximas às aberturas, que limitam a entrada da luz natural. A norma supracitada referencia a NBR 15.213-3 em relação ao algoritmo da simulação e às especificidades com relação às obstruções. De acordo com o item 5.2.3.2 da NBR 15.215-3:2004, “Obstrução iluminada pelo sol direto” (12), pode-se utilizar a luz proveniente do sol no cálculo, e não apenas a contribuição da luz do céu.

Cabe salientar que esta contribuição não é calculada em valor percentual e sim em valor absoluto em iluminância, uma vez que seu cálculo depende da iluminância produzida pelo sol na superfície da obstrução e não apenas da abóboda celeste.

Seu valor deve ser somado ao valor final calculado da contribuição de iluminação natural (CIN).

Quando a superfície oposta à abertura iluminante for iluminada diretamente pelo sol, considera-se que a obstrução visível estará mais clara que a porção de céu que ela obstrui. Aqui, portanto, introduz-se o cálculo da iluminação direta do sol no plano vertical da obstrução (13).

A demonstração de conformidade à norma por medição in loco surpreende, no entanto. O método de avaliação orientado é o Fator de Luz Diurna – FLD ou Daylight Factor, que requer o céu encoberto – CIE, sem a interferência do sol, que é pouco frequente no mundo todo. De acordo com Reinhart, “o céu de referência para medir o Daylight Factor raramente aparece em climas reais, o que faz com que as medições em espaços reais levem a resultados variados” (14). A norma orienta, contudo, que a medição seja feita durante períodos com céu com nebulosidade maior do que 50%, mas não totalmente encoberto.

A variedade de softwares de simulação de iluminação natural pode gerar dúvidas na escolha, assim como a validade dos resultados. O International Building Performance Simulation Association – IBPSA assumiu, no fim de 2014, o gerenciamento do diretório da Web Building Energy Simulation Tools – BEST-D, onde há uma listagem com comentários sobre softwares de simulação computacional (15). A classificação do BEST-D apresenta dezoito programas que desenvolvem cálculos de iluminação natural, porém a lista não abrange todos os softwares disponíveis no mercado. A listagem, apesar de relevante, não inclui, por exemplo, os softwares Relux (versão Pro e Desktop), VELUX Daylight Visualizer, DIAlux, Ecotect e LightCalc, que são programas comumente utilizados.

Anne Iversen, Nicolas Roy, Mette Hvass e Michael Jørgensen (16) analisaram nove programas de simulação de iluminação natural (Radiance, Daysim, VELUX Daylight Visualizer, DIAlux, Ecotect, Ecotect/Radiance, IESve, LightCalc e Relux – método radiosity e ray tracing) em cinco tipos de ambiente com diferentes formas:

  • Cúbico com abertura lateral;
  • Com a profundidade maior do que a largura e abertura lateral;
  • Com obstrução na frente da abertura lateral;
  • Com prateleira de luz;
  • Ambientes internos, cuja iluminação natural é proveniente de recintos adjacentes (borrowed light).

A avaliação demonstra que há pequenas variações nos resultados dos softwares, no entanto os programas Radiance, Desktop Radiance, Daysim, VELUX Daylight Visualizer, DIALux, IESve e Relux ray tracing foram capazes de calcular os níveis de fator de luz diurna nos cinco tipos de ambientes. Os demais softwares tiveram alguns óbices, que são irrelevantes para esta pesquisa.

Anne Iversen, Nicolas Roy, Mette Hvass e Michael Jørgensen (17) concluíram, após a avaliação do software Relux, que o método ray tracing está capacitado a calcular os níveis de fator de luz diurna e a iluminância nos cinco tipos de ambientes.

Em 2005 a International Energy Agency – Solar Heating & Cooling Programme aplicou um conjunto de testes, definidos pelo comitê técnico da CIE, para avaliar a precisão dos softwares de simulação computacional de iluminação Lightscape 3.2 e Relux Professional 2004. Trinta e dois cenários diferentes de testes foram utilizados para abranger diferentes aspectos das simulações de iluminação: iluminação artificial direta, iluminação natural direta e reflexões e inter-reflexões difusas. Os pontos positivos do Lightscape 3.2 foram a alta precisão nas reflexões e inter-reflexões difusas e nas simulações de iluminação artificial. Os pontos negativos foram a imprecisão na conservação do fluxo de iluminação natural, nos cálculos da componente de céu e incapacidade da simulação da transmissão direcional do vidro. O programa foi recomendado para simulações de iluminação artificial. Com relação ao Relux, os resultados das simulações foram satisfatórios, mostrando precisão nos diferentes aspectos testados. A menor precisão foi observada para a transmissão direcional do vidro, onde os resultados não se correlacionam perfeitamente com a referência analítica. No entanto, os resultados de luz natural com as aberturas envidraçadas mostraram que a diferença observada na transmissão direcional tem um efeito limitado sobre a precisão das iluminâncias calculadas no interior dos ambientes. O programa não teve um bom desempenho para aberturas sem vidro (18).

Atualmente o programa encontra-se na versão Relux Desktop, que permite a importação de arquivos gbXML provenientes de programas que utilizam o sistema Building Information Modeling – BIM. O software possui o recurso de uma ferramenta paga chamada ReluxCAD, que é instalada como um plug-in do programa AutoCAD. A compatibilidade das interfaces permite agilidade e precisão na modelagem dos ambientes.

Ambas as versões do software ReluxPro e Relux Desktop possuem duas opções de cálculo: modo radiosity e modo ray tracing. No modo radiosity há apenas dois modelos de céu CIE: claro e encoberto. Já no modo ray tracing há mais opções (CIE): céu encoberto, céu intermediário sem sol, céu intermediário com sol, céu claro sem sol e céu claro com sol.

Tipos de céu empregados no modo ray tracing, do software Relux Desktop
Elaboração dos autores

Além dos pontos supracitados, que geram incertezas durante o emprego dos softwares, há a questão da experiência do usuário frente às simulações de iluminação natural e aos programas utilizados. Ibarra e Reinhart (19) apontam que um dos principais erros das simulações está ligado à modelagem da geometria do projeto e na inserção de parâmetros, que podem ser negligenciados por usuários iniciantes.

Método

Os estágios dos procedimentos metodológicos empregados nesta pesquisa foram ora sequenciais, ora paralelos e podem ser elencados da seguinte forma:

1. Levantamento do referencial teórico;

2. Análise das demandas da Norma de Desempenho, NBR 15.575-1:2013, com relação aos requisitos da simulação computacional de iluminação natural e níveis de iluminância recomendados;

3. Modelagem da planta tipo do bloco A da Torre 4 no software ReluxCAD com as dimensões iniciais e finais, sendo:
Dimensão inicial da janela da cozinha: largura: 0,585m; altura da janela: 0,76m; peitoril 1,58m;
Dimensão final da janela da cozinha: largura: 0,585m; altura da janela: 1,16m; peitoril 1,18m.

4. Exportação para o programa ReluxPro;

5. Configuração das espessuras dos caixilhos e seus montantes no ReluxPro;

6. Modelagem do entorno da Torre 4 e de cada um dos seus blocos (Figura 3) no ReluxPro;

7. Empregos dos parâmetros de projeto nas superfícies internas, de acordo os materiais e cores empregados:
Refletância das paredes internas: 50%;
Refletância dos edifícios do entorno das unidades analisadas: 50%;
Refletância do teto: 70%;
Refletância do piso: 20%;
Refletâncias das paredes do átrio interno (RGB) da Torre 4: 80; 43; 58, de acordo com o projeto de arquitetura;
Transmissão luminosa dos vidros: 80% (vidro transparente comum);

8. Configuração do plano de referência a 0,75m acima do nível do piso acabado, de acordo com as normas NBR 15.575-1:2013 e NR-17;

9. Configuração da distância entre os sensores da malha de cálculo: 0,50m. A malha de cálculo foi estendida até o limite da abertura devido às dimensões dos ambientes analisados.

10. Configuração da latitude e longitude da cidade de São Paulo;

11. Configuração do céu da simulação, com 50% de nebulosidade (céu intermediário – modo ray tracing) no software ReluxPro;

12. Simulação computacional de luz natural do primeiro pavimento tipo do bloco A da Torre 4, levando em consideração o entorno imediato em cada situação;

Complexo Habitacional Júlio Prestes, implantação, São Paulo SP Brasil, 2016. Arquitetos Mário Biselli e Artur Katchborian/ Biselli Katchborian Arquitetos Associados
Elaboração dos autores

13. Exportação dos resultados em cores falsas (iluminância) obtidos no programa ReluxPro para o gráfico ponto a ponto no software AutoCAD;

14. Comparação dos resultados das simulações com a iluminância exigida pela norma no centro dos ambientes;

15. Como os resultados das simulações com as dimensões iniciais das aberturas não atenderam o mínimo indicado pela norma, foi necessário ajustar a dimensão das janelas e refazer a simulação de iluminação natural.

16. Discussão dos resultados das simulações;

17. Aplicação das dimensões das aberturas no projeto de arquitetura;

18. Medição in loco da unidade selecionada, após a conclusão da obra:
Escolha do dia adequado para a medição, de acordo com as exigências da norma;
Medição da iluminância externa, à sombra;
Medição da iluminância no interior da dependência;
Cálculo do Fator de Luz Diurna;

19. Comparação dos resultados das simulações com o FLD exigido pela norma;

De acordo com a norma, as áreas onde a iluminação natural é exigida são: sala de estar, dormitório, copa, cozinha e área de serviço, sendo que “M” é a iluminância mínima exigida, “I” a iluminância intermediária e “S” a superior. Em todas as simulações foi levado em consideração o valor mínimo obrigatório, embora muitas áreas tenham atingido valores superiores.

A Torre 4 foi dividida em quatro blocos para desenvolver as simulações, por uma limitação do software.

O céu utilizado para a simulação foi o intermediário (CIE) com sol, devido às aberturas voltadas para o átrio, pois, no caso do primeiro pavimento, a superfície oposta à abertura iluminante é iluminada diretamente pelo sol, conforme indicação da NBR 15.575. Neste caso considerou-se que a obstrução visível estará mais clara que a porção de céu que ela obstrui (NBR 15.215-3, 2005).

No cálculo de iluminação natural foram desprezadas as áreas com ventilação permanente nos caixilhos das lavanderias. Todos os caixilhos possuem duas folhas corrediças, com exceção da janela do banheiro que foi considerada do tipo maxim-ar. A modelagem inicial das aberturas seguiu o projeto de arquitetura, sendo que o dimensionamento final foi resultante do desempenho indicado pelas simulações computacionais.

A unidade dos resultados das simulações está em lux e indica a iluminância no interior dos ambientes. A legenda a seguir indica a escala utilizada nas simulações computacionais.

0-50 lux; 50-60 lux; 60-90 lux; 90-120 lux; 120-150 lux; 150-300 lux; 300-500lux; acima de 500 lux.

Complexo Habitacional Júlio Prestes, unidade analisada destacada, São Paulo SP Brasil, 2016. Arquitetos Mário Biselli e Artur Katchborian/ Biselli Katchborian Arquitetos Associados
Elaboração dos autores

Resultados e discussões

A área da cozinha foi considerada a mais crítica do ponto de vista do desempenho da luz natural. Inicialmente a janela possuía 0,585m de largura, 0,76m de altura e 1,58m de peitoril. Porém, as simulações computacionais indicaram que essas dimensões eram insuficientes para atender a iluminância mínima de 60lux no centro do ambiente. Foram necessários ajustes nas dimensões da altura e do peitoril da janela, de acordo com a modulação dos blocos de concreto. A dimensão final da abertura ficou com 1,16m de altura e 1,18m de peitoril. Todos os andares foram executados com as dimensões das aberturas de referência do primeiro andar.

Pode-se verificar na simulação de iluminação natural com as dimensões iniciais da abertura, no dia 23/04, às 9h30, que a iluminância na cozinha da unidade selecionada, é insuficiente para atender o mínimo indicado pela norma.

A demanda gerada pela simulação computacional de iluminação natural resultou em alterações nas dimensões da abertura da cozinha. Também indica-se o resultado da simulação computacional de iluminação natural após a alteração na altura do peitoril e na altura da janela da cozinha.

Simulação do bloco A da Torre 4, no dia 23/04, às 9h30, com as dimensões iniciais da abertura da cozinha
Elaboração dos autores

Simulação do bloco A da Torre 4, no dia 23/04 às 9h30, com as dimensões iniciais da abertura da cozinha
Elaboração dos autores

Os gráficos indicam o resultado do desempenho da iluminação natural do bloco A da Torre 4, no dia 23/04 às 9h30. Pode-se perceber que o aumento de 0,40m na altura da janela da cozinha, e consequente redução na altura do peitoril, fez com que o centro do ambiente atingisse o mínimo indicado pela NBR 15.575-1, sendo que a iluminância média do ambiente foi aumentada, em relação à experimentação inicial.

O processo de experimentações de distâncias e arranjos espaciais do átrio e das aberturas das unidades fez com que o projeto chegasse a um resultado de iluminação natural, na maioria dos ambientes, com valores dentro do limite superior indicado pela norma. A cozinha e a lavanderia obtiveram iluminâncias entre os valores mínimo e intermediário em todos, pois estão em uma situação de maior sombreamento, voltadas para o átrio.

Após o término da construção da Torre 4 foi possível fazer as medições dentro das unidades habitacionais para constatar os níveis de iluminância, e compará-los com os resultados das simulações de projeto, verificar o FLD e compará-los com as exigências da norma. As medições foram realizadas somente no primeiro pavimento da unidade analisada neste trabalho.

A aferição foi feita no dia 21 de novembro de 2018, entre 10h e 10h30, com luxímetro calibrado, no centro dos ambientes, a 0,75m do piso acabado. O céu estava com cobertura de nuvens maior que 50%, sem ocorrência de precipitações, no horário das medições.

Medição in loco da iluminação natural da Torre 4, no dia 21/11 entre 10h e 10h30
Elaboração dos autores

Embora a data da medição tenha sido diferente da data simulada, a verificação da iluminância foi apenas informativa para os autores do presente trabalho.

As grades colocadas no primeiro andar não fizeram parte do projeto original e não foram contabilizadas nas simulações computacionais de iluminação natural. A medição in loco na cozinha, que está voltada para o átrio, apresentou iluminância dentro do limite superior, pois apresentou 150 lux. A sala e o dormitório também apresentaram resultados na faixa superior. Apenas a lavanderia, que também está voltada para o átrio, possui desempenho mínimo (de 60 a 89 lux).

A tabela a seguir indica os valores mínimos, intermediários e superiores de iluminância, de acordo com a norma, e os ambientes avaliados requeridos.

O Fator de Luz Diurna (FLD) calculado ficou dentro do limite intermediário, isto é acima de 0,65%.

Cozinha, lavanderia e suas respectivas medições
Foto dos autores

Conclusão

Neste trabalho são descritos os procedimentos projetuais para a constatação do desempenho da luz natural da unidade selecionada do primeiro andar da Torre 4, da PPP Júlio Prestes. Os resultados podem auxiliar novos processos de projetos de habitação, indicando que a iluminância resultante das decisões projetuais é um dos quesitos imprescindíveis para o bom desempenho desses espaços e do bem-estar de seus usuários.

A luz natural é fundamental para o bom desempenho das atividades humanas, regulando o ritmo circadiano e trazendo benefícios à saúde física e psicológica. Nos projetos de habitação de interesse social o desempenho satisfatório da luz natural ganha destaque não apenas pelo aumento da qualidade do interior das habitações, mas por resultar em economia de energia.

O estudo de caso apresentado neste artigo é importante para a cidade de São Paulo porque está inserido dentro das ações e projetos de requalificação do centro, entre estas a inserção de habitação social para os cidadãos que trabalham na área, pois a infraestrutura e os equipamentos são fartos e a qualidade do ambiente construído também está presente.

A verificação do desempenho do projeto de arquitetura, de acordo com as diretrizes da NBR 15.575:1-2013, é uma das fases de um projeto habitacional contemporâneo, onde as simulações computacionais são ferramentas necessárias para demonstrar conformidade. Embora haja uma variedade de programas computacionais disponíveis, a incerteza resultante das simulações em relação ao comportamento real da luz natural demonstra que é necessário que os projetistas empreguem programas que não apenas tenham sido testados por terceiros, mas que possam ter os resultados testados in loco pelos próprios projetistas. A experiência necessária para o emprego dos programas não deve ser pautada apenas pela habilidade do usuário em relação à modelagem ou em relação à inserção de dados, mas em relação à experiência de pesquisa e análise dos projetos após a sua construção.

notas

1
Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2014 ano base 2013. Rio de Janeiro, Empresa de Pesquisa Energética, 2014 <https://goo.gl/VWDWxs>.

2
Idem, ibidem, p. 5; 74.

3
Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2017 ano base 2016. Rio de Janeiro, Empresa de Pesquisa Energética, 2017 < https://goo.gl/myzswR>.

4
Dicas de Consumo Inteligente. Campinas, Companhia Piratininga de Força e Luz, 2017 <https://goo.gl/UaesmA>.

5
ANTUNES, Bianca. Mario Biselli projeta complexo habitacional e cultural em terreno da antiga rodoviária de São Paulo: Projeto faz parte da PPP da Habitação do centro expandido de São Paulo, lançada pelo Governo do Estado em 2014. 2016 <https://goo.gl/RNSbK2>.

6
ANDERSEN, M; MARDALJEVIC, J; LOCKLEY, Sw. A framework for predicting the non-visual effects of daylight – Part I: photobiology-based model. Lighting Research & Technology, dez. 2012 Thousand Oaks, p. 37-53.

7
MARTINEZ, Denis; LENZ, Maria do Carmo Sfreddo; MENNA-BARRETO, Luiz. Diagnosis of circadian rhythm sleep disorders. J. Bras. Pneumol., São Paulo, v. 34, n. 3, p. 173-180, mar. 2008 <https://goo.gl/ENgYS9>.

8
TONELLO, G et al. Perceived well-being and light-reactive hormones: An exploratory study. Lighting Research & Technology, Thousand Oaks, v. 0, n. 1, p.1-22, jan. 2018.

9
REINHART, Christoph. Daylight Performance Predicitions. In: HENSEN, Jan L.M.; LAMBERTS, Roberto. Building Performance Simulation for Design and Operation. Abingdon: Spon Press, 2011. Cap. 9. p. 1-64.

10
FIGUEIREDO, Erika Ciconelli de. Abordagem sustentável da luz natural: análise do desenho de vãos e eficiência dos vedos translúcidos e transparentes em edifícios das cidades de São Paulo, Berlim e Frankfurt am Main durante as últimas décadas do século 20 e primeira década do século 21. 2011. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2011.

11
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 15.575-1: Edificações Habitacionais — Desempenho. Parte 1: Requisitos gerais. 1ª ed. Rio de Janeiro, ABNT, 2013.

12
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15.215-3: Iluminação natural – Parte 3: Procedimento de cálculo para a determinação da iluminação natural em ambientes internos. Rio de Janeiro, ABNT, 2004.

13
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15.215-3: Iluminação natural – Parte 3: Procedimento de cálculo para a determinação da iluminação natural em ambientes internos. Rio de Janeiro: ABNT, 2004.

14
REINHART, Christoph. Daylighting Handbook I: Fundamentals Designing with the sun. Cambridge: Building Technology Press, 2014, p. 27. Tradução dos autores

15
INTERNATIONAL BUILDING PERFORMANCE SIMULATION ASSOCIATION (IBPSA) (EUA). Building Energy Software Tools (BEST) Directory. 2018 <https://www.ibpsa.us/building-energy-software-tools-best-directory>.

16
IVERSEN, Anne; ROY, Nicolas; HVASS; Mette; JØRGENSEN. Michael. Daylight calculations in practice: An investigation of the ability of nine daylight simulation programs to calculate the daylight factor in five typical rooms. Copenhagen: Danish Building Research Institute, 2013 <https://goo.gl/8CYfzE>.

17
IVERSEN, Anne et al. Daylight calculations in practice: An investigation of the ability of nine daylight simulation programs to calculate the daylight factor in five typical rooms. Copenhagen: Danish Building Research Institute, 2013 <https://goo.gl/8CYfzE>.

18
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY – SOLAR HEATING & COOLING PROGRAMME (EUA). Application of the CIE test cases to assess the accuracy of lighting computer programs. Vaulx en Velin Cedex: ENTPE, 2005 <https://relux.com/assets/static/global/documents/benchmarks.pdf>.

19
IBARRA, Diego I.; REINHART, Christoph F. Daylight factor simulations: How close do simulation beginners "really" get. In: ELEVENTH INTERNATIONAL IBPSA CONFERENCE, 11., 2009, Glasgow. Proceedings...Glasgow: IBPSA, 2009. v. 1, p. 196 – 203 <https://goo.gl/64W8gL>.

sobre os autores

Erika Ciconelli De Figueiredo é professora de conforto ambiental da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde obteve seu mestrado (2011) e doutorado (2016). É sócia do escritório Contëmpora Arquitetura desde 2011, desenvolvendo projeto de iluminação natural e artificial.

Maria Augusta Justi Pisani é professora de projetos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre (1993) e doutora (1998) em Engenharia Urbana pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Lidera o Grupo de Pesquisa Arquitetura e Construção, e é assessora da Diretoria de Relações Internacionais da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – DRI CAPES desde 2016.

Mario Biselli é professor de projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre (2000) e doutor (2014) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000), é sócio do escritório Biselli Katchborian Arquitetos Associados.

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