Ao longo do Movimento Moderno foram experimentadas diversas formas de organização da habitação coletiva, ambiciosos esforços dentro de um espírito por revolucionar as tipologias. A busca estava marcada por descobrir novas formas habitacionais, compactas e eficientes. Uma técnica projetual, denominada na época planejamento em seção, propunha o estudo da organização espacial a partir de um controle tridimensional espacial, só possível através da observação da seção transversal do bloco laminar -morfologia típica da modernidade-. O modelo duplex por exemplo, era objeto de admirações, já que o corredor de circulação coletiva era necessário apenas a cada dois andares, reduzindo custos de construção e manutenção. Eram “descobertos” modelos que incitavam inclusive registros de patentes (1), podendo ser classificadas em aquelas que utilizavam salto de andar corrido -o skip-floor, com laje contínua-, e aqueles que dividiam a superfície -o split-floor, com laje deslocada. Tratava-se de uma verdadeira técnica de projeto, que parecia incitar a imaginação dos arquitetos e sendo aos poucos popularizada, identificada mais recentemente por outros autores como “Sectional Design” (2).
No caso do México, a seção do Centro Urbano Presidente Alemán – CUPA, estaria dentro do modelo skip-stop e foi utilizada frequentemente no programa governamental de habitação social dos multifamiliares, uma organização que encontra paralelos em outros grandes conjuntos da época.
No caso do Brasil, é interessante observar o croqui da época, realizado por Niemeyer, com o qual se explicava no folder publicitário a originalidade do projeto do CJK: dois edifícios vistos em seção, deixando claro que não se utilizavam organizações tradicionais no interior, mas uma solução de lajes deslocadas. Era a premissa do semi-duplex.
À continuação, será realizada a comparativa de dois casos de estudo desenvolvidos com planejamento em seção. Trata-se de uma metodologia inspirada na Análise Crítica Comparada - ACC utilizada ao longo de vários anos por K. Frampton na Universidade de Columbia (3). O método tem uma considerável capacidade didática para evidenciar estratégias de projeto utilizando pares de casos de estudo, os quais são selecionados criteriosamente, normalmente buscando gênero e/ou tipologia afines.
Para iniciar o processo, a informação documental de cada caso de estudo é colocada lado ao lado, procurando equivalências. Assim por exemplo, de cada caso de estudo, e colocada a implantação, seguido da planta, das seções, etc. A análise se desenvolve posteriormente conforme quatro categorias, sendo 1) tipologia/contexto, 2) percurso/destino – público/privado, 3) estrutura/membrana, e finalmente 4) “conotação sumaria”, que procura explorar conexões com outros projetos e seu significado cultural.
Cabe esclarecer que a proposta do presente artigo se inspira, apenas, na metodologia de Frampton. Algumas das categorias analíticas foram adaptadas, outras agregadas e outras eliminadas, procurando se adequar as particularidades do planejamento em seção. Assim por exemplo, a possibilidade de abrir janela sobre duas fachadas opostas, é natureza única da técnica em seção, permitindo às vezes, ventilação cruzada, mas também gera problemas no controle da exposição solar. Um comparativo de casos de estudo merecer uma observação detalhada deste item. Da mesma forma, o grau de privacidade tem particularidades inerentes a técnica, sendo que insere escadas privativas no interior dos apartamentos, podendo aumentar o grau de privacidade e reclusão.
Assim, o que se propõe não é uma aplicação “ortodoxa” do ACC, mas uma adequação desta sensibilizada com aspectos inerentes da técnica do planejamento em seção.
Os casos de estudo foram escolhidos como representantes das duas variantes principais dos modelos: skip-floor e split-floor (4). São dois edifícios de relevância, bem documentados, e que fornecem material para discussão de noções espaciais distintas.
Por último, cabe salientar o processo de análise, que tem como base pares de diagramas equivalentes, codificados com o mesmo critério e simbologia. A organização e conteúdo semântico deste material gráfico forma parte da linha argumentativa e não deve parecer irrelevante, sendo que “podemos considerar a atividade diagramática sob três hipóteses: primeiro considerá-las como mecanismos de representação, [...] segundo como uma forma visual de pensamento e [...] terceiro como protótipos de raciocínio” (5).
O Conjunto Urbano Presidente Alemán (Cidade do México, 1947-1949)
Durante a década de 1940 a Cidade do México passou por um rápido crescimento populacional, acarretando uma exorbitante demanda habitacional. A Dirección General de Previdencia Civil criou um plano para amenizar a situação, propondo a construção de um ambicioso conjunto habitacional de 40.000m², principalmente para alojar funcionários do governo: o Centro Urbano Presidente Alemán – CUPA. Um quarteirão inteiro, situado em uma zona periférica da cidade, foi escolhido para o empreendimento.
Mario Pani em colaboração com Salvador Ortega, desenvolveram o projeto arquitetônico com uma proposta inovadora, com certo animo experimental, sob a noção de conjunto integrado com serviços básicos; uma nova tipologia que no México se consolidou como multifamiliar. A proposta integrava locais comerciais, lavanderia coletiva, lanchonete, creche, clínica médica e, também, espaços de lazer com amplos jardins e piscina. O CUPA aloja 1.080 apartamentos com 5 diferentes tipologias, podendo chegar em até 5.000 habitantes, resultado uma densidade de 1000 hab/ha.
O Conjunto JK (Belo Horizonte, 1953-1987)
No início de 1950, no Brasil, arquitetura moderna e política estavam associados. Niemeyer e Kubitschek procuravam inovação e ousadia. Dentro das soluções para habitação coletiva, surge assim o projeto para o Conjunto JK – CJK.
Segundo descrição do projeto original, a proposta era criar uma “cidade dentro do conjunto”, alojando um museu de arte moderna, repartições públicas, uma passagem comercial, um hotel, e diversos outros serviços. Uma passarela elevada estava planejada para unir os dois quarteirões que formavam parte do projeto para funcionar unitariamente -não executada-. Porém, a construção se prolongou muito mais do previsto, sendo a proposta inicial modificada e desvirtuada -hotel, museu e diversos serviços não foram instalados-, a proposta não deixa de surpreender pela audácia e tamanho; na época poderia ter alojado 1% de toda a população de Belo Horizonte (6).
Atualmente, o conjunto conta com dois blocos, uma torre e um bloco laminar, os quais abrigam 1.086 apartamentos com oito tipologias e com capacidade de alojar até 5 mil pessoas.
Análise Crítica Comparada dos modelos de apartamento
Os modelos de apartamentos dos dois conjuntos compartilham uma premissa em comum, que se evidencia ao observar as seções transversais dos blocos, com o uso do planejamento em seção.
No caso do CUPA, o modelo de apartamento mais comum eram os tipos “A” e “D”, e a configuração sugere uma vinculação aos estudos de eficiência desenvolvidos na década dos quarenta do modelo skip-stop. Revistas como Architectural Forum e Architectural Record mostram, nesta época, uma intensa busca por formas habitacionais econômicas com soluções similares em três andares (7). Os apartamentos tipo “A” –que será o centro das atenções deste escrito- apresenta uma superfície de 48 m², com um dormitório e uma "alcova".
No caso do CJK, utiliza-se a geometria denominada semi-duplex, apresentada ne época como uma inovadora proposta que retomava aspectos do imaginário coletivo da modernidade -espaço fluido entre zonas, grande abertura entre interior e exterior, e deslocamento de meio pé-direito-. O projeto original incorporava duas varandas (não construídas) em ambas as fachadas, promovendo comportamentos “modernos” da vida ao exterior, conforme será observado mais na frente. Revistas que circulavam na época, como Arts & Architecture pareciam inspirar configurações como a do projeto do semi-duplex (8). O apartamento tinha aproximadamente 45 m² e um dormitório apenas.
A implantação dos blocos
Um aspecto relevante, compartilhado por ambos os casos de estudo, é evidente na vista aérea. A noção de supermanzana e superquadra -termos correntes na época nos respectivos países- subjaz como forma de organização na implantação e morfologia de blocos laminares. As duas palavras, dentro de contextos culturais distintos, respondem à ideia de criar um pequeno setor da cidade autocontido, semiautônomo, onde os moradores podem encontrar a maior parte dos serviços básicos sem precisar sair do conjunto. Grandes áreas abertas, com jardins e praças eram previstas, dentro de parâmetros próximos a apenas 20% da área ocupada no térreo.
No CUPA, observa-se um longo e ziguezagueante bloco laminar que cruza o quarteirão de esquina a esquina, acompanhado de outros dois blocos isolados, de menor comprimento, nas esquinas opostas. Todos estes blocos contam com treze andares de altura. Outros seis blocos, de apenas três andares, encontram-se no espaço remanente. No térreo estão inseridos os equipamentos de uso coletivo, com piscina, quadra de esporte, área de jogos para crianças, creche, lavanderia, uma pequena clínica médica, uma escola fundamental, entre outros, que poderiam oferecer “[todas] las condiciones de amplitud, confort y comodidad [...] que además de ofrecer los costos mas bajos, aseguran una buena calidad” (9).
No CJK, uma torre de 36 andares e um bloco laminar de 23 andares foram implantados em dois quarteirões diferentes, mas que eram entendidos como parte de um mesmo conjunto, considerando a passarela elevada que não foi construída. Serviços como padaria, restaurante, lanchonete, mercado, lavanderia, uma passagem comercial e até uma rodoviária, apareciam repartidos no térreo e no primeiro andar do projeto original. A proposta era “reduzir ao mínimo as necessidades no interior de cada unidade residencial” considerando que “uma organização dos serviços hoteleiros simplificaria a vida” (10).
Esta ideia urbanística –da superquadra ou supermanzana- pode ser traçada a partir da busca por criar um modelo de “unidade de vizinhança”. Tratava-se de incluir dentro de uma distância caminhável, todo o equipamento fundamental para a vida cotidiana. Clarence Perry já estipulava desde 1929 esta distância dentro de um raio de 350 metros, onde deveriam estar contidos usos mínimos como igreja, escola fundamental e comércio local para uma população mínima 5 mil habitantes –precisamente a população alojada nos dois casos de estudo.
Cabe notar as particularidades da implantação. No caso do CJK, torre e bloco estão colocados de forma perpendicular, reproduzindo uma forma em “T”, isso com a finalidade de evitar a obstrução de vistas panorâmicas dos apartamentos sobre a paisagem urbana, como indicava num croqui de Niemeyer no folder publicitário da época (11).
Na implantação do CUPA, particularmente do bloco laminar ziguezagueante, observa-se uma organização atenta com o movimento solar. Os corredores coletivos são colocados estrategicamente para proteção contra o sol intenso, aparecendo sobre as fachadas Sul, Leste e Oeste –nas latitudes Norte, como a Cidade do México, a inclinação do sol é para o Sul, ao contrário do Brasil.
Os dois casos de estudo apresentam uma similar diversidade tipológica de apartamentos. No caso do CJK, no bloco laminar, aparecem 8 tipologias resolvidas segundo dois princípios geométricos diferentes. Do lado direito ao núcleo triangular dos elevadores, paredes auto-portantes em distâncias repetitivas geram 5 tipos de apartamentos simplex, dentro de um sistema de agregação de módulos -cor amarelo, laranja, marrom claro e marrom escuro-. Do lado esquerdo ao núcleo triangular aparece a organização semi-duplex, com um corredor apenas a cada dois andares. A seção desta última parte está composta por três tipos de apartamentos: o apartamento-estúdio (verde) no mesmo andar do corredor coletivo –desprovido de cozinha, planejado para ter apoio do serviço de restaurante do conjunto-, um apartamento maior, situado meio andar abaixo do corredor coletivo (azul claro), e o apartamento propriamente semi-duplex (cor azul escuro), situado meio andar acima do corredor coletivo.
No caso do CUPA, observam-se cinco tipologias diferentes de apartamentos, quatro delas dentro do bloco em ziguezague. Nos trechos com orientação Leste-Oeste aparece predominantemente o denominado tipo “A” (azul) e que apresentam dois corredores coletivos a cada lado no andar intermediário. Nos trechos com orientação Norte-Sul aparecem predominantemente os apartamentos tipo “B” (marrom), com um corredor coletivo do lado Sul. Os outros tipos de apartamento “B” e “C” (verde e laranja) são soluções atípicas, utilizadas para as esquinas.
Os dois casos de estudo mostram aqui importantes diferenças. Enquanto o CJK tem o corredor interiorizado, desprovido de luz natural, cria um ambiente hermético e pouco interessante –o corredor tem a função única de circulação-, o CUPA, por sua vez, tem o corredor sobre a fachada e é aberto em galeria, oferecendo uma qualidade habitacional que sugere a possibilidade de um espaço de permanência fundido com a circulação. Conversas informais entre vizinhos nos corredores do CUPA parecem mais fáceis de acontecer, onde a largura do corredor, possibilita a colocação de vasos com plantas alternadas com um peitoril transparente, o que favorece a geração de um ambiente mais agradável.
Em relação a estrutura, os dois conjuntos apresentam soluções distintas que respondem a geometria organizativa. O CUPA tem o modulo definido por uma retícula, o CJK são vãos separados por paredes, as quais são descarregadas nos andares inferiores sobre grandes pilares em forma de "V"–uma forma repetitiva dos projetos de Niemeyer nessa época.
O interior dos apartamentos
O desempenho habitacional dos dois modelos de apartamentos apresenta algumas similitudes e divergências enquanto à eficácia. Desde o ponto de vista da privacidade, os dois parecem oferecer um bom resguardo da área intima, mas em relação à ventilação e insolação, o resultado é divergente.
A privacidade nos dois casos é controlada principalmente pelo rompimento de visadas indesejadas com lances de escadas. Porém, no apartamento "A" semi-duplex do CJK parece melhor resolvido considerando que desde o corredor coletivo aparece imediatamente meio lance de escadas após ultrapassar a atípica porta de correr no acesso.
Para atingir o dormitório, em ambos os modelos deve-se subir –ou descer, no caso do CUPA- uma escada favorecendo um ambiente de reclusão. Porém, na sequência, o visitante do CUPA encontra antes o dormitório e logo em seguida a sala de estar.
Na seção do semi-duplex a organização parece gerar um sistema espacial que favorece o controle da privacidade. Antes de atingir o dormitório aparece uma antecâmara, formada pelo corredor interno frente ao banheiro; uma solução mais eficaz neste sentido. Trata-se de uma organização vertical hierarquizada da privacidade: a partir do corredor coletivo não é possível avistar a zona pública do apartamento, deslocada meio andar acima; e de forma similar, da zona pública não é possível ver zona íntima também deslocada meio andar. A vantagem era reconhecida comercialmente, sendo anunciada na publicidade da época como o apartamento que “está mais insulado... Seu interior, o quarto e a sala são, também, mais independentes” (12).
Desde o ponto do desempenho acústico, o CJK apresenta também uma melhor configuração. O corredor de circulação coletiva -a zona mais barulhenta-, encontra-se situado justo acima do banheiro e da escada privativa do semi-duplex, amortizado a transmissão vertical de ruído.
Pelo contrário, no caso do apartamento inferior do CUPA, o dormitório -o como que precisa do máximo silencio possível- está situado justo debaixo do corredor coletivo; uma situação completamente indesejável.
O controle da exposição solar é um aspecto relevante nos dois casos, o CUPA procura resolver o problema desde a própria implantação dos blocos, utilizando os corredores como forma de proteção, sendo posicionados sobre as fachadas mais expostas-. A implantação do CJK, pelo contrário, privilegia as vistas, colocando o bloco laminar e a torre de forma a evitar obstruções visuais; o problema do sol é resolvido então desde a própria configuração interna do semi-duplex.
Uma consideração importante a realizar aqui referente ao semi-duplex é que o projeto original do CJK tinha duas varandas (13). Em cada lado da fachada, de aproximadamente 2,5 m. de profundidade. A posição destas sugere um sistema integrado de regulagem de sol e ventilação. As varandas eram capazes de gerar uma área de sombra e proteção, criando um colchão de ar entre duas camadas de vidro -sobre o guarda-corpo da fachada existia um vidro de correr, segundo indicam perspectivas exteriores do projeto (14). A configuração estaria formando uma câmera, como um jardin d'hiver. No verão, o interior ficaria protegido dos raios de sol, incidentes desde uma vertical, tendente ao Zenith.
Adicionalmente, a dupla previsão de varandas no semi-duplex poderia favorecer a passagem contínua do ar, gerando ventilação cruzada. Na parte superior da janela da sala de estar do projeto original estavam previstas venezianas horizontais que poderiam ficar permanentemente abertas –um dispositivo experimentado anos antes no Hotel de Ouro Preto-. Na fachada oposta, no dormitório posicionado meio andar acima, uma segunda varanda permitia a entrada de ar fresco.
Interiormente, o apartamento tipo “A” do CUPA não apresenta estratégia alguma para controle térmico. Na sala de estar abre um modulo de janela de pé-direito inteiro, a qual permite uma boa abertura visual para o exterior, mas desprotegida sendo que não existe balanço ou dispositivo algum de proteção. Os apartamentos tipo “A” com a sala de estar orientadas para o Oeste são particularmente desfavorecidos.
Significado cultural dos modelos espaciais
A origem dos dois projetos é contrastante, sendo que procedem de noções espaciais quase opostas. Por um lado, o CJK mostra vínculos com antecedentes do gênero hoteleiro, gerando um interior doméstico que promove o lazer. De forma oposta, o CUPA que propõe uma versão urbana de uma célula confortável e prática em um mínimo de superfície -uma linha de argumento que poderia ser vinculada à ideia do Existenzminimum-. Anos antes, O´Gorman se pronunciava por uma “engenharia de edifícios” oposta a ideia tradicional de arquitetura como forma artística, ou, em outras palavras promovendo maquinas para morar.
Em relação ao CUPA, um modelo inspirador foi o sistema 3-2. O nome procedia da forma seção, composta por dois apartamentos a cada três andares. Colocado em prática no edifício Palace Gate (Londres, 1939), a singular organização era capaz de gerar economia, mas também abria possibilidades flexíveis de layout interno, podendo gerar, segundo Wells Coates, até quarenta variantes (15). A ideia do sistema 3-2 teve impacto significativo em Pani, quem desenvolveu e publicou um diagrama explicativo (16). Tempo depois construiu o edifício na rua Balsas (CdMx, 1945) -uma experiência prévia do com o planejamento em seção.
A seção do CUPA, porém, assemelha-se mais com outro modelo do planejamento em seção, discutido intensamente em publicações de procedência americana nos anos quarenta: o skip-stop. O argumento principal aqui era a economia, calculada em até 12% a menos do custo de construção (17). A seção do skip-stop estava composta de três andares, tendo um corredor no andar intermediário, porém, diferente do sistema 3-2, não tinha um pé-direito e meio de altura na de sala de estar. O skip-stop “compactava” ainda mais o espaço, gerando mais economia potencial.
Por outro lado, Anda (18) aponta uma linha de influência de filiação soviética, tendo a “célula F” da Narkomfin (Moscou, 1929) como um exemplo de aproximação. A observação é interessante, considerando a coletivização de serviços da supermanzana e a semelhança geométrica da seção -ainda que diferente-. Economia e compactação eram premissas das dom-komunas soviéticas.
Enquanto à noção espacial, um outro projeto que pode ser comentado é o Isokon Flats (Hampstead, 1934) de Coates, que propunha reduzidas unidades de apartamento que priorizavam o espaço prático, utilizando portas de correr e mobiliário multifuncional, versátil e/ou transformável. Em pouca superfície resolviam múltiplas tarefas domésticas.
De forma similar os apartamentos do CUPA previam portas de correr a aproveitamento máximo da superfície. Mobiliário “ligeiro e flexível” chegou a ser proposto por Clara Porset para o interior dos apartamentos do CUPA para “fazer da moradia uma unidade viva”:
“por ser modulares se prestan a una variedad de combinaciones […] mesas de comer de fácil expansión y contracción por sus secciones plegables [...] sofás cama de acción diurna y nocturna, según se utilice para sentarse o para dormir […] sillas graduadas según su inclinación: rectas, las de comer, más inclinadas las de platicar, y más aún las de leer o reposar” (19).
O interior do semi-duplex no CJK aponta para um ambiente doméstico de descanso, pausa e/ou repouso. Dois projetos de estadia temporária, do próprio Niemeyer, podem ser colocados como antecedentes. O Hotel de Ouro Preto (1944), tinha os apartamentos com uma varanda profunda e um espaço de pé-direito duplo, promovendo o contato visual continuo com a cidade colonial. O dormitório principal, deslocado na parte superior, abre janela sobre a fachada oposta e as venezianas da fachada da varanda, geravam ventilação cruzada de forma similar ao posterior semi-duplex. Porém, é no projeto para o Hotel Quintandinha (não construído, 1950) que o modelo do semi-duplex foi introduzido, o qual promovia as vistas sobre a paisagem dentro de um interior planejado para o repouso.
No isométrico do semi-duplex aparecem almofadas sobre o piso da varanda. O guarda-corpo é apenas um peitoril com a inferior transparente. Ali, na varanda era possível ficar deitado ou sentado sobre o piso, sem perder a possibilidade ver a paisagem urbana. A configuração, outra vez, sugere um lugar de descanso.
A promoção da varanda como lugar de improvisado de repouso lembra as imagens de casas californianas, que circulavam na época em revistas como Arts & Architecture, nas quais apareciam continuamente ambientes informais e descontraídos, onde era possível improvisar uma atividade sobre o piso.
De fato, o mobiliário proposto para o interior do CJK, publicado no folder publicitário da época, responde a uma ideia “prática”, simplificada, com espreguiçadeiras, mesas e cadeiras de baixa altura, como incitando a um repouso horizontal do corpo, uma instigante imagem do moderno popular, que valoriza conforto, praticidade, e uma vida sem formalidades.
Conclusão
As estratégias parecem caracterizar propostas habitacionais que procuravam se inscrevem dentro das mais importantes inovações modernas. Por um lado, as organizações com implantação urbanística do superblock, as quais prometiam revolucionar a configuração tradicional da cidade, equivalentes aos termos em espanhol supermanzana e superquadra em português. O planejamento em seção era uma segunda estratégia da modernidade, uma técnica capaz de gerar protótipos singulares e inovadores, que podiam reduzir circulações coletivas e custos, melhorar o desempenho térmico, e/ou gerar formas de habitação compactas e funcionais. Juntas, estas duas estratégias, abriram um novo campo de ação dentro do projeto de habitação, e se se encontram consolidadas nos conjuntos de grande escala dos anos cinquenta.
Propostas como o do CJK e do CUPA inserem-se dentro destas ambições numa época que, dentro da cultura da Arquitetura Internacional, técnicas e soluções se assemelhavam, mas que também apresentavam particularidades próprias. Subjaze um aspecto importante: o planejamento em seção só é possível com o uso do bloco laminar -morfologia por excelência da modernidade. Mas a análise comparativa evidencia virtudes e dificuldades de cada caso, e mostra também as delicadas decisões que o projetista enfrentou frente as complexidades inerentes de cada caso.
Se o CJK privilegiava as vistas panorâmicas, implantando blocos para desobstruir as mesmas, o CUPA colocava a atenção sobre a exposição solar, posicionando estrategicamente os corredores segundo a orientação do trecho do bloco laminar ziguezagueante. Dificuldades geradas na implantação encontram solução no planejamento do interior das células, como o caso da proposta original do semi-duplex, que previa originalmente um sistema de duas varandas para poder manter controle dos raios de sol, mesmo com uma orientação de fachada desfavorável.
Porém, no final das contas, o que parece dominar o projeto, não são apenas as particularidades da implantação nem as soluções técnicas, mas as noções espaciais. Os dois casos de estudos denotam premissas espaciais desiguais, um propõe o espaço compacto e funcional, e o outro um ambiente de conforto para se relaxar. São duas formas de expressão da cultura moderna dos anos cinquenta, popularizada nos conjuntos habitacionais de grande escala.
notas
NA – Se agradece o apoio financeiro da Universidade Fumec e Fapemig para o desenvolvimento desta pesquisa e para a apresentação dos resultados parciais prévios desde trabalho (5º Seminário da Arquitetura e Documentação, UFMG 2017).
1
PÉREZ-DUARTE F., Alejandro. O Planejamento em Seção nos modelos habitacionais coletivos do Movimento Moderno: um caso na Cidade do México. Risco (São Carlos), v. 15, p. 38-50, 2012
2
GLENDINNING, M; MUTHESIUS, S. Tower Block: Modern Public Housing in England, Scotland, Wales and Northern Ireland. New Haven/London, Yale University Press, 1994. p. 144.
3
FRAMPTON, K., A Genealogy od Modern Architecture, Zurich: Lars Muller Publishers, 2015.
4
PÉREZ-DUARTE F., Alejandro, et al. Planeajmento em seção. 2016 <planejamentoemsecao.wordpress.com>.
5
Falcón Meraz, J.M., jul. 2015
6
PIMENTEL VELLOSO, Thais. A torre Kubitscheck. Dissertação de mestrado. Campinas, IFCH Unicamp, 1989.
7
Cfr. Architectural Forum, set. 1946, Jan. 1950 e Jan. 1952. Architectural Record, Jan. 1949. L’Architecture D’Aujourd’Hui, ago. 1952
8
PÉREZ-DUARTE F., Alejandro; SOUZA, Talita. O Conjunto JK e o Planejamento em Seção. 1. ed. Belo Horizonte: Universidade Fumec, 2016.
9
PANI, Mario, Los multifamiliares de pensiones, Editorial Arquitectura, México, 1952, p. 22.
10
ANONIMO. Folder publicitário da época, ca. 1953
11
PAPADAKI, Stamo. The Work of Oscar Niemeyer. New York, Reinhold, 1950
12
ANONIMO. Folder publicitário da época, 1953
13
PÉREZ-DUARTE F., Alejandro; SOUZA, T. S. O Conjunto JK e o Planejamento em Seção. 1. ed. Belo Horizonte: Universidade Fumec, 2016.
14
MORAIS, Pedro. Decifrando a esfinge: uma tentativa de análise do conjunto JK. IV Seminário DOCOMONO Sul, 2013 <www.docomomo.org.br/ivdocomomosul/pdfs/39%20Pedro%20Morais.pdf>.
15
CANTACUZINO, Sherban. Wells Coates, Gordon Fraser, Londres, 1978.
16
Departamentos en Kesington, Londres. Arquitectura / México, n. 3, 1939.
17
Cfr. Architectural Forum, set. 1946.
18
ANDA ALANIS, Enrique X., Arquitectura mexicana de la década del cuarenta: La construcción de la modernidad. Los Multifamiliares durante el alemanismo. Tese de doutorado. México, UNAM, 2001.
19
PORSET, Clara. El Centro Urbano Presidente Alemán y el espacio interior para vivir. Arquitetura/México, out. 1950.
sobre os autores
Alejandro Pérez-Duarte Fernández é doutor em arquitetura pela Universitat Politècnica de Catalunya (Barcelona, 2005), atualmente professor e pesquisador na Universidade Fumec (Belo Horizonte, Brasil) na área de teoria, história e crítica de arquitetura com foco na habitação coletiva.
Aline Ferreira Gonçalves Mourão é graduanda em arquitetura e urbanismo na Universidade Fumec e bolsista do projeto de pesquisa “Análise crítica comparada dos modelos com Planejamento em Seção”.
Ana Cristina Marrocos Miranda é graduanda em arquitetura e urbanismo na Universidade Fumec e bolsista do projeto de pesquisa “Análise crítica comparada dos modelos com Planejamento em Seção”.