Vazios Urbanos – em suas diversas funções e escalas – são constituídos por glebas, terrenos, lotes ou edifícios vacantes (sem uso, ocupação ou subutilizados) inseridos em terra urbana e/ou urbanizada que não cumprem a função social da propriedade. Procedem do esvaziamento – social e fisicamente produzido – que atuam como pontos de desequilíbrio e instabilidade da forma urbana (1) ou manifestam-se como processo e resultado da cidade dispersa caracterizada por configurar um território descontínuo, espraiado e fragmentado.
A expressão vazio urbano geralmente definida como fragmento não preenchido ou espaço não construído é dúbia, pois a terra não está, em sua plenitude, vaga. Os vazios urbanos são áreas produzidas, ou seja, decorrência do trabalho social empreendido em seu entorno imediato e na cidade como um todo. Assim, o vazio urbano enquanto fragmento socialmente produzido possui forma, localização e exerce uma função.
Para Maria Encarnação Beltrão Sposito (2), a prática de expansão urbana horizontal é recorrente em cidades médias porque estas detêm abundância de terras na área rural. Assim, o aumento das periferias se apoia pelo preço da terra que é mais barata em comparação com as melhor localizadas e pela facilidade de deslocamento por automóvel, uma vez que o trânsito nestes municípios ainda não é caótico como nas grandes cidades.
A expansão urbana dispersa e seu produto, o vazio urbano, acarretam significativos dispendidos ao município, além de impactos ambientais e sociais na medida em que, as sucessivas transformações de terra rural em urbana exigem maiores recursos ambientais e energéticos. Para o município, coloca-se os custos de infraestrutura e transporte que é arcado pela população como um todo. No campo social, têm-se o aumento das distâncias a serem percorridas no cotidiano, além do acirramento da desigualdade social (no tocante ao acesso à terra urbanizada) e da segregação socioespacial.
Neste contexto de antagonismo urbano, coloca-se a relevância do Estatuto da Cidade (3) e sua tentativa de estabelecer uma relação de maior presença do estado na regulação e controle dos processos de produção do espaço urbano nas cidades Brasileiras. Quanto a retenção de terra especulativa, não foram formulados instrumentos que impossibilitem sua formação, entretanto, existem instrumentos capazes de mitigar os vazios urbanos como o Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU progressivo, Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsório e desapropriação por dívida pública. Isto posto, faz-se necessário a avaliação da real aplicação dos instrumentos pelos municípios e seus efeitos na produção do espaço urbano disperso e fragmentado, bem como se tais instrumentos são suficientes para atenuar o processo especulativo. Destarte, o objetivo deste ensaio é identificar e classificar as tipologias de vazios no processo de expansão urbana em cidades médias do estado de São Paulo, considerando as estratégias empreendidas pelo poder público municipal para sua formação e permanência.
Os municípios de Piracicaba, Bauru e São José do Rio Preto representam três tipologias diferentes de vazios urbanos em cidades médias do interior paulista. Trata-se de cidades com importância regional sendo centros de consumo, ensino e produção e estabelecem o papel de intermediação entre municípios menores e maiores (4). Estas localidades têm passado por um acelerado processo de expansão urbana, principalmente a partir da década de 1960 em função do êxodo-rural e, posteriormente, das migrações inter-regionais.
Como metodologia, foram empregados os seguintes procedimentos: a) identificação dos vazios urbanos; b) análise da legislação urbanística dos Planos Diretores, Zoneamento e ampliações do perímetro urbano; e, c) identificação do que cada município considera como vazio urbano, se o Plano Diretor dos municípios dispõe de instrumentos de mitigação dos vazios urbanos e se os mesmos são autoaplicáveis e d) análise da gestão municipal quanto ao emprego dos instrumentos urbanísticos dispostos no Plano Diretor.
Dispersão urbana e constituição de vazios urbanos em cidades médias paulistas
As cidades médias paulistas vêm adquirindo padrões de organização espacial dispersos e territorialmente descontínuos principalmente após meados do século 20, tendo se intensificado nas últimas três décadas (5). Como processo, assiste a continuidade espacial promovida pelo avanço do meio técnico-científico-informacional, como colocado por Milton Santos (6) que possibilita o distanciamento físico entre os núcleos urbanos ao mesmo tempo que promove a conectividade através da integração por redes físicas e virtuais (7). Enquanto forma, concebe um território descontínuo, espraiado (crescimento horizontal geralmente de baixa densidade), fragmentado (núcleos urbanos distantes entre si tanto no âmbito físico como social) e repleto de vazios urbanos, seja periférico ou intersticial.
O uso do solo urbano na economia capitalista, fundamentada na propriedade privada, e regulado pelo mercado – essencialmente especulativo – é a condição necessária para a promoção da renda de terra urbana, determinada a partir da valorização diferencial do uso do solo. Deste modo, a retenção da terra – lê-se formação de vazios urbanos – se dá por meio da valorização da gleba, que é regida em função do desenvolvimento urbano que ainda está para acontecer (8).
Dessa forma, a expropriação privada de riqueza distribui de modo desigual os lucros do desenvolvimento enquanto os custos são arcados pela comunidade em conjunto produzindo o desenvolvimento desigual do espaço e o aumento da segregação socioterritorial. Assim, a retenção de terras ociosas e subutilizadas dentro do perímetro urbano resultam na elevação do preço da terra em áreas com infraestrutura urbana de modo a induzir a ocupação das franjas urbanas pela população de baixa renda tornando a cidade cada vez mais espraiada.
Instrumentos de ocupação dos vazios urbanos no Estatuto da Cidade
A partir da década de 1970, os vazios urbanos passaram por ressignificações e foram assimilados como objeto de especulação imobiliária. O vazio passou a ser percebido como problema a partir de sua compreensão enquanto terra ineficiente no plano econômico e incompatível com as necessidades das demandas sociais ensejando ações públicas para sua reversão (9).
A luta pela reforma urbana na década de 1980 e as discussões em torno das estratégias de especulação imobiliária colocaram o tema do acesso à terra urbanizada no campo legislativo constitucional. Foram acrescidos os artigos n. 182 e 183 na Constituição Cidadã de 1988 que garante a função social da propriedade, ou seja, o entendimento do solo urbano como bem coletivo em detrimento da soberania do direito à propriedade privada, regida pelo Código Civil. Ademais, o artigo n. 182 reconhece os vazios urbanos como problema a ser enfrentado e propõe um instrumento especifico de contenção da vacância imobiliária em área urbanizada (dotada de infraestrutura):
“Art. 182 § 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de: i) Parcelamento ou edificação compulsórios; ii) Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; iii) Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais” (10).
O artigo n. 182 foi regularizado pelo Estatuto da Cidade que detalha, dentre outros, os instrumentos referidos na Constituição Cidadã. Os artigos n. 5, 6, 7 e 8 dispõe que o proprietário do imóvel urbano, ao ser acionado, tem um prazo para lotear, construir ou efetivar a utilização e se, ao final deste prazo, o imóvel estiver ocioso o poder público pode cobrar o IPTU progressivo no tempo e, se ainda assim o imóvel permanecer vago, a administração municipal pode desapropriar o imóvel como pagamento em títulos da dívida pública.
A aplicação dos instrumentos exige um sistema de cadastro dos imóveis que deve ser permanentemente atualizado, a delimitação da área de interesse público mapeada no Plano Diretor e a planta genérica de valores para estipular o imposto.
Para Tatiana Teixeira e Fernanda Furtado (11), apesar do avanço legislativo, tais instrumentos são ineficientes em sua real implantação visto sua complexidade, além das diferenças das realidades no amplo território brasileiro e da diversidade de situações de vazios urbanos. Em alguns casos, essas sanções podem “pegar mal” para o legislativo e executivo municipal, com altos índices de rejeição dos moradores. Um dos problemas apontados pelos autores é o aumento da inadimplência, principalmente entre os pequenos proprietários que não detém condições financeiras para exercer a função. Outro entrave é a duração do processo, que é longo, pois confere ao proprietário, além do tempo para a utilização do imóvel, um prazo adicional de 10 anos para a recuperação do mesmo. De todo modo, caso houvesse a aplicação do instrumento, o imóvel pode permanecer ocioso por até vinte anos.
Expansão urbana e formação de vazios urbanos em Piracicaba
A expansão da área urbana de Piracicaba recorrentemente cresce em proporção maior ao crescimento populacional e da mancha urbana. O município conta com um total de 24 ampliações do perímetro urbano entre 1950 a 2016. Já na década de 1960, o perímetro urbano obteve um aumento de cerca de 900% em relação a década anterior, enquanto o crescimento da mancha urbana (área ocupada) foi de 117% e a taxa de crescimento anual da população de 4,5%. Na década de 1970, houve três ocasiões de ampliação do perímetro urbano, ocasionando um aumento da área urbana de mais 65%, seguido de mais 11,5% e 4,3% nas décadas de 1980 e 1990, respectivamente (12). Nas décadas de 2000 e 2010, também houveram aumentos significativos do perímetro urbano através da aprovação de leis complementares.
Em 2006, foi aprovado o Plano Diretor de Desenvolvimento de Piracicaba – PDD (13), utilizando das diretrizes do Estatuto da Cidade. Para isso, foi realizado um diagnóstico participativo e técnico da realidade do município pelo Instituto Polis em 2003 (14). O documento já alertava a necessidade de congelar o perímetro urbano e induzir a ocupação dos vazios urbanos, cerca de 50% da área urbana na época. A redação final do Plano Diretor foi aprovada em 2006, com a posse de uma nova administração municipal que manteve os princípios, objetivos e diretrizes da proposta inicial, dentre os quais:
“Art. 3° – São princípios do Plano Diretor de Desenvolvimento do Município de Piracicaba: I – a função social da cidade; II – a função social da propriedade; III – a gestão democrática da cidade”.
“Art. 7º – São objetivos gerais do Plano Diretor de Desenvolvimento do Município de Piracicaba: [...] II – coibir a especulação imobiliária; [...]; IV – urbanizar adequadamente os vazios urbanos e integrar os territórios da cidade; [...] VII – estimular a utilização de imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados”.
Contudo, passados mais de dez anos da aprovação do PDD, constata-se a descaracterização do mesmo, o qual foi alterado por leis complementares em 25 ocasiões, sendo 9 só de ampliações do perímetro urbano. Nesse período a área urbana cresceu cerca de 37%.
Como justificativa, o poder público municipal utiliza do argumento de “atender a necessidade de adaptar a legislação urbanística ao dinamismo do crescimento urbano e econômico do município” (15) para o desenvolvimento industrial, proteção de áreas verdes, implantar habitação de interesse social e atender a demanda do crescimento populacional, dentre outros. No entanto, os projetos de lei não mencionam os vazios urbanos já existentes na área urbana municipal nem orientam estratégias para induzir a ocupação dos mesmos revelando uma irresponsabilidade em descumprir os princípios e diretrizes do Estatuto da Cidade e do próprio Plano Diretor municipal.
Em relação a ocupação dos Vazios urbanos e imóveis ociosos ou subutilizados o Plano Diretor de Desenvolvimento de Piracicaba adota os seguintes instrumentos:
“Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios – o Plano Diretor considera como solo urbano não ocupado “o imóvel com área igual ou superior a 10.000 m² localizados nas zonas de adensamento prioritário e secundário e nas ZEIS 2” e como solo urbano subutilizado “a propriedade urbana com área igual ou superior a 250m² localizada na Zona de Adensamento Prioritário, bem como a propriedade urbana com área igual ou superior a 400m² localizada na Zona de Adensamento Secundário” e “os lotes da Zona Especial Industrial que não utilizem o coeficiente mínimo de aproveitamento da zona [...], desde que não seja o único imóvel do proprietário e [...]”. Como solo urbano não utilizado “ todo tipo de edificação que esteja desocupada há mais de 1 (um) ano, desde que não seja o único bem imóvel do proprietário” (Arts. 134 a 136 lei nº 186/2006). Quanto aos prazos, o proprietário deve protocolar o projeto de parcelamento ou edificação até um ano após o recebimento da notificação. Consecutivamente, as obras deverão ser iniciadas, no máximo, até dois anos ao datar de aprovação do projeto e a ocupação deverá ocorrer até dois anos após o término das obras. O Plano Diretor coloca que tais dispositivos devem ser regularizados através de lei complementar até julho de 2010, entretanto, passados mais de dez anos, tal lei ainda não foi criada”;
IPTU progressivo no tempo se os proprietários descumpram as condições do instrumento anterior (Art. 139 lei n. 186/2006). O IPTU será aplicado por cinco e anos e, caso o imóvel continue desocupado ou subutilizado o poder público aplicará o instrumento de:
“Desapropriação como pagamento em títulos da dívida pública que deverá ter aprovação prévia do Senado Federal, sendo que o imóvel poderá ser resgatado pelo proprietário em até 10 anos (Art. 140 Lei nº 186/2006)”.
Apesar do município fazer um levantamento das glebas e lotes vazios, não houve qualquer tentativa de aplicação da lei, seja para regularizar o Artigo 134 do Plano Diretor, seja a partir da notificação dos proprietários de imóveis vagos, subutilizados ou não ocupados e, consecutivamente, a aplicação dos demais instrumentos de política urbana que cumpra a função social da propriedade.
Em 2016, o município contava com um total de 123 Km² ou 12,3 há de vazios urbanos, ou seja, o equivalente a 54,37% da área urbana, sendo 27.977 unidades de lotes vazios (4,4% da área urbana), 563 unidades de glebas vazias cadastradas (19,7% da área urbana) mais 270 blocos de áreas vazias não cadastradas (30,1 % da área urbana). Tudo isso só de terrenos e glebas não ocupadas, desconsiderando os imóveis edificados ociosos e subutilizados.
O mapa Vazios urbanos no município de Piracicaba ilustra quais vazios urbanos podem ser objeto de aplicação do instrumento de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, pois estão inseridos nas Zona de Adensamento Prioritário, Zona de Adensamento secundário, Zona Especial de Interesse social 2 e Zona Industrial. Devido à ausência de levantamento específico de cada imóvel, não foi possível identificar os vazios urbanos considerados ambientalmente frágeis, os imóveis que são a única posse do proprietário e os imóveis menores de 250 m² localizados em Zona de Adensamento Prioritário, pois tais imóveis não podem ser objeto de aplicação dos instrumentos em questão (16). Em todo caso, apesar das particularidades de cada imóvel que não puderam ser identificadas, é possível verificar que existe considerável número de terras ociosas e especulativas que são aptas para ocupação segundo as diretrizes do próprio Plano Diretor.
Expansão urbana e formação de vazios urbanos em Bauru
Os limites da cidade de Bauru se restringiam, até a década de 1950, pelas barreiras naturais dos córregos Água da Ressaca e das Flores, além da linha férrea que se encontra paralela ao rio Bauru. A partir de 1960, o município passou a integrar eixos rodoviários de significativa importância na rede urbana paulista (17). Assim, a expansão da mancha urbana de Bauru obteve crescimento, sobretudo, nas décadas de 1960 (171%), 1970 (93%) e 1980 (50%) (18), acompanhando a taxa de crescimento anual da população de aproximadamente 3,5 %, 4% e 3,5%, respectivamente.
Em relação a área urbana, houve um total de 45 leis de ampliação do perímetro urbano no período de 1956 e 2018, sendo 10 tentativas de aumentos a partir da aprovação do Plano Diretor Participativo do Município de Bauru (19). Dessas 10 leis, 5 foram consideradas ineficazes por inconstitucionalidade estadual devido ao não cumprimento do artigo nº 180 (20) que define o cumprimento do desenvolvimento das funções sociais da cidade e a participação popular em todas as decisões de ordenamento territorial. Nas décadas de 1990 e 2000, era recorrente a ampliação do perímetro urbano para incluir glebas e chácaras específicas a área urbana.
O Plano Diretor Participativo do Município de Bauru foi aprovado em 2008 nos moldes dos princípios e objetivos do Estatuto da Cidade. O mesmo dispõe que toda propriedade deve atender a função social e que o ordenamento e controle do uso do solo deve evitar “a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização” (Art. 3º).
Quanto aos instrumentos de política urbana, o município propõe a utilização do “Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórias” (Art. 91º) em toda a área urbana, exceto em APP’s e áreas de interesse ambiental. Define o prazo de um ano para o proprietário protocolar o projeto a partir da notificação da prefeitura, mais dois anos para iniciar as obras e cinco anos para finda-las. Em caso de descumprimento dos prazos, será aplicado o IPTU Progressivo no Tempo e a Desapropriação com Pagamento em Títulos da Dívida Pública.
O Plano Diretor de 2008 dispõe de um mapa com as áreas prioritárias de aplicação do instrumento espacializadas e coloca que outras áreas passíveis de aplicação dos instrumentos deverão ser identificadas e especializadas por leis complementares. Destarte, a legislação não especifica o que é considerado como vazio urbano nem solo urbano não ocupado ou subutilizado, tornando o instrumento inaplicável em relação a espacialização de outros vazios urbanos. Também não foi encontrada nenhuma lei aprovada que espacializa novos vazios urbanos no período ente 2008 a 2018.
Uma tipologia de vazio urbano recorrente em Bauru são os loteamentos aprovados e não implantados em sua totalidade. Tais vazios são considerados pelo município como “loteamentos de baixa ocupação” e estão inseridos no mapa da base territorial municipal mesmo sem existir fisicamente ou existem com infraestrutura viária precária com pouquíssimos lotes ocupados.
Expansão urbana e formação de vazios urbanos em São José do Rio Preto
O processo de expansão urbana em São José do Rio Preto alavancou principalmente após meados do século 20, com a transição rural-urbana e o desenvolvimento da agroindústria local. Atualmente o município é polo comercial, de serviços e centro de ensino e pesquisa. Estima-se o crescimento de, aproximadamente, 45% da mancha urbana na década de 1960, mais 60% na década de 1970, 48% na década de 1980 e 38% nos anos de 1990 (21), acompanhando a taxa de crescimento anual da população urbana de cerca de 4,9% (1960), 4,9% (1970), 4,4 (1980) e 2,0% (1990) (22). Em Rio Preto, a partir da década de 1970, sobretudo nos anos 1980 e 1990, a expansão urbana periférica ocorreu através da implantação de loteamentos irregulares na área rural com ocupações tanto de baixa renda como de alta renda (chácaras de recreio).
A legislação urbanística municipal de Rio Preto mostra-se conivente em relação as demandas do mercado imobiliário desde a década de 1950. A primeira lei de Zoneamento e Parcelamento do solo (23) não continha diretrizes nem especificações para a ocupação da área urbana e permitia lotear fora do perímetro urbano. Em 1965 houve uma revisão da referida lei (24) que possibilitava o arruamento de “uso não agrícola” na Zona Agrícola abrindo brechas para a ocupação na área rural que eram inclusas no perímetro urbano a posteriori. Em 1984 a lei foi revisada (25) e novamente permitia a implantação de loteamentos na área rural na figura de “loteamento de chácaras de recreio na zona rural”, modalidade inexistente na lei Federal nº6.766/79 (26). Na década de 1990 foi aprovada mais uma lei de parcelamento (27) que instituía a modalidade “loteamento fechado” e “loteamentos em sistemas de condomínio”.
A lógica de expansão urbana de São José do Rio Preto ocorre mediante ampliação do perímetro urbano conforme a demanda do mercado, uma vez que tanto as leis de zoneamento e parcelamento do solo como o Plano Diretor não definem áreas de expansão urbana e propícias à ocupação. A câmara municipal aprovou o equivalente a 40 leis de ampliação de perímetro urbano entre 1960 e 2000 e mais 128 leis entre 2000 e 2018, sendo que 110 ampliações ocorreram após a aprovação do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável (28).
O Plano Diretor aprovado em 2006 também contém objetivos e diretrizes conforme disposto no Estatuto da Cidade, propondo o cumprimento da função social da propriedade. Apesar de não explicitar o combate à especulação imobiliária o município adota os instrumentos de Parcelamento, edificação e utilização compulsório, IPTU progressivo e Desapropriação com pagamentos em títulos. O Plano define como:
- solo urbano não edificado “os terrenos e glebas, de um mesmo proprietário, com área superior a 2500,00 m² [...] localizados no perímetro urbano, quando o coeficiente de aproveitamento utilizado for igual à zero (Art. 31º);
- como solao urbano subutilizado “os terrenos e glebas com área igual ou superior a 400,00 m² localizados no perímetro urbano, quando o coeficiente de aproveitamento não atingir o mínimo de 0,2, ou quando a área reflorestada nos terrenos e glebas não atingir 20% do total da área” (Art. 31º);
- e, solo urbano não utilizado “todo tipo de edificação que esteja comprovadamente desocupada há mais de dois anos [...] ressalvados os casos de imóveis integrantes de massa falida.
O Plano Diretor estipula o prazo de um ano, a partir da notificação municipal, para o proprietário protocolar o pedido de aprovação e execução de parcelamento ou edificação, mais dois anos a partir da aprovação do projeto para iniciar as obras, sem estipular um prazo para findá-las (Art. 32). Em descumprimento desses prazos, serão aplicados o IPTU Progressivo no tempo e a desapropriação como pagamento a títulos. Contudo o Plano Diretor não espacializa os vazios urbanos em mapas e anexos.
A base territorial de Rio Preto possui poucos vazios inseridos dentro do perímetro urbano, na medida em que, a área urbana se assemelha a uma “colcha de retalhos” composta por múltiplos fragmentos urbanos em torno da mancha principal. Dessa forma, as glebas intersticiais aos núcleos urbanos são consideradas rurais por estarem dispostas fora do perímetro urbano, mesmo que inseridas na área de expansão urbana. Apesar de serem dotados de infraestrutura urbana, tais vazios não são passíveis de aplicação dos instrumentos constante no Plano Diretor.
Aqui, cabe uma ressalva sobre o processo de produção da legislação urbanística de São José do Rio Preto especialmente ao contexto de aprovação do último Plano Diretor a fim de explicitar a forma resultante do mapa de perímetro urbano. Disposto na conjuntura das diretrizes do Estatuto da Cidade, houve a tentativa de elaboração de um mapa de macrozoneamento, com a divisão de seis macrozonas embasado na capacidade de suporte do solo. Entretanto, tal mapa nunca foi aprovado por lei. O zoneamento vigente foi aprovado em 1992 e não mais corresponde a realidade do município. Devido à ausência de um macrozoneamento e a anexação de áreas urbanas ao perímetro conforme a demanda do mercado, não existem vazios legalmente urbanos em São José do Rio Preto, mesmo que existam áreas infraestruturadas no rural.
Conclusões
Vazios urbanos apresentam-se como processo e produto da urbanização contemporânea, sobretudo da dispersão urbana caracterizada pelo crescimento horizontal e pela formação de um território descontínuo, espraiado e fragmentado. Na análise da expansão urbana nos municípios de Piracicaba, Bauru e São José do Rio Preto constatou-se três tipologias de “vazios urbanos”: vazios urbanos não parcelados ou periféricos (Piracicaba e Bauru), vazios urbanos legalmente parcelados (Bauru) e vazios rurais dotados de infraestrutura urbana (São José do Rio Preto).
Desde o final da década de 1980, os vazios urbanos são reconhecidos como objetos de desequilíbrio intraurbano por não cumprir a função social da cidade e da propriedade. Dessa forma, em 2001 o Estatuto da Cidade coloca-se como importante marco jurídico no âmbito do planejamento urbano, justamente por regularizar e detalhar os instrumentos de política urbana, dentre eles, o Parcelamento, Edificação e utilização compulsória, o IPTU Progressivo no Tempo e a Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública. No caso das “cidades que parcelam” (29), ou seja, aquelas que tem na abertura de novos parcelamentos a sua principal forma de urbanização, são notórias as resistências na aplicação dos instrumentos de reversão aos vazios.
Em Piracicaba, apesar do município conter significativo número de terrenos vagos em área urbanizada, a principal tipologia de vazio urbano são as terras não parceladas, oriundas da transformação da terra rural em urbana. A cidade conta com um Plano Diretor bem estruturado, nos moldes do Estatuto da Cidade, inclusive com especificação clara do que é considerado como vazio urbano. Contudo o mesmo vem sendo descaracterizado por leis complementares de ampliação do perímetro urbano formando novos vazios. No caso dos instrumentos não houve aplicação nem notificação de proprietários.
Em Bauru, existe a tipologia de vazios urbanos tanto de gleba como de lotes. Estes últimos são oriundos de parcelamentos aprovados e não executados em sua totalidade não sendo reconhecidos pelo município, no mapa de vazios urbanos. O Plano Diretor de Bauru inclui os instrumentos de forma genérica, sem especificar o que é considerado como imóvel não utilizado ou subutilizado, impossibilitando a identificação de novos vazios e tornando a lei inaplicável. Entretanto, este foi o único município que fornece a especialização dos vazios urbanos e os instrumentos urbanísticos que devem ser aplicados.
Em São José do Rio Preto, a expansão urbana ocorre através de ampliação do perímetro urbano conforme a demanda imobiliária seguindo a mesma lógica desde a década de 1950 a partir de uma expansão planejada para ocorrer de forma descontínua e fragmentada. Por conseguinte, a delimitação do perímetro urbano se assemelha a um mapa de expansão urbana com múltiplos fragmentos urbanos distantes entre si, formando vazios intersticiais que, apesar de conterem infraestrutura, não são considerados como urbanos – e sim rurais – e não são passíveis de aplicação dos instrumentos urbanísticos definidos no Plano Diretor.
Desse modo, faz-se necessária maior controle em relação a expansão da área urbana através de mecanismos que deneguem a ampliação irrestrita dos perímetros urbanos e evite a formação de novos vazios antes que os existentes sejam devidamente ocupados.
Apesar das cidades de Piracicaba, Bauru e São José do Rio Preto passarem por processos similares de expansão urbana e formação de vazios urbanos, os municípios têm especificidades que devem ser consideradas individualmente, pois cada uma possui uma tipologia de vazio urbano, bem como estratégias para sua formação e permanência.
notas
1
BORDE, Andréa de Lacerda Pessoa. Vazios urbanos: perspectivas contemporâneas. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, FAU UFRJ, 2006.
2
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Loteamentos fechados em cidades médias paulistas – Brasil. In SPOSITO, Eliseu Savério; SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; SOBARZO, Oscar (Org.). Cidades médias: Produção do espaço urbano e regional. São Paulo, Expressão Popular, 2006, p.175-197.
3
ROLNIK, Raquel (Org.). Câmara dos Deputados. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília, Coordenação de Publicações, 2002.
4
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Loteamentos fechados em cidades médias paulistas (op. cit.).
5
Idem, ibidem.
6
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo, Hucitec, 1997.
7
DE MATTOS, Carlos A. Redes, nodos e cidades: transformação da metrópole latino-americana. In Ribeiro, L. C. Q. (Org.). Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo/ Rio de Janeiro, Editora Fundação Perseu Abramo/ Fase, 2004, p. 157-196.
8
SINGER, Paul. Uso do solo urbano na economia capitalista. In MARICATO, Ermínia (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Omega, 1982.
9
TEIXEIRA, Tatiana; FURTADO, Fernanda. Reinserção de Vazios Urbanos: diretrizes para a política urbana municipal, a partir do caso de Juiz de Fora /MG. In Anais do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, n. 1., 2010, Rio de Janeiro/São Paulo, 2010.
10
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal, 1988 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
11
TEIXEIRA, Tatiana; FURTADO, Fernanda. Reinserção de Vazios Urbanos: diretrizes para a política urbana municipal, a partir do caso de Juiz de Fora /MG (op. cit.).
12
Os cálculos foram realizados através da área dos polígonos referente ao perímetro urbano disponibilizado em arquivo DWG pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba em 2016.
13
CÂMARA MUNICIPAL DE PIRACICABA. Lei Complementar nº 186, aprovada em 10 de outubro de 2006. Aprova o Plano Diretor de Desenvolvimento do Município de Piracicaba, cria o Conselho da Cidade, revoga a Lei Complementar nº 46/95 e suas alterações e dá outras providências.
14
PÓLIS. Relatório 1 – Leitura Técnica e Participativa. Revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento de Piracicaba. Piracicaba, Pólis, 2003.
15
CÂMARA MUNICIPAL DE PIRACICABA. Projeto de Lei Complementar nº. 05/16 de 29 de janeiro de 2016 <http://siave.camarapiracicaba.sp.gov.br/arquivo?Id=283888>.
16
É importante salientar que a figura 3 é elaborada exclusivamente pelos autores através do cruzamento dos dados sobre vazios urbanos com o zoneamento urbano municipal, ambos disponibilizados pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba. A prefeitura não tem um mapa que especializa os locais passíveis de aplicação dos instrumentos urbanísticos.
17
OTERO, Estevam V. Reestruturação urbana em cidades médias paulistas: a cidade como negócio. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2016.
18
A expansão da mancha urbana se refere ao crescimento da ocupação real do solo e não do perímetro urbano já que o mapa de evolução do perímetro urbano não foi cedido pelo município. Os cálculos foram realizados través da base DWG disponibilizada pela Secretaria de Planejamento de Bauru.
19
CÂMARA MUNICIPAL DE BAURU. Lei nº 5631, aprovada em 22 de agosto de 2008. Institui o Plano Diretor Participativo do Município de Bauru <http://hotsite.bauru.sp.gov.br/planodiretor/lei.aspx>.
20
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Constituição Estadual de 1989 <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/constituicao-0-05.10.1989.html>.
21
O cálculo sobre crescimento da mancha urbana por década considera apenas o crescimento real da malha (mapa de evolução da mancha urbana, Secretaria de Planejamento Urbano, 2012), uma vez que não foi disponibilizado o mapa de evolução do perímetro urbano.
22
Censo demográfico. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1960/ 1970/ 1980/ 1990.
23
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Lei Ordinária nº 535, aprovada em 25 de fevereiro de 1958. Aprova o zoneamento e respectiva regulamentação, de usos, ocupação do solo e volumes das edificações, conforme especifica.
24
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Câmara Municipal. Lei Ordinária nº 1143, aprovada em 20 de novembro de 1965. Aprova o presente Zoneamento e respectiva regulamentação, de Uso, Ocupação do Solo e volumes das edificações, nas diversas zonas em que fica dividido o município.
25
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Câmara Municipal. Lei Ordinária nº 3504, aprovada em 19 de outubro de 1984. Dispõe sobre o Zoneamento, Uso e Ocupação Do Solo.
26
BRASIL. Lei federal nº 6.766, aprovada em 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Brasília, DF.
27
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Lei Ordinária nº 5138, aprovada em 28 de dezembro de 1992. Aprova a lei de Parcelamento do Solo, em cumprimento aos objetivos e diretrizes do Plano Diretor de Desenvolvimento, conforme especifica.
28
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Câmara Municipal. Lei Complementar nº 224, aprovada em 06 de outubro de 2006. Dispõe dobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de São José do Rio Preto.
29
LEONELLI, Gisela Cunha Viana. Loteamentos e condomínios: lei para que? Lei para quem? Mas qual lei? In Anais do 14º Enanpur, Recife, 2013. p. 1217-1225.
sobre os autores
Amanda Carvalho Maia é doutoranda em Arquitetura, Tecnologia e Cidade (PPG ATC FEC Unicamp). Mestre em Arquitetura, Tecnologia e Cidade na mesma instituição (2019). Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Metodista de Piracicaba (2016). Pesquisa do Grupo de Pesquisa em Estudos de Urbanização e Regularização Urbana (CNPq). Atua na temática de expansão urbana e em cidades médias paulistas.
Gisela Cunha Viana Leonelli é docente do Curso de Graduação e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Civil (FEC Unicamp). Lider do Grupo de Estudos de Urbanização e Regulação Urbana. Tem realizado pesquisas, atividades de ensino e extensão nos temas: fundamentos e instrumentos de planejamento urbano, história da regulação urbanística, gestão e politicas urbano-ambientais, com ênfase em parcelamento do solo urbano.