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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
A crise de covid-19 possibilitou uma reflexão sobre as condições de desenvolvimento social e ambiental nas cidades que vivemos, e quais os desafios do arquiteto urbanista na construção de uma cidade socialmente mais justa.

english
The Covid-19 crisis allowed the discussion about social and environmental development in the cities we live in and the challenges of architects and urban planners to build a fairer city for everyone.

español
La crisis del Covid-19 permitió discutir el desarrollo socioambiental de las ciudades en las que vivimos y los desafíos de los arquitectos y urbanistas en la construcción de una ciudad más justa para todos.


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SARMENTO, Thaisa Sampaio; LÔBO, Mariana L. Lopes; CAVALCANTE, Morgana Maria Pitta Duarte. Desafios para arquitetos urbanistas na construção de uma cidade socialmente sustentável no pós-pandemia de Covid-19. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 252.03, Vitruvius, maio 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/21.252/8070>.

O contexto pandêmico compeliu o mundo à uma abrupta redução de usos dos espaços urbanos dispensando, ainda que temporariamente, as interações presenciais. No entanto, os deslocamentos físicos foram imediatamente substituídos pela movimentação virtual, nos levando a refletir sobre a vida social e urbana no futuro pós-pandemia. Problemas urbanos e arquitetônicos sempre existiram, mas a crise atual nos leva a repensar sobre a qualidade dos espaços que desejamos vivenciar, e que queremos deixar para as próximas gerações. De fato, essa ruptura de rotina nos conduziu a refletir sobre o papel da casa, da cidade e das relações sociais que acontecem nesses lugares. Enquanto arquitetos, devemos pensar sobre que espaços estamos projetando para as outras pessoas. Qual o papel do arquiteto urbanista em meio a essa crise sanitária? Que esforços devemos tomar para contribuir com a melhoria real na qualidade da vida nas cidades brasileiras?

Num cenário de fortalecimento de um pensamento decolonial, que visa a libertação intelectual e criativa, baseada em conceitos de valorização de saberes do lugar, a profissão do arquiteto e urbanista também passa por questionamentos. Levanta-se a discussão sobre a universalidade e neutralidade da ciência no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil (1). Concordamos com a abordagem questionadora sobre tudo aquilo que está fora do ensino formalmente reconhecido e canônico é desqualificado, desprezado e invisibilizado de modo irreversível (2). Vemos a necessidade de ampliarem-se horizontes de discussão, saindo do saber formal e chegando aqueles que fazem a cidade acontecer: as pessoas, os construtores que, no dia a dia, edificam os espaços onde vivemos, muitas vezes sem o acompanhamento de profissionais especializados.

Há qualidade e equidade para os moradores urbanos na atualidade? O que fizemos enquanto profissionais responsáveis pela elaboração dos espaços para uma real qualidade da vida urbana? São perguntas que remetem ao fazer profissional do arquiteto e urbanista diante do cenário de incertezas no pós-pandemia. Este artigo dedica-se a refletir sobre o papel do arquiteto urbanista na produção dos espaços contemporâneos de viver, habitar e trabalhar. Buscou-se levantar reflexões acerca dos desafios urbanos deste profissional, a fim de colaborar com a construção de uma cidade socialmente mais sustentável e inclusiva.

Fazer Arquitetura como propósito social

O propósito de uma edificação é abrigar seus usuários enquanto realizam suas atividades, sejam cotidianas, de trabalho, de lazer, de descanso, e vivendo suas vidas, nos diferentes locais de moradia e de convívio social (3). Os lugares da vida cotidiana permitem compreender como diferentes processos e coisas se combinam para constituir o mundo experienciado pelas pessoas (4). O lugar de realização de atividades humanas, enquanto produto do trabalho do arquiteto urbanista assume uma concepção abstrata e ao mesmo tempo viva, em constante modificação, a partir da vivência, dos usos e das interações humanas. Entendendo as realidades empíricas de ambientes experimentados e as práticas que as pessoas que fazem parte deles, compartilhamos dos seguintes pressupostos:

A percepção humana é o centro da compreensão de lugar;

Os espaços podem ser eventos temporais, não sendo apenas delimitações físicas, envolvendo o tempo e os contextos social e cultural; e

As pessoas são organismos que fazem parte do ambiente em que vivem e trabalham, incluindo as diversas formas de contextualização.

Ao estudarmos lugares vividos, ao projetarmos novos espaços, estamos exercendo influência sobre os três componentes do lugar (5), já que lugares estariam definidos as relações entre: forma, atividade e concepção.

Diagrama dos componentes do lugar
Elaborado a partir de Descolonizando o ensino de estruturas em arquitetura [Arquitextos n. 228.02, mai.2019]

A definição de lugar envolve a percepção de suas potencialidades para a realização de experiências (6), ou seja, o lugar tem um significado simbólico para seus usuários (7), além das suas funções físicas e funcionais.

Repetindo tendências globais descontextualizadas, desprezando o conhecimento empírico ou culturalmente situado, muitos profissionais agem de forma a seguir o molde modernista racionalista, totalmente deslocado sobre o reconhecimento da diversidade social ou sobre o desenvolvimento sustentável, para seu lugar de intervenção projetual. Nesse sentido, considera-se a indissolubilidade e a simultaneidade entre teoria e a prática no trabalho do arquiteto (8), como a base da responsabilidade da produção de um espaço justo, equilibrado, acessível e adequado às reais necessidades humanas, individuais ou coletivas dos grupos sociais para os quais projetamos.

No início da crise sanitária, percebemos as implicações sociais do ‘fique em casa’ e ‘lave suas mãos’ no Brasil (9). Considerando essas reflexões, concordamos que a restrição de circulação nos espaços públicos e coletivos impactaram (num primeiro momento) numa menor visualização e discussão dos problemas relativos ao viver em ambiente urbano. Vimos menos congestionamentos, menos poluição, menos lixo, mais natureza e esperança de melhoria humana.

Em contrapartida, com o passar dos meses, dados científicos mostraram os impactos degradantes da pandemia sobre os problemas urbanos (10), com destaque para a população global mais vulnerável, que habita as regiões metropolitanas em todo o mundo.

Situações agravadas pela crise da pandemia de Covid-19 em 2020
Elaboração dos autores a partir de Strategic Plan 2020–23 [unhabitat.org]

 

Para além da crise global, vivemos no Brasil uma grave crise política, que potencializa as fragilidades sociais, o desemprego, a miséria, a exploração e a insegurança social. Num país em que os investimentos sociais não correspondem à demanda populacional, é mais urgente uma transformação urbana para responder aos impactos urbanos em decorrência do Covid-19. Para que haja condições de vida segura e salubre para a população, recomenda-se que as cidades deveriam ser mais resilientes, inclusivas e sustentáveis (11). De fato, surtos de doenças anteriores, a exemplo da epidemia de gripe (1918), geraram várias transformações urbanas positivas – como a introdução de sistemas de esgoto e redução de superlotação. Mesmo diante desse histórico, não há um planejamento para melhorias urbanas, no pós-pandemia no Brasil.

Tendências e desafios da atuação profissional

Ao longo do século 20, por influência dos processos de industrialização, a tarefa de construir tornou-se cada vez mais complexa (12), sendo enriquecida por normas, regras, detalhes e parâmetros projetuais, enfatizando o papel do profissional arquiteto e urbanista, na transmissão do projeto, por meio da linguagem gráfica, dispensando-o da presença em tempo integral no local da obra. Destaca-se que o distanciamento entre projetista e usuário é visto até hoje, especialmente quando se trata de projetos para uso público, em que tratam de usuários padronizados, sem face, sem descrição de caracteristicas, necessidades e anseios (13). Numa abordagem contemporânea, o ser humano deve ser incluído no processo de pensar a elaboração do ambiente construído, para que suas necessidades físicas e emocionais sejam consideradas (14) a fim de obter-se maior satisfação e eficiência dos ambientes, para esses usuários (15).

Na contemporaneidade, a ferramenta digital de projeto auxiliado por computador viabilizou de maneira superior o processo de desenvolvimento do projeto, tornando-o bem mais complexo. As ferramentas digitais promovem maior autonomia no ato de projetar e de gerir a informação do projeto, possibiltando melhor simular a realidade(16). Apesar disto, o distanciamento entre projetistas (gestor do conhecimento) e usuários (experientes no uso dos ambientes) ainda persiste. Grande parte das edificações de uso coletivo, ou público, é encomendada a arquitetos e designers por gestores e clientes institucionais, que não são os usuários finais(17), contribuindo para esse distanciamento e a falta de informações do uso das edificações, aqueles que estão na função de projetar novos ambientes.

Segundo o Censo de Arquitetos e Urbanistas do Brasil (18), existem mais de 83 mil profissionais atuando no mercado brasileiro. Desse total, a maioria atuando no Sudeste (53,8%) e Sul (22,6%) do Brasil. Há uma prevalência de mulheres atuando em Arquitetura e Urbanismo no Brasil, representando 61% do total de profissionais em atividade. A maior parte (66%) possui apenas a graduação, mas há muitos profissionais que realizaram cursos de pós-graduação, 25,49%. Cursos de mestrado e doutorado são menos frequentes, com taxas de 6,8% e 1,2%. Um terço (34%) dos profissionais trabalha majoritariamente com concepção de projetos. Um número menor, mas significativo, 15,88%, participa regularmente na fase de execução. A arquitetura de interiores é também uma demanda frequente, com quase 15% dos profissionais dedicados a essa área. Pequenas parcelas do total da categoria dedicam-se a atividades como planejamento urbano (3,99%) e paisagismo (3,36%).

Esses dados mostram poucos impactos do trabalho dos arquitetos e urbanistas nas realidades dos municípios em que atuam, mas diante dos baixos percentuais de profissionais ligados a atividades de planejamento urbano e paisagismo, podemos verificar a carência de ações voltadas ao pensamento da qualidade social e ambiental das nossas cidades. É preciso ter mais informações sobre as demandas municipais e estaduais, em forma de políticas públicas de intervenção em desenvolvimento urbano e assessoria técnica para que o trabalho dos arquitetos e urbanistas chegue realmente aonde é necessário. Nesse sentido, há muito a ser feito nesse campo no Brasil. Apesar de sabermos que há uma preocupação geral em relação ao bem-estar social, não há dados suficientes para concordar que a produção profissional vem sendo feita como recomendada pela ONU, vislumbrando o atendimento aos requisitos dos ODS para as cidades e populações mais vulneráveis.

Sustentabilidade social e a produção das cidades

O conceito de desenvolvimento sustentável implica em atender às necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras. Considera-se o ciclo de vida da edificação, desde projeto, construção, utilização, demolição e reciclagem (19). A sustentabilidade é socialmente relacionada, pois:

“O impacto da edificação na saúde física e mental de seus usuários, aumento da equidade social, questões culturais e de patrimônio, tradições e infraestrutura social (20).

Em 2015, vislumbrando o agravamento ascendente da crise ambiental, a Conferência da ONU estabeleceu 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para o mundo, num cenário para 2030. Dentre eles estão: acabar com a pobreza, com a fome e a desnutrição, promover o bem-estar para todos, a educação inclusiva, assegurar a gestão sustentável da água e o saneamento, assegurar o acesso à energia, promover o crescimento sustentado, inclusivo e sustentável e o pleno emprego, entre outros. Dentre esses objetivos, destacamos o ODS 11 por impactar diretamente nas discussões deste artigo:

  • ODS 11: Cidades e Comunidades SustentáveisTornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, dividido em 07 metas e seus indicadores. No Brasil, associa-se essa ODS às estratégias nacionais para: seguir o Plano Nacional de Habitação, com atenção a grupos em vulnerabilidade(21); promover a acessibilidade e a mobilidade urbana sustentáveis, com especial atenção às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida; promover a gestão participativa, integrada e sustentável de assentamentos humanos; promover acesso universal aos espaços públicos e seguros, inclusivos e verdes; promover construções sustentáveis, robustas e com recursos locais.

Proporção da população urbana vivendo em assentamentos precários, informais e inadequados
Elaboração dos autores a partir de Objetivos do desenvolvimento sustentável [ipea.gov.br]

É comum profissionais de arquitetura e urbanismo associarem sustentabilidade apenas ao contexto ambiental, dado a uma abordagem superficial dos problemas criados pela exploração dos recursos naturais do planeta. Recentemente, um número relevante de autores na área vem trazendo a discussão dos impactos negativos da urbanização, considerando os impactos sociais do design de edificações em relação a usabilidade do ambiente construído: efetividade, eficiência e satisfação no contexto do uso (22).

Em relação ao ambiente construído, sustentabilidade social e cultural apontam para o atendimento das necessidades sociais dos usuários (23): satisfação de necessidades básicas,, continuidade cultural, bem-estar, manutenção do bem-estar social na atualidade e para o futuro, redução das desigualdades e melhoria da qualidade de vida (24).

Vivemos o período da máxima degradação ambiental provocada pelo homem no planeta, marcando a entrada na era do Antropoceno. No início do século 20, a massa de coisas criadas pelo homem pesava 35 mil milhões de toneladas (cerca de 3% da biomassa global). Desde então, a massa antropogênica cresceu exponencialmente para cerca de 1.1 biliões de toneladas. Agora, a massa total de tudo que fabricamos e construímos (pavimentação, edificações, vidro, metal, plástico, roupas, computadores etc.) acumula-se com uma taxa de 30 mil milhões de toneladas por ano, ou seja, é o equivalente a cada pessoa na Terra gerar mais do que o seu próprio peso em produtos manufaturados todas as semanas(25).

Essa cultura do consumo exacerbado se relaciona com as problemáticas da construção civil, do uso e ocupação do solo e, por outro lado, também reflete um interesse midiático em produtos e edificações mercadologicamente listados como alternativas verdes, urbanização de baixo impacto, arquiteturas bioclimáticas e holísticas, arquitetura sustentável (26).

Apesar dos conceitos iniciais sobre sustentabilidade ambiental remeterem a década de 1970, a apropriação deles na produção da cidade é bastante superficial, pois iniciativas sustentáveis são de alto custo e ainda reservadas à empreendimentos privados. Com relação ao atendimento ao chamado desenvolvimento sustentável (27), inclusive com a ampliação de suas dimensões, como a ecológica, a social, a econômica, a espacial, a territorial, a cultural, a política nacional e internacional, percebe-se a constatação ao longo dos anos, de que seu não atendimento tornou-se exacerbado agora, por ocasião da pandemia da Covid-19.

A grande maioria das cidades brasileiras está imersa em violência, degradação ambiental, insustentabilidade, desconforto e improvisação, enquanto veicula-se o discurso de uma arquitetura bonita e agradável em ações de marketing imobiliário e turístico, para uma pequena faixa social, segregada da população comum. A intensificação da comunicação em redes sociais explora o marketing imobiliário turístico e sustentável, mas na realidade, não é isso que a população vive em seu dia a dia. Há grandes avanços tecnológicos no desenvolvimento de materiais, equipamentos e soluções projetuais mais sustentáveis. No entanto, as ferramentas de avaliação de índices de sustentabilidade também são pouco difundidas entre profissionais atuantes, não havendo índices mensuráveis, do crescimento da sua utilização em todo o país. Nos últimos 10 anos, se consolidaram as seguintes certificações de sustentabilidade para edificações:

  • Selo Caixa Azul para certificação para projetos habitacionais, com seis categorias: qualidade urbana, projeto e conforto, eficiência energética, conservação de recursos materiais, gestão da água e práticas sociais;
  • Certificaçãoconcedido pelo Green Building Council Brasil (GBCB), desde 2007. Divulga-se que o Brasil é o quarto no ranking mundial de construções verdes, com mais de 1.100 empreendimentos registrados em oito tipologias construtivas; Leed | Leadership in Energy and Enviromental Design,
  • Certificação AQUA-HQE | Alta Qualidade Ambiental, certificação francesa concedida pela Fundação Vanzolini no Brasil, desde 2008;
  • Selo Procel Edifica | Eletrobrás – certificação pelo Programa Nacional de Eficiência Energética em Edificações, desde 2003;
  • Selo FSC (Forest Stewardship Council) – certificação para uso de madeira certificada, criada para promover o manejo florestal responsável.

Das certificações citadas, apenas o Selo Caixa Azul e a Certificação Leed mencionam os termos: práticas sociais, inclusão social, inovação, senso de comunidade e satisfação dos usuários enquanto categorias de classificação ou análise. Apesar dos grandes avanços científicos e teóricos, soluções sustentáveis para as cidades não podem apenas se concentrar em utilização de tecnologias para novos materiais e equipamentos. Criar interações com as comunidades em relação aos seus interesses sociais, culturais, históricos e ambientais (28) é primordial para que a tecnologia possa proporcionar inclusão social e educação ambiental para todos os cidadãos, e não estarem apenas à serviço de clientes que podem pagar por essas inovações.

O foco em atender as necessidades dos usuários implica em conhecer os hábitos e comportamentos das pessoas, que influenciam na performance energética da edificação, para que projetos sejam mais assertivos em propor soluções eficientes. O componente humano se posiciona como fator ativo na determinação da componente energético de edificações certificadas (29). Assim, considerar os usuários é essencial para projetar edificações mais sustentáveis, como importante elemento na obtenção dos objetivos da sustentabilidade.

Há um crescente interesse global por questões sociais no campo da arquitetura (30), isso contribui para uma percepção da corresponsabilidade dos arquitetos em projetar cidades e espaços construídos inclusivos e sustentáveis. São fatores fundamentais para o desenvolvimento social em arquitetura e planejamento urbano: responsabilidade com necessidades sociais, qualidade de vida, organização espacial e flexibilidade (31). Estes estudos apontaram que aumentando as possibilidades de interação social, percebe-se que os cidadãos desenvolvem maior senso de pertencimento ao lugar, de acordo com 03 fatores que deveriam ser as preocupações dos arquitetos e planejadores urbanos em seus projetos e intervenções: conexão, pertencimento e compromisso com o lugar (32), remetendo a projetos com foco nos usuários, satisfação, inclusão social e ambiental, educação ambiental e patrimonial, design participativo e melhores índices de qualidade de vida urbana.

O Fórum Econômico Mundial propõe para a próxima década uma ampla discussão, intitulada O Grande Reinício (The Great Reset), a fim de discutir toda a humanidade, sanando desigualdades sociais e econômicas, a exaustão ambiental, as doenças e os modelos institucionais e econômicos deficientes (33). O compromisso é de direcionar a economia mundial para “um futuro mais justo, mais sustentável e mais resiliente”. É uma espécie de um novo contrato social para a humanidade, centrado na igualdade racial, na justiça social e na proteção da natureza. Esses conceitos precisam ser estimulados no ensino de arquitetura e de planejamento urbano no Brasil desde já, se desejarmos formar profissionais conscientes para atuarem nesse cenário de profundas transformações pós pandemia de Covid-19. Caso contrário, estaremos assumindo o risco de aumentar ainda mais o problema de irresponsabilidade ambiental e social existente no Brasil.

Considerações finais

O desafio do século 21 para arquitetos e urbanistas envolve compreender e aplicar os conceitos de sustentabilidade social e ambiental, de modo a projetar com ganhos efetivos para a qualidade do ambiente urbano. Com a crise de Covid-19, os problemas sociais brasileiros pré-existentes tomaram grandes proporções: moradia digna, evasão escolar, desemprego, violência urbana, discriminação social, carência de serviços públicos de saúde, mobilidade e acessibilidade se agravaram, impondo aos governos soluções emergenciais.

Muito embora arquitetos e urbanistas tenham uma formação profissional voltada a combinação de conhecimentos técnicos e sociais próprios da área, há que se desenvolver a corresponsabilidade da classe para a proteção da qualidade do espaço urbano e arquitetônico, além de resistir às pressões de mercado e sobreviver à velocidade das mudanças globais. O desquite voluntário entre o pensar acadêmico e o fazer arquitetônico vem contribuindo para que as cidades brasileiras estejam atualmente desconectadas da sua função social primária: abrigar pessoas em sua essência humana e social, proporcionando-lhes serviços e condições adequadas de moradia, trabalho, educação, saúde, lazer e integração com a natureza.

Uma tomada de consciência sobre as reais necessidades sociais de nossas cidades, direcionando-nos ao empoderamento urbanístico, como um ato político que muitos arquitetos ainda não vislumbraram, com fins a atingir a sustentabilidade social das cidades. Cabe aos arquitetos tomarem posse desses princípios e atuarem politicamente, e efetivamente, na implantação deles em seus projetos e contratos.

notas

1
MOASSAB, Andréia; CUNHA, Gabriel. Descolonizando o ensino de estruturas em arquitetura. Uma proposta a partir da experiência na Unila. Arquitextos, São Paulo, ano 19, n. 228.02, Vitruvius, maio 2019 <https://bit.ly/3aYgxzH>.

2
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo. São Paulo, Cortez, 2006.

3
BLAKSTAD, Siri H.; HANSEN, Geir K.; KNUDSEN, Wibeke. Methods and tools for evaluation of usability in buildings. Usability of workplaces – part 2. Rotterdam, Sintef/NTNU, 2008.

4
PINK, Sarah. Situating everyday life, practices and places. London, Sage, 2012.

5
CANTER, David. The psychology of place. Londres, Architectural Press, 1977.

6
CASTELLO, Lineu. Repensando o lugar no Projeto Urbano: variações na percepção de lugar na virada do milênio (1985-2004). Tese de doutorado. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2005.

7
MALARD, Maria Lucia. As aparências em arquitetura. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2006.

8
CALDANA, Valter. Pesquisa em projeto de Arquitetura e Urbanismo: caminhos. Cadernos de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, v. 12-1, São Paulo, 2012, p. 148-164.

9
OLIVEIRA, Roseline Vanessa Santos; GUDINA, Andrej Alexander Barbosa. Fique em casa e lave suas mãos. Notas sobre a cidade do não-circular. Arquitextos, São Paulo, ano 20, n. 239.01, Vitruvius, abr. 2020 <https://bit.ly/3eUhURr>.

10
UN-HABITAT. Strategic Plan 2020–23. Nairobi, Unhabitat.org., s/d <https://bit.ly/3efO3U4>.

11
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Nova York, ONU, 2015 <https://bit.ly/3eNl8Gd>.

12
LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. São Paulo, Oficina de Textos, 2011.

13
SARMENTO, Thaisa Sampaio; VILLAROUCO, Vilma. Projetar o ambiente construído com base em princípios ergonômicos. Ambiente Construído, v. 20, n. 3, Porto Alegre, jul./set. 2020, p. 121-140 <https://bit.ly/3vEmBFs>.

14
ATTAIANESE, Erminia; DUCA, Gabriella. Human factors and ergonomic principles in building design for life and work activities: an applied methodology. Theoretical Issues in Ergonomics Science, v. 13, n. 2, mar./ apr. 2012, p. 187-202.

15
ATTAIANESE, Erminia; ACIERNO, Antonio. La progettazione ambientale per l’inclusione sociale: il ruolo dei protocolli di certificazione ambientale. Téchne, n. 14, Firenze University Press, 2017,p. 76-87.

16
PICON, Antoine. A arquitetura e o virtual: Rumo a uma nova materialidade. In SYKES, A. K. O campo ampliado da arquitetura. São Paulo, Cosac Naify, 2013, p. 205-220.

17
SARMENTO, Thaisa Sampaio; VILLAROUCO, Vilma. Op. cit.

18
CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO BRASIL. Censo de Arquitetos e Urbanistas do Brasil. Brasília, CAU BR, 2015 <https://bit.ly/3egkgeh>.

19
MÜLFARTH, ‪Roberta Consentino Kronka. A sustentabilidade e arquitetura. Revista AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 147, São Paulo, 2006.

20
BERARDI, Umberto. Sustainability assessments of buildings, communities, and cities. In KLEME, J.J.(Org.). Assessing and Measuring Environmental Impact and Sustainability. Oxford/Waltham, Butterworth-Heinemann, 2015, p. 497-545.

21
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Objetivos do desenvolvimento sustentável. Ipea, Brasília, 2019 <https://bit.ly/3aZYMQB>.

22
ABDUL-GHANI, A. A.; HAMID, M. Y.; HARUN, S. N.; MOHD-NOOR, N. Towards usable malaysian shopping centre. Procedia Engineering, v. 20, Oxford/Waltham, Elsevier, 2011, p. 496-504; HATIPOĞLU, Kalfaoglu. Understanding Social Sustainability in Housing from the Case Study Wohnen mit uns in Vienna. International Journal of Architecture & Planning, v. 5, n. 1, 2017, p. 87-109.

23
AL-JOKHADAR, Amer; JABI, Wassim. Applying the Vernacular Model to High-Rise Residential Development in the Middle East and North Africa. International Journal of Architectural Research, v. 11, n. 2, 2017, p. 175-189.

24
GHAHRAMANPOURI, Amir; LAMIT, Hasanuddin; SEDAGHATNIA, Sepideh. Urban social sustainability trends in research literature. Asian Social Science, v. 9, n. 4, 2013, p. 185-193; PARJANEN, Satu; HYYPIÄ, Mirva; MARTIKAINEN, Suvi-Jonna; Hennala, Lea. Elements of socially sustainable innovation processes in Finnish urban development. Sustainable Development, jan. 2018, 2018, p. 1-8.

25
STONE, Maddie. Os materiais de fabrico humano têm agora o mesmo peso de toda a vida na Terra. National Geographic, seção Meio Ambiente, São Paulo, 14 dez. 2020 <https://bit.ly/3380s6t>.

26
GONÇALVES, Joana Carla Soares. Sustentabilidade urbana é tema de artigo de Joana Gonçalves. Revista AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 212, São Paulo, 2011.

27
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro, Garamond, 2002.

28
BAPER, Salahaddin Yasin; RASHID, Saya Jamal. The Impact of Sustainability Factors on the usability of residential spaces. International Transaction Journal of Engineering, Management, & Applied Sciences & Technologies. v. 9, n. 4, 2018, p.271-281.

29
GRAM-HANSSEN, Kirsten. New needs for better understanding of household’s energy consumption – Behaviour, lifestyle or practices? Architectural Engineering and Design Management, v. 10, n. 1-2, 2014, p. 91-107.

30
SECCHI, Bernardo. La città dei ricchi e la città dei poveri. Laterza, Roma-Bari, 2013.

31
AL-JOKHADAR, Amer; JABI, Wassim. Applying the Vernacular Model to High-Rise Residential Development in the Middle East and North Africa. International Journal of Architectural Research, v. 11, n. 2, 2017, p. 175-189.

32
BAPER, Salahaddin Yasin; RASHID, Saya Jamal. Op. cit.

33
DEWEIK, Sabina. 2021 e as próximas décadas: o grande Reinício. O futuro das coisas, coluna Inovação, 14 nov. 2020 <https://bit.ly/3eTpuvg>.

sobre as autoras

Thaisa Sampaio Sarmento é arquiteta e urbanista (2002), mestre em Arquitetura e Urbanismo (2006) e, doutora em Design (2017). É professora efetiva da UFAL desde 2006, lecionando projeto de Arquitetura e Design de Interiores. É líder do grupo de pesquisa Idea – Interseções entre Design e Ambiente Construído na FAU UFAL, e desenvolve pesquisas em ergonomia do ambiente construído e acessibilidade.

Mariana L. Lopes Lôbo é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Alagoas, é mestre pelo Programa de Pós Graduação de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente, ela é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas, e desde 2018, ensina projeto de arquitetura e urbanismo no Centro Universitário Mário Pontes Jucá, em Maceió, Alagoas.

Morgana Maria Pitta Duarte Cavalcante é arquiteta e urbanista (1990), mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (2000) pela Universidade Federal de Alagoas e doutora em Arquitetura e Urbanismo com focus em Projeto de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie(2014). É professora e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do PPGAU da Universidade Federal de Alagoas.

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252.03 sustentabilidade e Covid-19
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252.00 urbanização

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252.01 sustentabilidade

Cultura e desenvolvimento sustentável

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