“Holly veio de Miami, Flórida
Atravessou os EUA pegando carona
Depilou as sobrancelhas no caminho
Raspou as pernas e então ele virou ela”.
Lou Reed (1)
Vamos caminhar?
Esse texto procura enunciar alguns compromissos da caminhografia urbana, tecendo a linha epistemológica que contribui, e lança pistas para todos os corpos que queiram caminhar, registrar, jogar e criar com a cidade. Compartilha também os registros, acertos e inventividades, apreendidos durante à disciplina Caminhografia Urbana (2), ministrada no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo — Prograu, no ano de 2019 e 2022; do projeto de pesquisa Travessias na Fronteira Brasil-Uruguay (3) e o projeto de extensão FAUrb no Bairro (4), todos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo — FAUrb, da Universidade Federal de Pelotas — UFPel.
Caminhar como prática social, ética e estética. Caminhar para ler e escrever a cidade. Caminhar para chegar a outro lugar, mas onde? Mais do que uma forma de locomoção, a caminhada é uma proposta de experiência (5). Uma fórmula simbólica que permite que um corpo se desloque, mas também habite o mundo e com ele interaja diretamente. Temos entendido que percorrer as ruas, vias, entrepontos e espaços com o corpo à prova e com à atenção à espreita é uma tática de alteridade. Uma possível pedagogia de articulação das demandas e singularidades que compõem a cidade. Pergunta-se “Como é a caminhografia urbana?” para dizer a respeito do seu funcionamento, da sua composição e consequentemente da política exercida pelo/no ato de caminhar e mapear.
Durante a caminhografia, a estrutura de funcionamento das cidades sentida ao caminhar, por vezes se rompe, e acaba por cartografar camadas não representadas, que tem o poder de questionar as estabilidades, as organizações e o próprio urbanismo a partir da imanência das contradições. São muitas dúvidas, multiplicadas, por infinitos encontros e desencontros. O que vejo quando caminho? O que sinto? Por onde vou? O que me proporciona a mudança de direção? Nessa possibilidade de habitar um mundo complexo e dinâmico, e na evidente urgência de mapeá-lo para apreendê-lo, a caminhografia urbana surge como prática corpórea que visa o registro inscrito (6) da experiência urbana na contemporaneidade.
Inscrever-se na cidade é deixar-se atravessar por seus acontecimentos: jogar com suas ruas, com seus usos dissonantes e múltiplos, com seus habitantes. Esses atravessamentos são chamados de afectos e perceptos (7): tudo que rompe com os signos que guiam a ação e o pensamento, o que causa uma mudança sentida no corpo e na alma e que gera uma desterritorialização da caminhógrafa no cosmo de sua pesquisa. O que gera um novo pensar e um movimento possível de criação a partir da heterogeneidade. Em vias de um desvelamento de possibilidades para o pensamento, para o planejamento e a intervenção em cidades, a caminhografia se alarga e ganha consciência política. Mas como caminhar pela cidade? Como intervir, jogar, desvendar e criar a cidade na cidade?
Aproximando-se da cartografia deleuze-guattariana e das derivas letristas e situacionistas que caminhavam em Paris e das transurbâncias do grupo Stalker (8); as muitas experiências do grupo de pesquisa Cidade+Contemporaneidade (9) vem investigando a cidade, o cartografar e a caminhar desde 2011, em projetos de pesquisa, ensino e extensão a níveis de graduação e mestrado.
Após diversas cartografias caminhadas pelos centros, bordas e espessuras de fronteira, acredita-se que a essência da caminhografia urbana é registrar a cidade pormenorizada, cotidiana e usual, como prática pedagógica. Caminhar pela cidade, deixando-se atravessar pelos acontecimentos e situações ordinárias que acontecem nela para além da funcionalidade planejada. É estar perto do disforme, excêntrico, dos fluxos, invisibilizado que pode contribuir com a descentralização e pluralização dos debates que recorrentemente se dão a partir do espaço fixado.
A caminhografia urbana é antropofágica (10), um exercício de comer a cidade, aproximar-se, pisar no solo, sentir as paredes, as pessoas e a vida. Come-la. Digeri-la. Regurgitá-la. Transbordar. E por esses fluxos e resistências, criar na e com a cidade. Caminhografar é habitar um corpo social à margem da velocidade contemporânea, sem a necessidade de suprir a função econômica e utilitarista que contribui para as dinâmicas citadinas É caminhar para sentir, mapear e transbordar. Mapear para compreender. É pronunciar uma narrativa da experiência atenta, onde as diferentes vidas e modos de viver possam ser percebidos, assimilados e integrados à leitura formal da cidade. Caminhografar a cidade, registrando o que pede passagem, jogando e criando novas possibilidades de apresentação do espaço público em recorrente conflito. Experimentando a cidade em seus tempos e temporalidades, leis e transgressões e percebendo seus sedentarismos e nomadizações.
Cartografia
A cartografia, como perspectiva de construção de realidade apresentada por Gilles Deleuze e Felix Guattari, propõe uma forma aberta de assimilação do pensamento e de posição do mundo. É rizomática pois parte do princípio de que tudo se conecta e de que as disciplinas que compõem a realidade possuem múltiplas entradas de agenciamentos. “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (11). Assim, a cartografia se propõe como uma ferramenta de resistência e compreensão perante as máquinas hierárquicas que explora os desejos e pensamentos que constroem a conexão entre corpos. Se afastando de tudo o que se propõe como universal e unitário, ela inaugura a possibilidade de construção de um mapa processual ao se aproximar do que já está em curso (a vida), para a partir disso, definir suas metas e reorientar seus pensamentos.
Assim,compreende que:
“O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação” (12).
O mapa se abre ao acaso, ao múltiplo, ao indefinido e por isso pode ser composto por narrativas, imagens, escritas, desenhos, vídeos e outra série de representações, sempre moventes e passíveis aos diversos atravessamentos e fugas.
Registra o que precisa ser registrado, para que a cartografia possa ser acompanhada e para que o próprio rumo da pesquisa possa ser trilhado. A caminhógrafa-cartografa (13) sempre através de processos, no durante, no entretempo e no entre-espaços, tornando dizível o minoritário, o heterogêneo e o singular. Cartografa de encontro às perguntas latentes, em busca de uma filosofia do movimento.
Desdobrando-se da proposta inicial feita por Deleuze e Guattari (14), a cartografia convoca uma posição metodológica em autores como Suely Rolnik (15), Paola Jacques (16), Virgínia Kastrup e Eduardo de Passos (17), entre outros. Revertendo o sentido original da pesquisa científica, apostam num método hódos-meta, que não visa ser somente aplicado, mas assumido como atitude. Se abrindo a uma direção política, “quem eu sou e o modo como o mundo me vê” atua sobre mim e implica na experiência-intervenção e nas forças que constituem os processos a serem cartografados. A compreensão dos diversos termos que interagem com a caminhógrafa aponta caminhos a serem percorridos ou evitados, possibilitando a descoberta de desvendamentos.
“O ponto de apoio é a experiência entendida como um saber-fazer, isto é, um saber que vem, que emerge do fazer. Tal primado da experiência direciona o trabalho da pesquisa do saber-fazer ao fazer-saber, do saber na experiência à experiência do saber. Eis aí o ‘caminho’ metodológico” (18).
A cartografia é desvendada em um plano de experiência que agencia e dissolve sujeito e objeto, teoria e prática. Surge no acompanhamento dos efeitos sobre o objeto, a pesquisadora e a produção do conhecimento do próprio percurso de investigação. Para que exista uma produção de novidade, um reconhecimento do que existe mas não é enunciado, as informações precisam ser detectadas para que nos forcem a pensar. Assim, a cartógrafa precisa estar atenta. A abertura da atenção da cartógrafa não significa que ele deva prestar atenção em tudo o que lhe acomete, mas aquilo que modifica o que lhe acomete.
Virgínia Kastrup propõe quatro variedades de atenção pertinentes ao cartógrafo: o rastreio, uma espécie de acompanhamento do movimento; o toque que visa a exploração do meio pelo tato, pelo toque e pelo ar; o pouso, um movimento perceptivo de zoom; e o reconhecimento atento, que nos leva de volta ao primeiro dos gestos. Segundo a autora, essas variedade de atenção possibilitam o acompanhamento do plano de experiência, e a formulação da cartografia e do percurso, porque acompanham o todo, mas permitem que o singular afectivo tenha passagem e vire registro.
“Sem piloto, comando ou controle, ela [a atenção] varre o campo até encontrar algo que, em função do estranhamento gerado, toque a atenção do cartógrafo e coloque um problema. O reconhecimento automático dá então lugar à experiência de problematização. Ele então se detém, pousa a atenção e o tempo cronológico é suspenso — vamos ver o que está acontecendo. Tal gesto constitui um pouso no movimento, e não uma pausa do movimento. Segue-se um processo de reconhecimento atento que, como ressaltou Bergson (1990), opera por circuitos inventivos, que vão produzindo sentidos num movimento sucessivo de retomada do problema, que fecha sem se esgotar num único sentido ou solução” (19).
A abertura dos mapas cartográficos, experimentados e compostos processualmente requerem o pouso, principalmente quando de encontro a cidade. A caminhada, é também parada. E a parada, proporciona o encontro com o contínuo traçado de registros. A parada permite a experiência ética e estética. Faz parte de uma cultura que combate a aceleração e o acesso de informações, anunciado por Jorge Larrosa Bondía, em Notas sobre a experiência e o saber de experiência: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (20). A caminhografia precisa de experiência, de atenção e demora. A formulação dos mapas tende a conscientizar o cartógrafo de suas produções, auxiliando na redefinição de estratégias investigativas e provocando mudanças necessárias.
Cartografia urbana e o caminhar
Quando aplicada a um território físico e comum, a cartografia pode ser considerada urbana. Enquanto prática atenta e estética, foi instigada pelos letristas e situacionistas, nos anos 1960. Mesclando teoria e prática, para elucidar os processos urbanos, suas continuidades e mudanças, as derivas situacionistas buscavam o reconhecimento atento e crítico da realidade urbana. Mapeavam os processos subjetivos que tangiam a esfera cognitiva de articulação dos trajetos e lugares. Designavam “psicogeografia” a observação sistemática dos efeitos produzidos pelas diferentes ambiências urbanas sobre o estado da alma (21).
“O urbanismo, tal como o concebem os urbanistas profissionais de hoje, reduz-se ao estudo prático da habitação e do trânsito, como problemas isolados. A total ausência de soluções lúdicas na organização da vida social impede que o urbanismo se mostre criativo, fato que o aspecto insípido e estéril da maioria dos novos bairros comprova de modo atroz. Os situacionistas, que se especializam na exploração do jogo e do lazer, compreendem que o aspecto visual das cidades só tem valor se relacionado com os efeitos psicológicos que possa produzir, efeitos esses que devem ser calculados no total das funções a prever” (22).
Os situacionistas apresentam uma tática onde o perder-se, demorar-se, e encontrar o caminho durante o percurso torna visível e mapeável as instâncias intersubjetivas, o que revela a importância dessas outras instâncias para a experiência urbana. Avançam ainda na instituição da caminhada como meio de apreensão dessas. Se a cartografia urbana mapeia as frestas e fissuras da cidade, enquanto busca mergulhar e registrar no plano de experiência, a caminhada torna plausível a imersão do corpo nesse plano.
Pergunta-se, então, como essa deriva situacionista pode ser experimentada na contemporaneidade?
Caminhografia urbana
A caminhografia (23) urbana, surge na emergência de nomear a prática que une o cartografar e o caminhar nas convenções acadêmicas e urbanas. Avançando nas possibilidades de agenciamento dos termos, entende-se que a caminhada tal qual — com o corpo atento na cidade — é indispensável para a criação da cartografia singular, indispensável para o planejamento plural das cidades.
O caminhar, é desenvolvido a partir do conceito de transurbância, pensada por Francesco Careri (24). Uma política performática. Um modo de (re)conhecer territórios urbanos, atravessando-os, por entre público-privado, dentro-fora, interior-exterior etc.; sempre diluindo oposições e habitando o entre, o inesperado, o livre, o brumoso, mas potente e pululante possível criador.
A caminhografia urbana, a partir da cartografia e do caminhar, busca mapear, desenhar, fotografar, filmar, narrar e conversar com a cidade na cidade, pensando nos lugares como produtores de subjetividade (25) — na relação espaço-corpo —, sempre em processo; caminhando, explorando a cidade com o corpo atento, a partir de um deslocamento da experiência; registrando qualquer afecto que peça passagem, que provoque o pensamento: um pixo, o vento, a chuva, uma fala, um sentimento, um impedimento, uma violência, um discurso… o inesperado.
Esses afectos podem ser sentidos e expressados de diversas formas. Com a ajuda da filosofia da diferença, a caminhógrafa consegue assimilar o atravessamento causado e, transpor isso ao mapa cartográfico, por texto, imagem, movimento…. Ao ter a atenção chamada pelos afectos, entende-se que a caminhógrafa seja desterritorializado do seu espaço, ou seja, é atravessado por uma força que desconjunta a previsibilidade da ação e do pensamento e que a retira do campo do esperado. Para que haja uma retorno, chamado de reterritorialização, outra força precisa existir, forçando o mesmo a voltar ao seu território, que é outro, com uma nova configuração. Esse movimento, segundo Deleuze e Guattari (26), se chama ritornelo. Entende-se, que enquanto ação subjetiva, funcione como um anunciador das latências contraditórias, que não podem ser representadas em sua plenitude, ainda que sejam modificadoras dos espaços de intervenção, e por isso mesmo dependem da experiência em campo para compor a subjetividade da pesquisadora, e reformular as dúvidas e questões que compõem a pesquisa.
Por fim, quando falamos sobre caminhar de forma ética e estética, estamos nos referindo a um caminhar com objetivo, mas que permita as derivas e deambulações. Um caminhar que use esses movimentos errantes para a formulação do processo investigativo. Um caminhar para ganhar território, um caminhar como uma espécie de arte, performance. Um caminhar sem percurso heterodoxo, mas com traçados bem definidos. Caminhamos para encontrar perguntas e respostas, para problematizar as diferenças que a cidade nos expõe e para criar pistas para uma cidade outra, onde a alteridade seja vista como uma importante característica da vida urbana, que reverta o sentido idealizado da arquitetura.
Jogar com a cidade
Mexer com a cidade é mover com os sentidos: significado, direção, sensação, interpretação e intenção. Com isso, conseguimos assimilar suas camadas, suas produções de subjetividade e interagir com o cotidiano de vidas que criam cidade. Conversar com alguém do caminho, executar escritas urbanas, comer alguma coisa, coletar, fazer pequena intervenção urbana, colar um adesivo, trocar alguma coisa de lugar etc. O jogo pode se confundir com o registro, porque também o é. As ações buscam, nas experiências vividas, criar pequenas situações disruptivas, que instiguem a(s) caminhógrafa(s) a perceber a rede de forças que constituem sua subjetividade e todas as produções de subjetividade atravessadas, absorvidas e repelidas pelas imanências dos afectos-perceptos.
O jogo de registrar-mapear ou intervir na cidade surge como uma proposta de sensibilização e elucidação do processo. Se o caminhar é tido como uma experiência ética e estética, o jogo, antevisto pelos situacionistas, pode encorajar e facilitar a cartografia do que pede passagem. Jogar para descobrir a cidade, para colocar o dedo na ferida e olhar para o que chama a atenção. “Jogar significa sair deliberadamente das regras e inventar as próprias regras, libertar a atividade criativa das construções socioculturais, projetar ações estéticas e revolucionárias que ajam contra o controle social” (27). Andar de costas, riscar o chão, fazer um piquenique na calçada. Jogar, no sentido de brincar, encontrar uma cidade lúdica que se permita ao empoderamento, a uma prática libertária e divertida, que teste os limites políticos e dados da sociedade disciplinar. Jogar para discutir o espaço público e privado. Jogar para coreografar um personagem que se insere na cidade e aprende com ela, criando sua própria cartografia (28). Jogar para anotar, para fotografar, para registrar. Jogar para viver. Jogar para errar. Jogar para projetar possibilidades de movimentar e transformar a cidade.
A experiência do encontro e a criação
Mas para que registramos e jogamos na caminhografia urbana?
Luiz Orlandi (29) escreve que o jogo dos encontros é decisivo para a produção de novas ideias e criações, a partir da filosofia deleuziana (30). As potências das casualidades nos encontros intensivos colocam a pensadora — arquiteta-filósofa — à espreita, deixando-a atenta à possibilidade de um projeto em devir. Um projeto de cidade, de cidadania, de percursos e de sentidos, para além do falocentrismo e homogeneidades acadêmicas.
Ao caminhografar, praticamos um reencontro com o aqui e o agora. Caminhamos para ir de encontro ao que a cidade faz, pede, e leva. Em transurbância ou no ziguezague deleuziano, por vezes desafiadores, somos tomadas por contradições, controvérsias e transbordamentos de situações vividas. “Abre-me as virtualidades que insistem naquilo que me foi dado no encontro, mas que não aparecem no próprio dado” (31). No encontro com a cidade e com o outro, os agenciamentos podem ser provocados, e o pensamento re-pensado, re-territorializado. O encontro provoca a criação, porque instiga ao problema.
A potência da criação, talvez esteja nessa experiência da caminhografia urbana. Encontra-se um primeiro vestígio, uma fresta, saída, para pesquisadores, arquitetas, urbanistas, designers, artistas etc. preocupadas com o ato da criação. Criar ficções ou outras vidas, a nossa vida. Criar pela fuga, pela caminhada, é essencial para todos os criadores, porque abre infinitas possibilidades, lugar no qual novas medidas podem ser projetadas.
É preciso atrever-se a criar pelo ponto de fuga, sair do evidente, enfrentando multiplicidades e forçando os diversos sentidos de encontro ao inesperado. Correr o risco de encontrar-se com o inédito, o impensado até então. Na loucura, na esquizofrenia, no limite, na fronteira — embaralhando o óbvio. Ziguezagueando ou por rizomas. Resistindo.
Dez pistas provisórias sobre a caminhografia urbana
Diante da teoria e das experiências pregressas, elaboramos algumas pistas sobre a caminhografia urbana, visando guiar a prática de caminhógrafas, mais ou menos experientes que queiram caminhar, jogar, registrar e criar com a cidade. As pistas são processuais, e assim como o mapa deleuziano, podem ser conectadas, rasgadas ou recriadas. É importante lembrar que nenhuma pista caminhográfica é tida como uma regra fixa, e pode (deve) ser adaptada para cada processo, já que a própria pesquisa se constitui no entre.
1. Caminhografia é andar a pé — caminhar, tocar o solo passo por passo, andar e cartografar. Em casos especiais, pode-se caminhografar em máquinas (próteses): skates, bicicletas, patins, cadeiras de rodas etc.
O contato com o solo faz as percepções sobre o cotidiano ficarem aguçadas e sensíveis aos acontecimentos. O olhar de qualquer um dos estudiosos sobre a cidade se faz através da escala 1:1, a escala humana, a escala sensível. Os registros demonstram como o contato é potente no que concerne às sensações e percepções que vêm através da cidade, do bairro, da rua, do chão. Estar com o corpo atento, com o mínimo de equipamentos que distanciam o mesmo do campo, é fundamental para uma boa experiência de encontro.
2. Caminhografia é percurso. Caminhografa-se trajetos, objetos, caminhos, errâncias, deambulações e/ou coreografias na cidade, no bairro, na rua, nos campos, em lugares públicos-privados, no interior-exterior e no dentro-fora, sem limites e livres. Esse corpo que atravessa a cidade é também atravessado por ela, esse caminho se faz enquanto se caminha. Perder-se na cidade é criar linhas, trajetórias, comunicações entre o ordinário e o extraordinário. É compor um mapa processual, tangível e praticado.
Essas caminhografias podem gerar como resultado a tentativa de capturar o próprio processo, principalmente quando acompanhadas da reflexão estética, onde a própria experiência acompanha a criação. Embora gere mapas, a caminhografia intangível e subjetiva, guardada na memória fórmula um agenciamento do encontro que modifica profundamente quem se é e o que se observa. O mapa criado através das caminhografias é um mapa do menor, sem medidas, sem quantidades, apenas qualidades e criação. É um mapa sensível.
3. Caminhografia é experiência uno ou múltipla. Caminhografa-se solitariamente, em duplas, grupos e multidões; cada qual com sua(s) atenção; a atenção do caminhógrafo deve estar sempre acesa e disponível para qualquer novo movimento e/ou permanência.
Existem, entre essas duas modalidades, algumas diferenças que podem ser observadas. Por exemplo: o caminhar solitário pode ser mais introspectivo, pode gerar sensações completamente diferentes de quando andamos em grupo. O corpo só, desenvolve sua experiência a partir do espaço que ocupa enquanto uno perante o mundo, delineado pela constituição ética, biológica, etológica e política que o acompanha. Seu processo permite uma investigação não só do campo, mas de si mesmo. Enquanto a caminhada só pode causar sensações de insegurança e angústias, o caminhar coletivo pode libertar a atenção para outros pontos, outras afecções, ou vice-versa.
O caminhar em grupo é constituído de outra forma, e outra apreensão. Por ser dado enquanto corpo-conjunto, pode funcionar como uma performace mais notável, onde a intervenção no território, pela proporção que propõe, pode ser facilmente assimilada pela cidade. Em multidões, não existe segredo, e a pluralidade possibilita um encontro diferente com a cidade, que a caminhada só. Em grupos, geralmente a atenção é menos utilizada, e há um acontecimento gerado pelo próprio grupo que modifica a experiência.Caminhar em grupo pode permitir a ocupação de territórios mais distantes, controversos e consolidados, principalmente quando o medo da cidade é imperativo e precisa ser tensionado. Nesse sentido, a escala e proporção que o grupo ocupa em relação ao campo modificam a qualidade da ação.
4. Caminhografar é ir em busca dos encontros com o minorizado, o indizível, o resistente, o silenciado e os possíveis novos propulsores de vida; a caminhografia é sempre sobre/com/de alguma coisa (singular).
Busca-se o encontro com o diferente, impalpável, efêmero, nômade, modificável. Aquilo que tece a singularidade do território é ordinário às forças homogeneizadoras e aceleradoras. Caminhógrafa-se de encontro à propulsão de vida, investigando a pluralidade. Esses encontros acontecem graças à liberdade de sentir que a caminhógrafa se permite. Estar aberto aos atravessamentos, sempre à espreita, na espera, atento e consciente, com a mente limpa e os pensamentos se desenvolvendo conforme os acontecimentos são revelados pela cidade.
O menor, o indizível pode se manifestar de diferentes formas, por vários atores: uma pedra no chão, um móvel na calçada, um turista, um pedestre, um morador, um cachorro etc. O menor é aquilo não dito, é aquilo que não se encontra nos livros acadêmicos ou nas pesquisas da Wikipédia, ou no chat AI. O menor se encontra na rua, na calçada, no vento, na chuva, no sol. O menor é contra-hegemônico, e sua potência é a diferença. O menor é o não representado.
5. Caminhografar é criar registros. Os registros caminhográficos podem ser mapas, fotografias, vídeos, sons, desenhos, sensações, narrativas, anotações, gráficos, intervenções, jogos, coreografias etc. Como registros de caminhografia, devem despertar o pensamento, provocando a criação. Podem assumir qualquer expressão artística, qualquer forma que manifeste os atravessamentos durante o processo de caminhografar. Podem servir somente a seu autor ou serem compartilhados com o grupo. Possibilitam aberturas, movimentos e novas compreensões sobre o objeto de análise ou a própria experiência.
Os registros caminhográficos tecem um mapa da própria experiência de cartografar, e quando compostos, revistos e revisitados podem gerar deslocamentos que signifiquem a experiência cartográfica ou que abram a novos desdobramentos que não era evidentes durante a experiência em campo. O registro é também a própria experiência, que opera um ponto de vista e situa um território. É um rastro.
A correlação entre os diferentes registros e meios evidencia os campos consonantes, as repetições e brechas, é por si só um agenciamento que destrincha novas perguntas e evoca criações, permitindo a abertura para indagações a serem compartilhadas. A leitura e compreensão dos diferentes registros reunidos é também produção de sentido, e portanto de cartografia.
6. Caminhografia é corpo vibrátil. Toda a experiência sentida está diretamente relacionada à geografia (entrelugares), ao tempo (entre-espaços) e ao corpo caminhógrafo (entrecorpo); todos os meios interferem nos resultados, sejam etológicos, políticos ou geográficos (relacionado ao clima, à localização, ao relevo, à natureza das espécies, à condição física da caminhógrafa) etc.; caminhografa-se na direção da experiência brasileira e latino-americana da prática, com o corpo aberto à dança, à ginga, xamado e à gambiarra.
Como cartografia sensível, a experiência e tudo o que ela compõe, altera o campo processual. A chuva, o sol, o clima, o relevo, o cansaço, a disposição, o grupo. Esses condicionantes, como estruturais, precisam ser anotados e considerados em todos os momentos, justamente porque modificam abertamente a cartografia disposta, não somente do corpo que caminhógrafa mas também do campo que é cartografado. Nessa experiência, na qual o corpo habita os entrelugares e os entre-espaços, formam-se novas possibilidades de conexão e interferência. Para mudar a cartografia pode-se mudar de lugar, de velocidade, de clima, de ginga, ou de corpo que caminhógrafa. Toda experiência é singular, e pertence ao aqui e ao agora.
7. Caminhografar é experienciar velocidades. A velocidade em que se caminhografa muda conforme cada experiência. Pode-se deslocar lentamente ou com mais rapidez, parar, descansar e até correr caminhografando; ainda assim, como diz Francesco Careri, “quem perde tempo, ganha espaço” (32). Demorar-se, achar bons motivos para se deliciar, olhar de novo e de novo é um movimento contra a hegemonia da alta informação. Derivar, perder o rumo, andar em círculos, parar. Demorar a reparar o banal, o ordinário, o menor para apropriar-se de um espaço do qual cotidianamente abdicamos, às vezes, impensadamente.
Caminhográfa-se, portanto, de encontro à experiência do encontro com si e com o outro. Pela atenção lenta e atenta. Pela construção de um mundo que não está dado e não cabe nas representações velozes da mídia e do capital. Caminhografar à procura da baixa tecnologia, da experiência díspar e pouco alienante. De encontro a vida tal qual, em sua essência, em seu detalhe, em sua inteireza. Na proximidade da filosofia, da arte, da crítica, e da criação. Caminhográfa-se para jogar, para brincar, para aprender, para criar.
8. Caminhografia é registro. As cartografias podem ser produzidas antes, durante e depois da caminhada — em simultaneidade (a própria caminhografia).
Ressalta-se que as geradas/registradas enquanto se caminha apresentam alto grau de potência e intensidade, por registrarem o acontecimento enquanto ele ocorre. Ainda assim, compreende-se que o registro — dentro do campo de pensamento sobre a caminhografia — pode ocorrer horas, dias e até semanas depois da prática efetiva, já que o mapa que se compõe é sempre aberto, mutável e conectável. A revisita aos rastros da experiência, como já dito anteriormente, é sempre uma nova produção de pensamento.
9. Caminhografia é jogo. Pode-se jogar durante a caminhografia: jogar com a cidade e com as pessoas, com os encontros e com as coisas; um jogo solitário do caminhógrafo com a urbe ou um jogo interventivo com as arquiteturas, os lugares e as pessoas.
O jogo é um procedimento lúdico de atenção que pode despertar novos pensamentos a partir de uma provocação compartilhada ao instigar um movimento de inscrição na cidade ou a partir dela. Assim, colar um adesivo, coletar algo, comer, coletar, sentar, pular, encontrar, mover, fotografar, pixar, escrever, desenhar, filmar… agir, à procura ou de encontro à uma regra pré estabelecida pode facilitar o encontro e a disrupção de pensamento porque desvela as diversas forças que incidem sobre um plano e alteram as possibilidades e permissividades que nele e em nós incide. O jogo é grande provocador das possibilidades e limites e pode auxiliar a caminhógrafa a criar situações interessantes de pensamento sobre a cidade.
10. Caminhografia é agenciamento. Enquanto caminhografamos, pensamos sobre o caminho e as coisas, sobre o mapa e/ou sobre outras coisas, divagamos, produzimos subjetividades, agenciamos diferenças e esquizoanálises (33); também podemos agir durante a caminhografia: planejando, projetando e construindo coisas.
Considerações finais ou apenso
A caminhografia urbana configura-se como um método-não-método, quando se implica nos meios, lugares e processos — registrando, jogando e criando cidades. No grande mapa da caminhografia urbana o que importa não é a forma, o objeto, o sujeito ou a substância em si — enquanto produto, mas o que se passa entre as diferentes vidas que habitam a cidade durante o processo, revelando as contradições e diferenças em fricção. Por ser incorporada enquanto metodologia ativa, gera aprendizagens que extrapolam os resultados acadêmicos. Modifica os atores envolvidos em sua integridade — não apenas enquanto pesquisadores, mas enquanto pessoas. Ela revela questões e limites que vão de encontro aos territórios existencais que pronunciamos por sermos quem somos — mulheres, homens, cisgêneros, transgêneros, lésbicas, gays, bissexuais, mães, filhos, brancos, pretos, indígenas, ricos, pobres, trabalhadores, desempregados, turistas, locais…
Às vezes, o ato de caminhar a pé é o impulso principal da caminhografia, sendo uma ação instigante por si só. Em outros momentos, o foco está no registro cartográfico, e a caminhada serve apenas como deslocamento para chegar ao local onde o mapa será elaborado. Há também ocasiões em que o processo em si — a caminhografia enquanto método — se torna a principal camada, podendo ser transformada ou influenciada pelo jogo. De todas as formas, a experiência pronuncia emergências, e revela o potencial pedagógico de instigar as contradições da arquitetura, economia, estrutura social, espaços públicos, planejamento urbano e organização — e desorganização — das cidades. Ao elucidar fragmentos e rupturas, revela a complexidade inerente ao sistema em que atuamos.
A caminhografia como um movimento intelectual também revela a importância do tempo de assimilação dos fenômenos em sua dimensão real — e não virtual. Oferece atenção, espera e registro, ferramentas indispensáveis para a criação, a reação e a revolução. Talvez por isso, e pelo tempo de aceleracionismo, a criação seja tão difícil, sempre um desafio. Ainda assim, uma necessidade, íntrinseca as emergências desveladas pelo próprio ato de caminhar para sentí-las. A caminhografia permite o caminhar, mas também o parar e operar as velocidades dos corpos-cidades. Participar das dinâmicas, registrando-as. Estar na cidade, entrar e sair, atravessar ou desistir, pensando sobre os desejos que nos ocorrem e modificam nossa experiência.
A prática também permite a elucidação das potências de agir. Para Espinosa, só sabemos o que é o corpo quando sentimos e observamos os movimentos que entretém um corpo com outro. Com Deleuze e Espinosa (34), podemos pensar essa composição a partir de alguns movimentos caminhográficos. Ao encontrar-se com o outro, quem modifica quem? quem é passivo e quem é ativo? que corpo provoca uma desterritorialização, uma suspensão, um incômodo? Quem está em um território dado? Trata-se de uma análise da potência de agir. Quem movimenta quem? Quem espera o outro? Muda-se a perspectiva de pensar ou até mesmo organizar os espaços, os lugares e as coisas. Podemos pensar a cidade a partir dos encontros e desejos — e para eles, e não para os lugares esvaziados de perguntas, domesticados, onde os fixos sejam a significação do projeto; para a diferenciação e criação — e não para a homogeneização e reprodução. Para o movimento e mudança, desacomodação — e não para sedimentação. Para a potência de alegria e vida — e não para a morte.
Ao caminhografar, as perguntas e as respostas mudam, constantemente. Nos interessamos pelas composições. Essas novas combinações, encontros e agenciamentos, sempre em movimento, permitem a organização de novas estruturas urbanas, menores e nem sempre elucidadas, que podem acontecer a partir das crianças, dos estudantes, das árvores, dos animais, dos catadores, das travestidos, dos vendedores ambulantes, dos artistas, das ocupações, dos velhos, dos skatistas, dos carroceiros, dos movimentos sociais, mas também dos estudantes de arquitetura e urbanismo, das prefeituras, secretários, planejadores que percebem a emergência dos afectos que pluralizam e avivam a cidade.
Por fim, vale ressaltar que a caminhografia e suas formas de apresentação não são objetivas, do campo das coisas (do banco, da árvore, do poste, do bueiro, do piso), ou até mesmo de um conjunto de coisas: das praças, das bancas, dos prédios; mas das relações, abertas à experiência — em gerúndio. Revertem o sentido da arquitetura finalizada, enquanto objeto inóquo, e convocam o sentido do processo da arquitetura em acontecimento — em ação. A caminhografia é devir, é estar, vir-a-ser. Capaz de transformar tudo que se passa, tudo que é, até mesmo a própria mudança.
Caminhografar é política de vida!
“Ela diz: Ei, querido
Dê um passeio pelo lado selvagem
Ela diz: Ei, amor
Dê um passeio pelo lado selvagem”.
Lou Reed, Walk On The Wild Side (35)
notas
NA — Agradecimentos dos autores à todos os pesquisadores, estudantes, bolsistas e comunidades que participaram das caminhografias entre 2011 e 2022. Aos financiamentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS — Fapergs e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq, para a pesquisa Caminhografia Urbana. Obrigado ao amigo Fernando Fuão pela leitura e conselhos: "tá cheio de passagens belíssimas e elucidações”.
1
Do original: “Holly came from Miami, FLA. Hitch-hiked her way across the USA. Plucked her eyebrows on the way. Shaved her legs and then he was a she”. REED, Lou. Walk On The Wild Side (música). Álbum Transformer. Londres, RCA, 1972 <https://bit.ly/3QdalHV>.
2
Caminhografia Urbana <https://bit.ly/46Qpvdw>.
3
Travessias na Fronteira Brasil Uruguay <https://bit.ly/3tQjxdQ>.
4
Faurb no Bairro <https://bit.ly/3FxRRgs>.
5
Sobre o conceito de experiência, ver mais em BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, abr. 2002, Rio de Janeiro, Anped, p. 20–28.
6
Inscrita: escrita dentro (in), incisão, inserção, escrita em profundidade. Inscritos no lixo é um blog destinado a divulgar ensaios, artigos, poesias, vídeos, arte, crônicas relacionadas à temática do lixo desde o aspecto existencial dos catadores, recicladores, galpões de reciclagem, carrinheiros, moradores de rua etc. In FUÃO, Fernando. Inscritos no Lixo <https://bit.ly/3QhENRq>.
7
O afecto e percepto são conceitos deleuzianos, com gênese em Espinosa, aproximando o conceito da produção da arte impressionista diz que: “Pode-se dizer que os impressionistas distorcem a percepção. Um conceito filosófico ao pé da letra é de rachar a cabeça, porque é o hábito de pensar que é novo. As pessoas não estão acostumadas a pensar assim. É de rachar a cabeça! De certa forma, um percepto torce os nervos e podemos dizer que os impressionistas inventaram perceptos. Mas Cézanne disse uma frase que acho muito bonita: “É preciso tornar o impressionismo durável”. Quer dizer que o motivo ainda não adquiriu independência. Trata-se de torná-lo durável e, para isso, são necessários novos métodos. Ele não quis dizer que se deve conservar o quadro, e sim que o percepto adquire uma autonomia ainda maior. Para tal, precisará de uma nova técnica. E há um terceiro tipo de coisa e muito ligada às outras duas. É o que se deve chamar de afectos. Não há perceptos sem afectos. Tentei definir o percepto como um conjunto de percepções e sensações que se tornaram independentes de quem o sente. Para mim, os afectos são os devires. São devires que transbordam daquele que passa por eles, que excedem as forças daquele que passa por eles. O afecto é isso. Será que a música não seria a grande criadora de afectos? Será que ela não nos arrasta para potências acima de nossa compreensão? É possível”. In DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire [1996]. O Abecedário de Gilles Deleuze (transcrição integral do vídeo). Biblioteca Nômade, 19 mar. 2008 <https://bit.ly/3SgWEKU>.
8
Stalker é um coletivo de arquitetos e pesquisadores, particularmente ativo em Roma, que fundou o Observatorio Nomade — ON, uma rede composta por artistas, ativistas, arquitetos e urbanistas que trabalham experimentalmente para criar espaços e situações auto-organizadas. Sua metodologia de pesquisa urbana utiliza ferramentas participativas como caminhada coletiva, história oral e mapeamento, como forma de abordar espaços que foram desconsiderados ou negligenciados para abordar questões de planejamento urbano e territorial.
9
Ver sobre os projetos em Cidade + Contemporaneidade <https://bit.ly/3tRhp5G>.
10
“Estendido para o domínio da subjetividade, o princípio antropofágico poderia ser assim descrito: engolir o outro, sobretudo o outro admirado, de forma que partículas do universo desse outro se misturem às que já povoam a subjetividade do antropófago e, na invisível química dessa mistura, se produza uma verdadeira transmutação. Constituídos por esse princípio, os brasileiros seriam, em última instância, aquilo que os separa incessantemente de si mesmos. Em suma, a antropofagia é todo o contrário de uma imagem identitária”. ROLNIK, Suely. Esquizoanálise e Antropofagia. In ALLIEZ, Eric (org.). Gilles Deleuze. Uma vida filosófica. São Paulo, Editora 34, 2000.
11
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Volume 1. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995, p. 36.
12
Idem, ibidem, p. 30.
13
É mulher, mãe da terra, feminina, aquela que renova a humanidade e a vida. A caminhografia urbana é devir-mulher. Percebe-se nos grupos de caminhografia urbana uma predominância feminina, LGBTQIA+ e minorias.
14
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia (op. cit.).
15
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental. Transformações contemporâneas do desejo. São Paulo, Estação Liberdade,1989.
16
JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias urbanas. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 093.07, Vitruvius, fev. 2008 <https://bit.ly/3SjSguu>.
17
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana da (org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre, Sulina, 2009.
18
Idem, ibidem, p. 17–18.
19
KASTRUP, Virgínia. A atenção cartográfica e o gosto pelos problemas. Revista Polis Psique, v. 9, n.spe, Porto Alegre, 2019, p.101 <https://bit.ly/3QxpvJC>.
20
BONDÍA, Jorge Larrosa. Op. cit., p. 21
21
JAPPE, Anselm. Guy Debord. Paris, Via Valeriano & Editions Sulliver, 1998.
22
CONSTANT, Nieuwenhuys [1959]. O grande jogo do porvir. In JACQUES, Paola Berenstein (org.). Apologia da deriva: Escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003, p. 98–99.
23
O termo caminhografia, surge pela primeira vez, em Roma na Itália, em maio de 2009, durante o estágio pós-doutoral de Eduardo Rocha, supervisionado por Francesco Careri, durante a visita da mestranda Valentina Machado, com a intenção de conectar as práticas da cartografia e do caminhar propostos no encontro dos grupos Cidade+Contemporaneidade (Universidade Federal de Pelotas, Brasil) e Laboratorio C.I.R.C.O.|Stalker (Università degli Studi Roma Tre, Itália), denominando o website Caminhografar|Grafocamminata <https://bit.ly/3MHdNKf>.
24
CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo, Gustavo Gili, 2014.
25
Felix Guattari pensa a subjetividade como algo produzido por instâncias individuais, coletivas e institucionais. No momento em que a subjetividade é considerada como produção ela pode ser entendida coletividade e não somente como individualidade. GUATTARI, Felix. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro, Editora 34, 1992.
26
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia (op. cit.).
27
CARERI, Francesco. Op. cit., p. 97.
28
JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador, UFBA, 2012.
29
BAÊTA, Aurora. Um gosto pelos encontros. Luiz Orlandi. Territórios de Filosofia, 29 dez. 2014 <https://bit.ly/49aOVDY>.
30
DELEUZE, Gilles [1987]. O ato da criação. Tradução José Marcos Macedo. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 jun. 1999 <https://bit.ly/3SgYJ9G>.
31
BAÊTA, Aurora. Op. cit.
32
CARERI, Francesco. Op. cit., p. 171.
33
A esquizoanálise é antes um conjunto de filosofias que uma prática clínica, sua intenção é romper com as barreiras da estrutura linguística dos saberes instituídos em troca de saberes ramificados ao qual Deleuze e Guattari chamam de rizoma, termo extraído da botânica. In DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O anti-édipo. Rio de Janeiro, Editora 34, 2011.
34
DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. São Paulo, Escuta, 2002.
35
Do original: “She says: Hey, babe. Take a walk on the wild side. She said: Hey, honey. Take a walk on the wild side”. REED, Lou. Op. cit.
sobre os autores
Eduardo Rocha é arquiteto e urbanista, especialista em Patrimônio Cultural, mestre em Educação e doutor em Arquitetura. Atualmente é professor e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas — Prograu UFPel. É editor chefe da Pixo — Revista de Arquitetura, Cidade e Contemporaneidade.
Taís Beltrame dos Santos é arquiteta e urbanista e mestre em Arquitetura e Urbanismo. Atualmente é doutoranda em Arquitetura no Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Propar UFRGS e licencianda em Artes Visuais no Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas — Ceart Ufpel.