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drops ISSN 2175-6716

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Passado o impacto inicial dos atentados de 11 de setembro, a poeira começa a se assentar e a questão da reconstrução da Twin Towers coloca-se em pauta

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FURTADO, Cláudio. Twin Towers.... Reproduzir ou não reproduzir símbolo destruído? Drops, São Paulo, ano 03, n. 005.03, Vitruvius, jul. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/03.005/1595>.


Passado o impacto inicial dos atentados de 11 de setembro, a poeira começa a se assentar e a questão da reconstrução da Twin Towers coloca-se em pauta. Paolo Portoghesi em entrevista ao Caderno Mais da Folha de 9/12 propôs deixar vazio o lugar da torres, o que obviamente não é uma questão que se coloque no mundo financeiro de Wall Street. Mas será que é melhor reproduzir o símbolo destruído ou se aprendeu algo deste atentado?

As Torres Gêmeas eram um símbolo de Nova York, mais que isso um símbolo do poder econômico americano. No mundo ocidental estávamos tão acostumados com este símbolo que já não perguntávamos sobre o seu significado. O abalo que o ataque provocou no mundo econômico parece ter sido pequeno frente ao abalo nas imagens pétreas do símbolo desolidez indiscutível.

O professor Amâncio Friaça fez uma brilhante exposição sobre o ocorrido numa série de conferências intitulada “A filoxenia de Abraão”. Lá ele lembrou do símbolo das duas torres de Gibraltar, as “Colunas de Hércules” com a fita envolvendo-as com os dizeres “NON PLUS ULTRA, não ultrapassarás”. Os perigos e incertezas do mundo além do Mediterrâneo eram marcados por estas Collunas estabelecendo os limites do universo civilizado, conhecido e controlado e a terra dos monstros, do incerto e do temerário. Atravessar o estreito de Gibraltar era desafiar os deuses e afrontar os mitos.

O símbolo das torres envoltas pela fita foi usado na cunhagem das primeiras moedas da América espanhola como marca da ousadia da coragem e do orgulho dos homens que atravessaram os portões de Gibraltar para conquistar o mundo. Esta imagem passou a ser adotada como símbolo da moeda americana e de diversos países. O ataque à torre pode ser entendido como ataque ao símbolo do poder econômico representado pelo “$” em escala gigantesca.

Sem dúvida os prejuízos econômico-sociais e políticos foram enormes. A auto-estima do povo americano foi profundamente abalada. Não se convence um fanático ao suicídio visando prejuízo financeiro mas sim por uma causa grande como a destruição do sistema capitalista, representado pelo seu símbolo maior, o cifrão da moeda.

É interessante lembrar a importância das imagens para a nossa sociedade ocidental e para a cultura árabe. Nossa cultura se baseia na estrutura sedentária dos agricultores. Somos filhos de Abel que se fixou no espaço e desenvolveu sua história no tempo. Os sedentários olham para o céu e vêem o Sol e tiram as informações sobre o tempo de plantio e o tempo de colheita. A cultura dos sedentários é material: seus pertences são pesados fortes e guardados para várias colheitas. Há uma idéia de desenvolvimento continuado a partir do desenvolvimento da técnica. Os deuses dos povos agricultores se personificam em imagens e estatuas, seus templos em magníficas obras de arquitetura. A palavra é etérea e sem a importantância do objeto, pode ser usada para persuadir, dissimular e enganar. Suas igrejas estão repletas de santos e imagens, suas casas são estáveis e firmes para durar várias gerações, o desenvolvimento agrega valor ao que permaneceu.

Os árabes têm por base a cultura nômade. Vieram do deserto como filhos de Caim. Sua cultura é etérea no tempo e percorre livremente o espaço. Não olha para o sol inclemente de dia, mas à noite vê na lua a passagem do tempo. Se o sol nasce mais ao Norte ou ao Sul pouco importa, o homem está em movimento não planta e não colhe. Suas referências não estão na terra, as dunas se movimentam enquanto ele dorme. Olha para o céu e vê estrelas fixas e estrelas móveis e dessa relação se posiciona no espaço-tempo. Olha para os planetas e vê estes desenvolverem pequenos círculos em volta das estrelas fixas e diz que estes, os planetas, escrevem com luz o nome de Deus no céu.

O homem árabe carrega pouca coisa, suas casas são tendas ou cabanas. Suas igrejas não têm imagens, tudo que ele precisa é um pequeno tapete para expressar sua fé. Sua arte é a palavra, o pensamento e a imaginação.

O homem do oriente próximo, na Idade Média viu os soldados do ocidente atrás de uma cruz, em nome de Deus destruindo inclemente tudo que encontrava pela frente. O grau de selvageria dos cruzados fincou nele um forte sentimento de repulsa iconoclasta. Ele dá a palavra um sentido que nós ocidentais não conhecemos, a tradição das histórias das Mil e uma noites expressa bem isso.

A origem do Islamismo está em Abraão, assim como o Judaísmo e o Cristianismo. Há um mosaico na Catedral de Ravena, onde aparece a imagem de Abraão recebendo três anjos. Os anjos vieram lhe trazer a notícia de que Sarah estava grávida. Abraão recebe estes anjos e reparte o pão com eles.  Esta imagem foi interpretada séculos depois como a origem das três religiões abramicas cada uma representada por um anjo. Esta origem comum faz com que cada uma das culturas entenda a essência da cultura do outro e suas diferenças podem ser mais facilmente percebidas.  A purificação para o homem árabe está no deserto, lá ele compreende o sentido exato das coisas e da natureza. No deserto não há símbolos e os bens materiais escassos.

Os Estados Unidos proclamam sua democracia como exemplo para o mundo, mas no oriente médio apóia regimes autoritários às vezes despóticos. Proclamam sua independência, mas estabelecem bases militares em países estrangeiros. Defendem o livre comércio, mas aplicam dumping econômico nas atividades agrícolas que sustentam os países pobres. As políticas ambíguas provocam ódios vicerais e tornam seus símbolos sinais de prepotência ou arrogância. Compreender o outro significa investigar suas franquezas e evitar as palavras que possam feri-lo. Neste sentido, a proposta de Paolo Portoghesi para deixar um vazio no lugar das Twin Towers é mais que uma proposta significante para os nova-iorquinos lembrarem seus mortos. Talvez seja um sinal de respeito ao diferente, ao estranho, respeito ao inimigo.

Os mouros foram expulsos da península Ibérica no século XIII, mas sua cultura deixou para a Europa e para a civilização ocidental Cervantes, Ibn Arabi, a álgebra, os algarismos e não por coincidência a miscigenação da cultura oriental com a européia fez da Espanha a maior potência mundial no início do século XV e de Portugal a detentora da primazia tecnológica do mundo nesta época.

O reconhecimento das razões do inimigo é um forte sinal de grandeza, maior ainda quando este inimigo é mais fraco. Não é possível antever todas as formas  de leitura dos símbolos que criamos. Símbolos podem adquirir significados opostos em culturas diferentes. O projeto de um prédio desta importância sempre terá várias leituras de abrangência ilimitada, entretanto o cuidado com seus significados não pode ser desprezado. Pensou-se em 4 prédios menores no lugar das duas torres gêmeas. Pensou-se em duas torres ainda maiores. A reconstrução pura e simplesmente como se nada houvesse acontecido seria um sinal de alienação, a despeito da importância econômica do imóvel destruído.  Repensar o modelo americano, seus símbolos, suas formas de abordar os problemas poderá ser a oportunidade da cultura se renovar, se enriquecer e enriquecer o mundo a sua volta.

A reconstrução das Twin Towers podia ser a oportunidade dos Estados Unidos se voltarem para o mundo externo e ver o rastro de miséria que seu progresso deixa. A sabedoria de cuidar dos irmãos mais fracos, de respeitar a revolta dos injustiçados é a grandeza que se espera deste David, primogênito de Abraão, com o porte de um Golias.

Os prédios de Nova York, quase sempre são signos de poder. Diversos exemplos como o prédio da Chrysler, da Sony, Citibank, etc atestam esta idéia. Um prédio com a mesma significação seria desconsiderar o grito dos injustiçados. Apregoar a arrogância e desconsiderar o outro. Talvez tratar o novo projeto agregando espaços abertos, pensando na cidade, colocando equipamentos urbanos no conjunto proposto, uma vez que a área a ser repensada é maior que apenas a dos dois prédios. Talvez este pensar no pequeno, no circunstancial, no local, dê ao mundo uma resposta de grandeza que se espera de um líder.

notas

[publicação: maio 2002]

Cláudio Furtado, São Paulo SP Brasil

 

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