Planejamento e globalização possuem significados tão abrangentes que a busca das suas correspondências e suas relações urbanísticas intrínsecas, invariavelmente, revela a complexidade e a precariedade da condição do ser humano contemporâneo face ao espaço físico e social a ele destinado nas cidades.
A globalização, cujo termo nos remete inicialmente às questões econômicas, realmente transmite uma idéia de supervalorização do ingrediente financeiro nas estruturas formadoras das diversas sociedades, oferecendo substrato para uma padronização de mercados e de comportamentos monetários induzidos pelo totalitarismo do poder econômico das grandes potências mundiais, agredindo até a soberania de países mais vulneráveis. Como pavimento para estas relações integralizadoras, este contexto propiciou o desenvolvimento de uma eficiente e ultraveloz tecnologia de comunicação, baseada na informatização, gerando acessibilidade ao conhecimento, à troca de informações e ao diálogo on line de qualquer ponto do planeta, como que rompendo a "chave da biblioteca"; mas ao mesmo tempo possibilitando maior controle do Estado sobre o cidadão, diminuindo a sua individualidade, exigindo compulsoriamente a disposição de sua privacidade. Grande paradoxo, pois um indivíduo pode estar conectado ao mundo inteiro virtualmente, sem ter noção do que há depois da esquina ou sobre quem mora ao seu lado. Esta perda de identidade e o desvinculamento da esfera tátil configuram situações extremamente delicadas ao transpormos o tema para o planejamento urbano, que deve ter como objetivo a melhoria da qualidade de vida do homem, fruto do desenvolvimento social coletivo.
É interessante notar como, conceitualmente, o planejamento também traz em essência, normas de conduta, de ação, de ordenamento, as quais estão relacionadas à padronização e ao determinismo, dirigindo comportamentos individuais, formas de viver, de pensar e de agir, inclusive. Na tradução das possibilidades reais de intervenção nas cidades, os procedimentos adotados para o planejamento devem, no mínimo, ser isentos de qualquer interferência exógena, tendo o ser humano como o foco de seus propósitos. Todas as etapas devem ser cumpridas a partir do conhecimento da realidade local, visando o inter-relacionamento com outras realidades periféricas e regionais, diagnosticando problemas, identificando os desequilíbrios, avaliando a pertinência de soluções existentes e a adequação das novas propostas.
O processo globalizante é irreversível, assumindo, dia-a-dia, várias facetas e proporções avassaladoras; porém, contraditoriamente, não consegue se sobrepor às especificidades culturais, bioclimáticas, históricas, sociais e políticas. A relação homem x natureza é inviolável, indissolúvel e a importação indiscriminada de modelos externos e a adoção de soluções imediatistas, pontuais e epidérmicas ferem o código da racionalidade e da viabilidade física. É preciso compreender a cidade como uma obra essencialmente coletiva, construída por agentes e interesses diversos, antagônicos e conflitantes. As soluções, portanto, devem ser pluralistas, objetivando uma isonomia cidadã, considerando a inclusão e a diminuição das tensões. Atualmente, o desafio do planejamento é transcender as teorias, revirar dogmas, equilibrar a expansão urbana (evitando a "geração espontânea" fragmentada, fruto das distorções da apropriação do espaço), favorecer a diversidade, a adaptabilidade e adotar mecanismos que possibilitem a constante e necessária (re)interpretação dos sistemas, sejam locais ou regionais.
O fato arquitetônico da transformação da natureza, da edificação dos espaços públicos e privados estará sempre vinculado a elementos estruturais dominantes, mesmo que atenda, em maior ou menor grau, às demandas e exigências coletivas. O resgate desta dívida social, urbana e ambiental brasileira passa, obrigatoriamente, por uma modificação de atitudes dos administradores públicos, da compreensão de que o planejamento tem um compromisso ético permanente com a cidadania e não com seus mandatos, da sincera discussão com a sociedade, pela percepção de seus novos níveis de referência, da humildade em aceitar o diálogo e da apreensão pelos cidadãos do seu relevante papel na tomada de decisões. A saga da construção da cidade ideal revela todas estas fissuras urbanas e suas utopias. O planejamento responsável deve contemplá-las, sob pena de ser resumido a um mero exercício intelectual, produzindo papéis repletos de vazios e idéias destituídas de viabilidades.
Marcus Lima, Fortaleza CE Brasil