Anos 80. Um grande cartaz avisa: “faltam 9 dias”. Para que? Para a inauguração da nova sede da Prefeitura de Salvador, em pleno coração da cidade. O inédito? A obra havia sido iniciada há 3 dias!
Obra difícil, com o edifício apoiado em estrutura pré-existente. Projeto concebido com extremo cuidado, delicadeza e competência. A implantação do prédio define a praça, onde dialogam momentos diferentes da arquitetura da cidade. Sua presença suspensa e leve, não rouba ao transeunte a visão da linha do horizonte do mar enquanto caminha. O ar passa, a escala é impecável.
O edifício consegue ser ao mesmo tempo inovador e discreto, não pretende o primeiro plano, é como um instrumento a mais inserido numa harmonia já estabelecida. Sua presença ali confirma o ponto de vista de Lucio Costa junto ao Patrimônio Histórico, quando afirmava que a boa arquitetura de hoje sempre convive bem com a boa arquitetura do passado.
A cada vez que passo por ali, a impressão de acerto se confirma, aquela prefeitura é motivo de orgulho para qualquer um, é respeitada e visitada por arquitetos do mundo todo. Feita pela mão de João Filgueiras Lima, o Lelé, é uma contribuição brasileira em termos internacionais.
Agora, o espanto: acabo de ser informada que a Procuradoria “acusa” o acerto de ser um erro, de comprometer a ambientação arquitetônica, e pretende demolir o edifício!!! Que loucura, alguma coisa está errada.
Certamente o Instituto de Arquitetos tomará as devidas providências para recorrer de uma decisão dessas, mas o que me assusta vai além: que fim levou o discernimento das pessoas? Por que será que a gente insiste em andar um passo pra frente outro pra trás, por que essa dificuldade em dar valor aos nossos valores?
O triste é que não foi sempre assim. Grandes saudades de JK, o anti-medíocre por excelência, dos tempos férteis que nos deram a bossa nova, a primeira Copa do Mundo, o cinema novo, Brasília. Tempos em que a qualidade brasileira era levada a sério.
É preciso que se impeça, a qualquer custo, o desmonte do prédio da Prefeitura de Salvador. O Brasil não merece.
Maria Elisa Costa, Rio de Janeiro RJ Brasil