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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
O arquiteto mineiro fala sobre as instalações arquitetônicas sobre as palafitas e pilotis de Belo Horizonte, cenário de teatro experimental

english
The architect talks about the architectural installations on stilts and pilotis of Belo Horizonte, the main scene for experimental theater

español
El arquitecto de Minas Gerais habla sobre las instalaciones arquitectónicas sobre los palafitos y pilares de Belo Horizonte, escenario de teatro experimental

how to quote

TEIXEIRA, Carlos M; GANZ, Louise Marie. Amnésias Topográficas. Palafitas e pilotis de Belo Horizonte. Drops, São Paulo, ano 05, n. 009.09, Vitruvius, nov. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/05.009/1637>.


O projeto Amnésias Topográficas começou quando um grupo de teatro de rua, Grupo Armatrux, convidou os arquitetos Carlos Teixeira e Louise Ganz para colaborar em sua próxima montagem. Essas discussões culminaram na escolha dos arquitetos por um espaço então absolutamente inexplorado e latente, o que gerou a primeira intervenção no que eles chamaram “Amnésias Topográficas” – as palafitas de concreto presentes em um bairro montanhoso de Belo Horizonte. Esta exposição traz duas propostas de intervenção para as Amnésias.

A primeira delas foi o espetáculo Invento para Leonardo do grupo Armatrux, um evento que se encaixou em nossa idéia de reverter os espaços negativos da cidade, aproveitando-os como “espaços ativáveis”. Esse evento-intervenção saiu-se vencedor de “e-2: Defining the Urban Condition”, um concurso internacional organizado em 2002 por groupe-e2, escritório de arquitetos e urbanistas sediado em Paris. Mais do que um concurso, a intenção do grupo era lançar uma arena internacional para a discussão da condição urbana a partir de uma leitura mais abstrata de seus vazios e de seus potenciais: intervenções que, no entender dos arquitetos, explorassem as instabilidades, indeterminâncias, desorganizações, imprecisões e ambiguidades da cidade. Na crítica do júri do concurso [composto por Domenique Perrault (arquiteto da Grande Biblioteca de Paris), Michel Desvigne (paisagista de renome internacional), Frederic Migayrou (curador de arquitetura do Centro Cultural Georges Pompidou – Paris), e Albert Ferre (editor-chefe da editora ACTAR), entre outros], transparece o caráter muldisciplinar teatro-arquitetura como o ponto forte da proposta: “o projeto é o único que utiliza o corpo como uma forma de ação, que aqui é utilizado na apropriação do espaço; (...) sendo que a riqueza sem dúvida vem da diversidade do grupo”.

Três anos depois, a colaboração com o Armatrux continuou com Nômades, última montagem do grupo. Com direção de Cristiana Brandão e texto do dramaturgo Paulo Azevedo escrito especialmente para ser apresentado nas palafitas, Nômades é uma evolução do primeiro projeto já que agora público e platéia não estarão separados; mas juntos num espetáculo onde a platéia poderá penetrar as palafitas e explorá-las a partir do movimento permitido pelas passarelas, escadas e rampas suspensas. Um projeto de paisagismo deixou os escombros do local como que uma plantação agrícola; enquanto caixas de capins deixarão as plataformas ladeadas por um matagal elevado – ou os “capins suspensos das palafitas”.

1. A paisagem das grandes cidades é composta por muitos elementos residuais. Regiões vacantes, vazios sub-utilizados e terrenos baldios configuram áreas abertas à pressões econômicas e sociais. Áreas vizinhas a ferrovias, regiões desindustrializadas, centros urbanos em declínio, portos desativados – todos vêm se transformando num imenso manancial propício para megaintervenções, uma tendência mundial que tem gerado várias formas de revitalização urbana. Amnésias Topográficas, no entanto, é um projeto que procura estender as estratégias de projeto nesses locais, buscando mostrar tanto os limites das intervenções convencionais quanto as possibilidades de intervenções efêmeras.

2. Os prédios em um bairro montanhoso em Belo Horizonte só podem contar com quatro pavimentos, ficando sem qualquer utilização as estruturas em terreno de declive acentuado – o que forma as assim chamadas palafitas sob os prédios. Como conseqüência da rigidez da Lei de Uso e Ocupação do Solo (que então não permitia prédios com mais de quatro pavimentos), construções onde as palafitas têm a mesma altura ou mesmo são mais altas que o prédio que sustentam são elementos comuns naquela paisagem. Lançado para o mercado imobiliário no início da década de noventa, em seis anos todos os morros do bairro, antes marcados por uma palmeira típica do cerrado – o buritis –, foram ocupados por prédios caracterizados pela uniformidade volumétrica, pela falta de uma melhor relação terreno-projeto, e sobretudo pela falta de imaginação de seus arquitetos.

3. Os pilotis desses prédios são como plataformas que dividem dois espaços absolutamente desconexos: abaixo, um labirinto de pilares de concreto; acima, apartamentos classe média. E no meio, os pilotis que funcionam como garagem e/ou área de lazer. São prédios com uma única estrutura em um único lote em um mesmo imóvel, porém gerando duas possibilidades de ocupação independentes, radicalmente separadas e espelhadas pelo pilotis.

4. Uma dessas ocupações está determinada (os apartamentos); a outra encontra-se espantosamente em aberto. É evidente que o potencial arquitetônico desses prédios está precisamente nessa organização atípica, na lógica de assentamento das Amnésias Topográficas, nessa surpresa gerada por um acidente arquitetônico. Ora, o labirinto formado pela seqüência das palafitas de concreto, a natureza explicitamente residual desses labirintos e a uniformidade dos prédios suportados pelas palafitas conformam, todos eles, um potencial que é inversamente proporcional à qualidade arquitetônica desses objetos. Terrenos acidentados são vencidos através de uma malha sincopada de pilares e vigas, cintas e contraventamentos que, juntos, materializam fantasias arquitetônicas. São espaços piranesianos não idealizados por arquitetos; produtos de calculistas que jamais imaginaram o espaço que projetaram; surpresas espaciais que nunca acontecem no mundo previsível da arquitetura.

5. Duas coisas marcam a esquizofrênica identidade visual desse bairro: as palafitas e a mata atlântica sobre as encostas. Grandes áreas verdes permeiam os prédios palafitados. A topografia do bairro é tão montanhosa que partes de muitos quarteirões não puderam ser loteadas. É por isso que várias reservas naturais são vizinhas às sequências de palafitas; reservas que não são parte do plano urbano do bairro e tampouco foram uma exigência legal para equilibrar a quantidade de área verde por habitante – são simplesmente uma consequência topográfica. São manchas verdes desconectadas e totalmente inacessíveis por causa da declividade e da fileira de palafitas que as protege e as isola de todo contato com as ruas e com os próprios prédios.

6. Na arquitetura moderna, o pilotis dos edifícios habitacionais foi concebido como um elemento que permitiria soltar o edifício do terreno, liberando no térreo uma área aberta, coberta, geralmente contígua a áreas verdes e úteis como play-ground, local de eventos, etc. “Que a casa seja suspensa por estacas, que se erga no ar, que o jardim penetre debaixo da casa”. Dessa forma os pilotis permitiriam uma continuidade do parque ao redor dos prédios ou das casas. Brasília e suas super-quadras são uma ótima tradução desse elemento, sendo que seus blocos residenciais permitem o livre caminhar pelas super-quadras por estarem sempre apoiados sobre pilotis. Por mais geométricos que sejam, esses prédios procuram ser permeáveis e penetráveis pelo público, integrados que estão na vegetação rala do cerrado.

7. No caso de Amnésias Topográficas, é como se o pilotis tivesse sofrido uma mutação, resultado de um tumor (maligno?): no lugar deste, as palafitas fazem a conexão arquitetura-natureza. Com algumas semelhanças: ambos servem para separar os prédios da natureza e do contato direto com o terreno. E com diferenças fundamentais, também: ao contrário dos pilotis, que em princípio servem para integrar os prédios e moradores nas áreas verdes, as palafitas mantém a natureza como algo inatingível. No final, os dois principais elementos do bairro (matas e palafitas), ambos de uma beleza quase espetacular, ironicamente não são acessíveis nem para moradores e nem para o público em geral.

8. Invento para Leonardo, peça do grupo de teatro Armatrux, foi a primeira transformação desse resíduo em palco de um espetáculo, evento que se encaixou em nossa idéia de reverter os espaços negativos da cidade, aproveitando-os como espaços ativáveis. Partimos então de algo existente – uma estrutura arquitetônica ordinária e agressiva – que se transformou em matéria espacial. Prédios vizinhos aqui se tornam uma única e contígua estrutura de concreto aparente; um continuum de vigas e pilares prontos para receber qualquer função. Passarelas de madeira, escadas, rampas e plataformas possibilitaram o uso extensivo das palafitas em diversos níveis no espetáculo Invento para Leonardo, quando uma arquibancada tubular transformou um lote vago em platéia das palafitas. A situação da platéia – um lote vago entre dois prédios de apartamentos laterais e as palafitas no fundo – criou uma outra relação entre espectadores, palco e cidade. Simultaneamente à apresentação da peça, os prédios vizinhos apresentavam cenas cotidianas que se tornaram públicas: famílias jantando, tomando banho, conversando, dormindo e, eventualmente, assistindo à peça de suas janelas.

9. O espetáculo possibilitou também uma inversão no quadro de privatização dos espaços da cidade. Em um país de cidades cada vez menos públicas e mais violentas, o projeto funcionou como um urbanismo efêmero que mostra os desequilíbrios urbanos de uma forma sem precedentes. Nesse sentido, Armatrux foi um fator crucial nesta investigação: ao contratar-nos para a escolha do local para uma nova peça, o grupo com tradição de teatro de rua estendeu a pesquisa do teatro para a pesquisa de novos conceitos de rua.

10. Em 2004, grandes volumes de plantas comuns e vulgares invadirão as palafitas. Amnésias Topográficas II será uma nova intervenção com o grupo Armatrux marcada por jardins suspensos, plataformas de madeira, escadas, rampas e uma grande superfície de fibra de côco que revestirá toda a encosta das palafitas. Uma seqüência de palafitas contíguas passará a ser penetrável por meio de várias passarelas que permeiam dois prédios e terminam quatro andares acima do nível de acesso, que é um lote vago nos fundos das palafitas. Não mais a separação entre platéia e público: o projeto Amnésias II mistura público e privado, atores e audiência, e usa as passarelas de circulação do público como local de apresentação e encenação.

11. A tela de fibra de côco será mais que uma simples indutora de uma nova cobertura vegetal das palafitas. Ela transformará aquela paisagem de escombros e entulho em uma topografia cenográfica, abraçando toda a encosta sem deixar nenhum centímetro de terra ou lixo à vista até descer lote abaixo, ocupando todo o terreno dos fundos como se fosse um tapete de gramíneas pervagante e onipresente. Toda a superfície do solo estará embrulhada pela tela; todo o entulho terá sido removido e/ou escondido pela superfície invasora da tela, e tudo será como morros côncavos e convexos de fibra de coco.

12. A semente que será plantada com a tela será a aveia, uma gramínea de crescimento rápido e ideal para o evento nas palafitas. Azevém, braquiara, arroz e alpiste são as outras gramíneas que compõem o mix de matos da tela de côco. Assim, o aspecto de “por fazer” das palafitas será modificado a partir de plantas típicas dos campos agrícolas.

13. Mas os capins também subirão pelas vigas e cintas para então ganhar as alturas palafitadas!!! Caixas de madeira ruim, as mesmas usadas para transportar frutas, serão usadas para plantar nossos capins (ver fotos ao lado, feitas na Terra Boa Paisagens). Serão 180 caixas com mais ou menos 28 mudas em cada (ou 5.040 mudas), ocupando uma área de 150 m2 e apoiadas sobre perfis “I” Usilight série VEE (Usiminas). Cada muda será plantada em saquinhos de plástico preto de 8 centímetros de diâmetro, e com terra adubada o suficiente para que todas as plantas daninhas cresçam em tempo recorde. Se tudo der certo, o alpiste e o milho – capins sabidamente rápidos – terão crescido mais ou menos 50 centímetros com apenas um mês de vida. Arroz e capim meloso, um pouco mais lentos, serão importantes para gerar variações de tonalidades (têm verdes mais claros) e nuances volumétricas no matagal suspenso.

14. Algumas plantas invasoras e/ou comestíveis levadas para as palafitas: azevém (Lolium multiflorum), aveia (Bromus catharticus), arrozinho (Luziola peruviana), braquiara (Brachiara decumbens), além de alpiste, painço, capim meloso e milho.

15. Por enquanto tudo deu certo. Os capins turbinados cresceram mais do que o previsto. O sol esturricante de outubro e as chuvas caudalosas de novembro fizeram as plantas crescer mais que capim. Depois de transportados, a umidade das palafitas fez com que os capins permanecessem viçosos. Agora, a tela de coco lentamente se transforma rapidamente em uma penugem de mudas recém-brotadas –- nas profundezas das palafitas menos; nas áreas próximas do sol, mais. Quase cem madeirites 110x220 cm foram usados na confecção das passarelas, além de vários metros lineares de peças de madeira 15x6, inúmeros metros lineares peças 6x6, centenas de metros de peças 27x6, 200 parafusos 3/8 x 5”, e dez kilos de pregos.

16. Nômades, um drama sobre a solidão e a esperança do Grupo Armatrux (texto de Paulo Azevedo, direção de Critiana Brandão), é um diálogo com as contradições e ambigüidades expostas na intervenção Amnésias Topográficas II. Os atores ora se perdem no espaço, ora convidam os espectadores para caminhar nas passarelas. Começando o espetáculo na rua, homem-cone, mulher-das-caixas, o homem-cabeça trazem a platéia e percorrem as passarelas com sofreguidão, fazendo comentários sobre o espaço do evento e terminando a cena junto com o público, no terceiro e último andar do palco/platéia.

notas

[© Fotos Eduardo Eckenfels].

Carlos M Teixeira e Louise Ganz, Belo Horizonte MG Brasi

 

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