O novo milênio nos havia brindado com uma idéia forte: a discutida, contraditória, incomoda e portanto inesquecível Less Aesthetics, more Etics do arquiteto Massimiliano Fucksas; logo apagada, em 2002, pelo descompromisso acrítico de Next, do então diretor da revista Domus Dejian Sudjic, e em 2004 pelo pragmatismo de Metamorph do professor Kurt Forster.
A decima Bienal Città. Architettura e società do arquiteto e urbanista Richard Burdett – que fechou em novembro de 2006 em Veneza – confirmou mais uma vez a opção “britânica” dos organizadores, em prol de uma suposta imparcialidade ou pretendida objetividade.
As protagonistas da edição 2006 eram 16 megacidades e grandes cidades dos quatro continentes (Shanghai, Mumbai e Tokyo na Ásia; Caracas, Cidade do México, Bogotá, São Paulo, Los Angeles e New York nas Américas; Johannesburg, Cairo e Istambul na África e Mediterrâneo; Londres, Barcelona, Berlin e Milão-Torino na Europa) apresentadas – no espaço admirável das Corderie do Arsenal – por meio de impecáveis (mas monótonas) seqüências de imagens de autor, filmagens escorrendo nas telas e pelo chão sobre seu território e seu “cotidiano”, projetos de arquitetura e urbanismo em andamento.
Alertado na entrada por dados fornecidos em multivision a 360°, o visitante/espectador ficou então sabendo que “no sul do mundo as cidades crescem com maior rapidez”; que “o crescimento maior será na Ásia e na África”; que as cidades estão consumindo “a metade da energia total” do planeta e “produzem o 75% das emissões de CO2”; que Tókio é, junto com Shanghai e Mumbai, a maior conurbação do mundo”; que em 2040 a maior será Mumbai, com 40 milhões de habitantes; que México é a cidade com menor densidade; que São Paulo tem uma população regional equivalente à de Los Angeles e Shanghai, etc. etc.
São Paulo, Bogotá e Caracas foram escolhidas – explicou Burdett – “para ilustrar tensões e oportunidades da cidade latino-americana”. Com destaque para São Paulo – definida a new-world dinamo – que abriu e fechou a seqüência fornecendo o estímulo, ou o pretexto, para as considerações finais do curador, marcadas por um otimismo (e um paternalismo) quase constrangedores:
“Os edifícios bem projetados e um urbanismo provido de forte sensibilidade podem favorecer a coesão social. Um exemplo desta potencialidade social é o projeto lançado em São Paulo para a construção de 100 escolas publicas que ficam abertas à comunidade à noite, oferecendo aos jovens uma alternativa à violencia da rua. Projetados por alguns entre os melhores arquitetos emergentes da cidade, apresentam uma qualidade que fortalece o conceito do direito de todos a lugares que possam promover o orgulho de uma cidadania ativa. Nos arredores, o crime diminuiu. E o mesmo aconteceu em Bogotá, Caracas, México City, aonde bibliotecas, centros desportivos e artísticos – e em Mumbai estruturas sanitárias – têm transformado a vida dos cidadãos e sua relação para com a cidade”.
Nos pavilhões nacionais o tema foi tratado – como de costume – de acordo com diversos enfoques, e objetivos:
- da reflexão histórica (Ver è conhecer: a perspectiva holandesa), à analise da estruturação do território e do espaço urbano (tema entre outros do ótimo pavilhão brasileiro, dedicado à São Paulo).
- da informação sobre novas realidades e seus cenários (no Padiglione Itália nos Giardini eram reunidos projetos sobre a cidade futura de 13 institutos internacionais de arquitetura; Co-evolution, colaboração Dinamarquesa & Chinesa sobre desenvolvimento urbano sustentável na China, apresentava quatro projetos realizados por jovens arquitetos da Dinamarca junto com docentes e alunos de quatro universidades chinesas; a Argentina uma projeção “até 2050” relativa às duas maiores cidades da bacia do Rio de la Plata, Buenos Aires e Rosário) à apresentação de casos limites, como os apresentados pelos Países Nórdicos (Artic cities: Kiruna, Oulu, Tromsø) ou pelo Egito (Cities wihin the city, sobre as cidades informais do Cairo): geradores de otimismo e energia – “quem vive nos arredores do círculo polar ártico leva uma vida satisfatória – ou de senso de impotência e medo do futuro: “qual será então o futuro do Cairo?”.
- do lúdico (Sweather Lodge, Canada; Singapore Shopping, Singapura) ao politically correct mais ou menos rasteiro (no pavilhão da Espanha – Nosotras,las ciudades – só havia video-monólogos de mulheres, protagonistas/ espectadoras da cidade contemporânea; os Estados Unidos apresentaram projetos para a reconstrução de New Orleans após as devastações do Katrina) até à promoção mais ou menos descarada das iniciativas dos patrocinadores. Logo na entrada do Arsenale o local das antigas Fonderie era de fato reservado à sociedade imobiliária Risanamento S.p.A (main partner da manifestação), que apresentava num amplo espaço celebrativo dividido em três módulos iguais - ao centro o presidente e administrador delegado Luigi Zunino, a direita e a esquerda os arquitetos - seus dois “projetos de excelência” para a Milão do futuro próximo: o de Renzo Piano para a área das siderúrgicas Falck de Sesto San Giovanni e o de Norman Foster para Milano Santa Giulia, “ dois projetos estraordinarios, entre as maiores realizações imobiliárias do panorama internacional – na opinião de Zunino – não só pelo tamanho das áreas de intervenção, mas porque representam um verdadeiro modelo de recuperação e transformação de áreas ex industriais” (Le città nella città. Costruire oggi la Milano del futuro).
Entre os eventos colaterais, a Ikona Photo Gallery apresentava fotografias de Giulia Foscari, que vive numa villa de Palladio e trabalha sobre a favela brasileira.
Quasi nessuna contestazione: ma vedi Venezuela.
Fartos de tamanha abundancia de dados e informações; irritados por ter sido chamados, na maioria das vezes, a constatar e admirar muito mais que a pensar e a imaginar , os que resolveram se entregar ao press escape encontraram poucas, mas notáveis, oportunidades: entrar no “panorama” realizado por Franco Purini (em anexo a Invito a Vema , proposta de uma nova cidade, utópica ma non troppo ) e assistir a sua intrigante, irônica, performance visiva sobre a arquitetura italiana do século XX contada através dos rostos de seus protagonistas; sentar calmamente no pavilhão da Bélgica para ver e ouvir escorrer, no escuro, as águas de um canal (La beauté de l’ordinaire, de Label Architecture); e subir enfim, ao por do sol, no Tiles garden do arquiteto Wang Shu, China, construído no lugar mais escondido do Arsenal – o Giardino delle Vergini – com mais de 60.000 antigas telhas recuperadas em demolições, “para mostrar ao mundo não o que é a arquitetura contemporânea made in China, mas como a arquitetura chinesa encara o mundo contemporâneo”.
E quem quiser entender, entenda.
notas
[publicação: março 2007]
Giovanna Rosso Del Brenna, Milão Itália