O filme Maria Antonieta, escrito e dirigido por Sofia Coppola e estrelado por Kirsten Dunst, no papel da rainha, atualmente em cartaz em diversos países, além do Brasil e dos Estados Unidos, teve, neste último, uma acolhida pouco generosa da parte da crítica especializada. Uma delas assinalou que, visando fazer um filme leve, que mostrasse a superficialidade de Maria Antonieta, a diretora findou por oferecer um filme que é, ele mesmo, superficial. Não sei se endossaria esta perspectiva.
De qualquer forma, seguindo o raciocínio de que ao sapateiro só cabe falar do sapato, ouso apenas aqui registrar uma curiosidade que o filme me suscitou do ponto de vista da História da Arquitetura. Segundo o website Wikipedia, que acabo de consultar, o filme é vagamente baseado num livro escrito entre 2001-2002 por Lady Antonia Fraser, escritora inglesa casada com Harold Pinter, prêmio Nobel da Literatura. Não tive acesso à obra de Lady Fraser e, portanto, não sei se nela Maria Antonieta ia ao Opera de Paris, como a conduz Coppola, no filme em questão, quando, num dos muitos momentos de tédio em Versailles, a infeliz rainha foge para um bal masqué.
É possível que Maria Antonieta tenha realmente ido a bailes de máscaras na capital francesa, entre um ou outro momento de abuso entre o Palácio, o Petit Trianon e a sua choupana, onde brincava de camponesa. Maria Antonieta poderia também ter ido a óperas e Mozart, citado numa brincadeira da corte, num dos momentos do filme era certamente seu conhecido. Inclusive, sabe-se que Luis XVI, após haver lido o manuscrito de O Casamento de Figaro, julgando que se tratasse de uma crítica ao Ancien Régime comentou que era detestável e que nunca iria aos palcos, mas, findou por liberar. O que, no entanto, me causou estranheza foi a impressão de que a cena do baile havia sido rodada no foyer do Ópera de Paris de Charles Garnier, com suas belíssimas escadarias ecléticas, o que parecem confirmar as informações do website oficial do filme sobre os locais de filmagem.
O fato é que, morta em 1793, Maria Antonieta nunca poderia ter ido ao Opera de Charles Garnier, que dataria de 1857, segundo o website Wikipedia ou de 1860, segundo Leonardo Benévolo. Assegurando o direito de recriação do artista, Matisse (se minha memória não me trai) teria dito, ao ser criticado por pintar de verde a cara de uma mulher, que aquilo não era uma mulher, mas, uma pintura. Ou seja, arte é criação, sem compromisso com a realidade e, assim sendo, Sofia Coppola pode levar a sua rainha ao futuro, ao passado ou alhures. E, de fato, a diretora parece ter feito dos vários anacronismos um recurso estético, mais evidente no caso da música. Mas, a mediocridade do fazer docente tem que se ater ao princípio de realidade, diferentemente da narrativa ficcional, nem tudo cabe no papel.
notas
[publicação: abril 2007]
Sonia Marques, Recife PE Brasil